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China: acidente é “incomum” e especular sobre causa pode gerar pânico, diz especialista

Piloto com especialização em segurança de voo falou ao Terra sobre queda de avião que deixou 132 pessoas mortas no sul do país

24 mar 2022 - 11h38
(atualizado às 12h34)
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Soldados trabalham em local de queda de avião na China
Soldados trabalham em local de queda de avião na China
Foto: Reuters

Como todo acidente aéreo, as notícias e imagens de um incidente como o que ocorreu na China na última segunda-feira, 21, geram apreensão, versões das mais diferentes possíveis e também uma pressão por respostas rápidas – o que não ajuda em nada a investigação profissional.

O Terra conversou com Caio Cintra, piloto comercial de aeronaves, especializado em segurança de voo, e coordenador do curso de ciências aeronáuticas da Uninassau para repercutir o acidente com um Boeing 737-800 da China Eastern Airlines, que deixou 132 pessoas mortas.

Com base nas imagens impressionantes do ocorrido, em que o avião aparece despencando de bico em uma região de mata, o especialista ressalta que, mesmo com um registro em vídeo da queda, não dá para firmar hipóteses sobre a causa.

“Ainda é muito cedo, não temos informações suficientes. O que temos são as imagens da aeronave caindo, o que dá para concluir que ela desceu em um ângulo muito íngreme, mas, além disso, não temos informações para cogitar nada”.

Local da queda do Boeing 737-800 na China
Local da queda do Boeing 737-800 na China
Foto: Reuters

Cintra reforça que todo acidente aéreo envolve muita complexidade, porque não é uma única falha que derruba uma aeronave. “O nível de proteção, principalmente em linhas aéreas, é muito elevado com relação a redundâncias e pessoas certificando que tudo está acontecendo da maneira correta. Só um erro não causa um acidente. São diversas falhas e várias infelizes coincidências que causam um acidente”.

“Incomum”

O especialista resumiu a circunstância envolvendo o incidente como “incomum”. Cintra explica que é muito raro acontecer problemas na fase em que o voo da China Eastern Airlines estava quando começou a despencar.

“O voo estava em nível de cruzeiro, estabilizado em rota; essa é uma fase rara de a aeronave apresentar problemas. É só olhar para as estatísticas: na fase em que a aeronave não está subindo e nem descendo, os incidentes são muito incomuns, o que eleva ainda mais a complexidade desse caso”.

Cintra detalha ainda que a fase de cruzeiro é muito estável, sem muitas mudanças ou variações. Além disso, os componentes do voo não estão trabalhando próximo do limite e os pilotos estão com uma carga de trabalho mais amena. “Em geral, é uma fase tranquila do voo”, resumiu.

Os números e as imagens desse acidente reforçam mais ainda a anormalidade do caso. Segundo o especialista, o avião da China Eastern Airlines voava a cerca de 30 mil pés de altitude e foi ao chão em apenas dois minutos.

Vídeos mostram momento da queda de avião na China:

“Em uma situação normal, essa descida dura 15 minutos – ou mais – até chegar ao chão. Realmente é uma situação anômala e é preciso aguardar as informações dos órgãos de investigação para entender o que aconteceu e trabalhar de forma a impedir que aconteça novamente”.

Caixa-preta: dados ricos e detalhados

A notícia em que as caixas-pretas da aeronave foram encontradas por equipes de busca na quarta-feira, 23, é um sinal muito positivo para a investigação. O especialista em segurança de voo explica a importância desse item. “Tem bastante informação útil para a investigação. [As caixas-pretas] registram muitos dados durante o voo justamente para que os investigadores saibam o que ocorreu em um caso de acidente”.

Equipes localizaram uma das caixas-pretas do avião
Equipes localizaram uma das caixas-pretas do avião
Foto: China Central Television (CCTV)

Cintra explica que as aeronaves, em geral, possuem duas caixas-pretas. Uma grava informações do cockpit dos pilotos – como conversas com controle aéreo, por exemplo – e outra armazena dados como velocidade e parâmetros da aeronave. “Ambas são de extrema importância porque dão informações ricas e detalhadas para os investigadores entenderem o que causou a queda”.

O trabalho dos órgãos de investigação, ressalta ainda o especialista, não é apontar culpados, mas trabalhar no reforço de proteção e evitar novos incidentes. Ele destacou, também, a capacidade desses órgãos em reproduzir os incidentes.

“É impressionante como eles reconstituem toda a situação. Teve outro acidente, sem correlação a esse da China, em que o avião da Malaysia Airlines foi abatido e caiu em diversos pedaços. Os órgãos conseguiram reconstruir a aeronave a ponto de verificar quais foram os pontos de colisão do míssil e até de precisar qual era o míssil em questão”, detalha.

Juízes inspecionam reconstrução dos destroços do MH17, em Reijen, Holanda
26/05/2021 REUTERS/Piroschka van de Wouw/Pool
Juízes inspecionam reconstrução dos destroços do MH17, em Reijen, Holanda 26/05/2021 REUTERS/Piroschka van de Wouw/Pool
Foto: Reuters

Histórico ‘invejável’ de segurança

Questionado sobre o histórico do modelo da aeronave, Boeing 737-800, Caio Cintra, disse que esse tipo de avião tem um histórico “invejável” de segurança. “É uma aeronave que surgiu na década de 90 e é relativamente moderna. Tem muitos anos de operação, com cerca de 5 mil unidades produzidas e vendidas. Tudo isso com pouquíssimos casos de acidente. É uma aeronave testada e operada no mundo inteiro por diversas cias aéreas, inclusive no Brasil, com um histórico, digamos, invejável de segurança”.

O especialista falou ainda sobre a confusão que ocorreu com os acidentes com o Boeing 737-MAX, que, apesar do nome, é uma aeronave distinta da que caiu na China. “Ocorreram acidentes que seria a nova geração desse modelo, mas que foram causados por um sistema que o 737-800 não possui. É um sistema que veio com as modificações da aeronave e falhou, comprovadamente, em acidentes anteriores. São aeronaves distintas, então podemos descartar uma hipótese de relação entre elas”.

Caio Cintra ainda comentou que a decisão da China Eastern Airlines de suspender os voos com o Boeing 737-800 foi mais uma precaução do que um sinal de que algo está errado com o modelo. O especialista não acredita, por exemplo, que outros países vão deixar de operar com essa aeronave. “Não é algo que gera receio no mundo porque é um caso isolado. Não vejo empresas mundo afora com tendência de suspender voos com o Boeing 737-800”.

Especulações, desinformação e pânico

O Terra perguntou ao especialista a respeito de especulações que têm surgido na internet e em redes sociais. Há teses de que houve problemas nas asas, no sistema de estabilização do avião e – até mesmo – de uma ação proposital do piloto da aeronave. Cintra reforça, por diversas vezes na conversa, que especular nessa altura da investigação é uma armadilha que pode levar à desinformação e até ao pânico de passageiros, principalmente àqueles que já sofrem com desconforto ou medo na hora de voar.

“Hoje a sociedade busca respostas em uma velocidade absurda como resultado da internet e mídias sociais. A população quer saber hoje porque o avião caiu e gera especulações mirabolantes, causando desinformação e até um pânico desnecessário. Vi especulações, por exemplo, com relação à estabilização do avião e cheguei a ver vídeos que eram de outros eventos”.

Uma eventual queda proposital, também levantada na internet, lembra o caso que ocorreu em 2015 com um avião da Germanwings. Na ocasião, o copiloto Andreas Lubitz trancou-se no cockpit e derrubou o voo 9525 nos Alpes franceses, matando os 150 passageiros e tripulantes.

Para exemplificar que todo acidente gera mudanças na aviação, Cintra conta que até mesmo esse caso da Germanwings afetou sua rotina de piloto. “Isso gerou mudanças nos parâmetros de segurança com relação à questão psicológica em voo. Eu mesmo tive que fazer check-ups e meu psicológico foi checado com muito mais frequência”, lembra. “É muito cedo para apontar qualquer coisa. Esse nível de especulação é o mesmo que dizer que um meteoro ou um extraterrestre derrubou a aeronave, porque não há base alguma para isso”, conclui.

Fonte: Redação Terra
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