Cinco pontos para entender a guerra civil no Iêmen, que já matou quase 10 mil em dois anos
Arábia Saudita e Irã estariam apoiando diferentes lados no conflito iemenita, que é hoje a principal crise humanitária do mundo e tem desdobramentos regionais e internacionais.
O Iêmen, um dos países mais pobres do mundo árabe, tem sido devastado por uma guerra civil que opõe duas potências do Oriente Médio: de um lado, estão as forças oficiais do governo de Abd-Rabbu Mansour Hadi, apoiadas por uma coalizão sunita liderada pela Arábia Saudita. Do outro, está a milícia rebelde huti, de xiitas, apoiada pelo Irã.
Desde março de 2015, mais de 8,6 mil pessoas foram mortas e 49 mil ficaram feridas, muitas em ataques aéreos liderados pela coalizão árabe.
Em meio à guerra, o país sofre com bloqueios comerciais impostos pelos sunitas. Em decorrência disso, estima-se que cerca de 20 milhões de pessoas não tenham conseguido receber a ajuda humanitária enviada via portos e aeroportos e criou a maior situação de fome da história recente.
A ONU classifica a situação no Iêmen como a pior crise humanitária do mundo - além da guerra civil, há milhões de pessoas morrendo de fome e uma epidemia de cólera em curso.
Nesta segunda-feira, Ali Abdullah Saleh, que governou o país por 33 anos até ser deposto durante a Primavera Árabe em 2011, foi assassinado por rebeldes. Saleh era aliado dos hutis, mas foi considerado "traidor" por se dizer disposto a dialogar com a Arábia Saudita, que apoia o governo iemenita.
A BBC listou alguns pontos desse conflito para tentar entender melhor o que acontece nesse país da Península Arábica.
Por que essa guerra importa para o resto do mundo?
O que acontece no Iêmen pode aumentar muito as tensões na região, além de elevar os temores do Ocidente de ataques vindos do país, à medida que ele se torna mais instável.
As agências de inteligência consideram o braço da organização extremista Al-Qaeda na Península Arábica como o mais perigoso, por causa de sua expertise técnica e alcance global. O surgimento na região de novos grupos afiliados ao Estado Islâmico também é motivo de preocupação.
O conflito entre os hutis e o governo também é visto como parte de uma batalha regional de poder entre os xiitas liderados pelo Irã e os sunitas, pela Arábia Saudita.
Os países do Golfo Pérsico, que apoiam o presidente iemenita Abdu Rabbu Mansour Hadi, acusam o Irã de apoiar os hutis financeiramente e militarmente, apesar de o Irã negar.
O Iêmen é estrategicamente importante porque está no estreito de Bab-el-Mandeb, que faz ligação com a África, e é rota de navios petroleiros.
Como tudo começou?
Essa guerra tem suas raízes no fracasso de uma transição política que supostamente traria estabilidade ao Iêmen após uma revolta na sequência da Primavera Árabe, em 2011, que forçou a saída do poder do ex-presidente Ali Abdullah Saleh após 33 anos no poder, e passou o comando do país para o seu então vice, Hadi.
Hadi enfrentou uma variedade de problemas, incluindo ataques da Al-Qaeda, um movimento separatista no sul, a resistência de muitos militares que continuaram leais a Saleh, assim como corrupção, desemprego e insegurança alimentar.
O movimento huti, que segue uma corrente do islã xiita chamada zaidismo e travou uma série de batalhas contra Saleh na década anterior, tirou proveito da fraqueza do novo presidente e tomou o controle da província de Saada, no nordeste.
Desiludidos com a transição, muitos iemenitas - incluindo os sunitas - apoiaram os hutis e, em setembro de 2014, eles entraram na capital do país, Sanaa, montando acampamentos nas ruas e bloqueando as vias.
Em janeiro de 2015 eles cercaram o palácio presidencial e colocaram o presidente Hadi e seu gabinete em prisão domiciliar.
O presidente conseguiu fugir para a cidade de Áden no mês seguinte.
Os hutis tentaram então tomar o controle do país inteiro e Hadi teve que deixar o Iêmen.
Alarmados com o crescimento de um grupo que eles acreditavam ser apoiado militarmente pelo poder xiita local do Irã, a Arábia Saudita e outros oito Estados sunitas árabes começaram uma série de ataques aéreos para restaurar o governo de Hadi. Essa coalizão recebeu apoio logístico e de inteligência de Estados Unidos, do Reino Unido e da França.
O que aconteceu desde então?
Há dois anos e meio, essa guerra está em curso e nenhum dos lados parece disposto a ceder. A ONU tentou, sem sucesso, por três vezes negociar um acordo de paz.
Forças pró-governo, constituídas principalmente por soldados leais ao presidente Hadi e sunitas de tribos do sul e separatistas, conseguiram evitar que os rebeldes tomassem a cidade de Áden, mas após quatro meses de uma batalha violenta, que deixou centenas de mortos.
Tendo assegurado um espaço no porto, tropas das forças de coalizão desembarcaram lá e ajudaram a expulsar os hutis para o sul. O presidente Hadi estabeleceu residência temporária em Áden, apesar da maioria de seu gabinete continuar exilada.
Os hutis, no entanto, conseguiram manter um cerco na cidade de Taiz e lançar morteiros e foguetes através da fronteira com a Arábia Saudita.
Os jihadistas da Al-Qaeda na Península Arábica e rivais de organizações parceiras do Estado Islâmico têm tomado proveito do caos, confiscando territórios no sul e cometendo ataques mortais, principalmente em Áden.
O lançamento de um míssil em direção a Riad em novembro levou a Arábia Saudita a apertar o bloqueio no Iêmen.
A coalizão alegou querer parar o contrabando de armas para os rebeldes do Irã, mas a ONU disse que as restrições poderiam desencadear "a maior crise de fome que o mundo já viu em décadas".
Qual o impacto na população?
A população tem suportado o caos da guerra e tem sido constantemente vítima do que o conselho de direitos humanos da ONU chama de "incessantes violações do direito humanitário internacional".
Os ataques aéreos da coalizão saudita foram as principais causas da morte desse civis.
A destruição da infraestrutura do país e as restrições de importação de comida, de medicamenteos e de combustível causaram o que a ONU diz ser uma situação humanitária catastrófica.
Mais de 20 milhões de pessoas, incluindo 11 milhões de crianças, precisam de ajuda humanitária imediata. Há 7 milhões de pessoas dependentes de ajuda para comer e 400 mil crianças sofrendo de desnutrição;
Ao menos 14,8 milhões estão sem cuidados básicos de saúde, e apenas 45% dos 3.500 postos de saúde estão funcionando. Eles estão lutando para conter a maior epidemia de cólera do mundo, que já resultou em mais de 913 mil casos suspeitos e em 2.196 mortes desde abril.
Dois milhões de iemenitas estão desabrigados por causa da guerra e 188 mil fugiram para países vizinhos.
Por que há uma ruptura entre os rebeldes?
Durante meses houve indicativos de que a aliança entre os hutis e os apoiadores de Saleh estava estremecida, o que se provou verdade com o assassinato do ex-presidente.
No dia 29 de novembro, conflitos entre os antigos aliados emergiram na capital Sanaa. Com cada um dos lados culpando o outro pela ruptura, no dia 2 de dezembro Saleh apareceu na televisão dizendo à coalizão saudita estar aberto a um novo capítulo nas relações.
Ele pediu à coalizão para parar os ataques aéreos e afrouxar o bloqueio no país. Também se dispôs a um novo diálogo, o que foi bem -recebido pela coalizão, mas visto como traição pelos hutis, que o assassinaram.