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Como a China usa espiões para vigiar e desacreditar dissidentes que vivem nos EUA

Enquanto o Ocidente alerta para os crescentes esforços de espionagem da China, os cidadãos dos EUA se veem na mira de Pequim

17 jul 2022 - 15h58
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Dissidentes chineses nos EUA marcam o 32º aniversário dos protestos na Praça da Paz Celestial
Dissidentes chineses nos EUA marcam o 32º aniversário dos protestos na Praça da Paz Celestial
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Arthur Liu, pai da patinadora artística olímpica Alyssa Liu e dissidente veterano na Califórnia, não ficou surpreso quando recebeu uma ligação do FBI.

"Disseram-me que o governo chinês havia enviado espiões para a área da Baía de São Francisco para obter informações sobre o meu passaporte e da minha filha", disse o chinês, que também é ativista contra o governo de Pequim, à BBC.

"Eu não diria que fiquei chocado, mas pensei 'uau, eles estão levando isso muito a sério'."

Ligação suspeita

A princípio, Liu não ligou os pontos depois de receber uma ligação "suspeita" de um homem que dizia ser do Comitê Olímpico e Paralímpico dos EUA. Na chamada, ele disse que estava realizando "uma revisão preparatória" para a viagem aos Jogos Olímpicos de Inverno em fevereiro de 2022.

"Eu realmente não percebi que poderia ser alguém que não era do Comitê Olímpico", lembrou Liu. "Apenas decidi fazer a coisa certa e não dar nenhuma informação. Não é assim que normalmente submetemos os nossos passaportes."

A voz do outro lado da linha, acreditam as autoridades americanas, era de Anthony Ziburis, ex-guarda prisional e guarda-costas do Estado da Flórida.

Sua missão era espionar e desacreditar dissidentes chineses para os serviços de inteligência de Pequim.

Entre os dissidentes espionados estão supostamente dois cidadãos dos EUA, Liu e Yan Xiong, um capelão do Exército dos EUA e candidato ao Congresso que esteve envolvido nos protestos de 1989 na Praça da Paz Celestial.

Em março, Ziburis foi acusado pelo Departamento de Justiça dos EUA de espionagem para o governo chinês. Mas ele está longe de ser o único.

Até agora no ano de 2022, agentes dos EUA acusaram pelo menos 12 pessoas, incluindo vários cidadãos americanos, de assediar e espionar para a China.

O aviso do MI5 e do FBI

Em 8 de julho, outras duas pessoas também foram acusadas de participar do mesmo esquema que visava Liu.

O caso de Liu surge em um momento de tensão, tanto nos EUA quanto no Reino Unido, devido ao aumento das atividades de espionagem chinesas em todo o mundo.

Em uma aparição pública sem precedentes na semana passada no complexo do MI5 — serviço de inteligência doméstica britânico — em Londres, os líderes dos serviços de segurança dos EUA e do Reino Unido alertaram sobre um vasto programa de espionagem e hackers desenvolvido pela China, que pode ser maior do que todos os programas gerenciados por outros países desenvolvidos combinados.

Diretores do MI5 e do FBI, Ken McCallum e Christopher Wray, em Londres
Diretores do MI5 e do FBI, Ken McCallum e Christopher Wray, em Londres
Foto: UK pool via ITN / BBC News Brasil

Acredita-se que esses esquemas sejam parte de um esforço maior, crescente e multifacetado para dar à China uma vantagem sobre seus rivais e silenciar ou suprimir ameaças ao governo do Partido Comunista Chinês.

A estratégia inclui todos os tipos de tática, do uso de hackers ao envio de espiões para as portas das casas das vítimas.

Os "cinco venenos" da China

Ex-agentes de inteligência dos EUA dizem que os alvos mais prováveis são aqueles que possuem conexões com o que o governo chinês identifica como os "cinco venenos" que o ameaçam.

São eles: separatistas tibetanos e uigures (muçulmanos que habitam predominantemente a região autônoma de Xinjiang, no noroeste da China), o movimento espiritual Falung Gong, ativistas da independência em Taiwan e, como é o caso de Liu, membros do movimento pró-democracia na China.

De forma alarmante, espera-se que esses esforços aumentem em meio ao acirramento das relações sino-americanas. E nem mesmo cidadãos americanos devem ser poupados.

Para Liu, que fugiu da China via Hong Kong após os protestos pró-democracia de 1989 na Praça da Paz Celestial, a possibilidade de ser espionado sempre esteve presente.

Uma tentativa anterior terminou quando ele involuntariamente fez amizade com um pretenso agente. Tratava-se de um estudante, apresentado a ele por um contato da rede local da diáspora chinesa, que ele ajudou a encontrar moradia nos EUA.

"Um ou dois anos depois, ele me disse que tinham pedido para ele me espionar. Era uma condição para ele vir [para os Estados Unidos]", disse Liu. "Mas depois ele desistiu de fazer isso."

Espionagem humana e por computadores

A espionagem de cidadãos chineses que vivem no exterior ocorre de várias formas: desde tentativas de hackear seus e-mails e dispositivos até a colocação de agentes humanos em seus círculos sociais ou organizações expatriadas.

Métodos eletrônicos são frequentemente usados para "facilitar" a espionagem humana.

"Você pode espionar alguém online e ter uma ideia de seus contatos", disse Christopher Johnson, ex-analista-chefe da China na CIA. "Então talvez você se aproxime dessas pessoas. Uma coisa leva a outra."

Pequim ataca dissidentes como Liu porque acredita que eles fazem parte de uma "batalha de narrativa global" entre a China e o Ocidente, acrescentou Johnson.

Segundo ele, aqueles que se manifestam publicamente contra o regime podem prejudicar os esforços da China de se retratar de forma positiva para o resto do mundo.

Essa discussão ganhou "mais importância nos últimos dois anos", disse ele.

Um lado da história

"Eles usam um termo marxista ultrapassado, 'poder da fala'. Trata-se da ideia de que eles mesmos deveriam contar a história da China, por meio de sua própria propaganda."

O governo chinês não respondeu a um pedido de comentário da reportagem.

Quando Ziburis foi indiciado em março, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Pequim, Zhao Lijian, acusou os Estados Unidos de "difamar" a China.

No entanto, atuais e ex-funcionários de inteligência dos EUA alertaram repetidamente sobre uma grande campanha de espionagem chinesa em solo americano.

Em um discurso no início deste ano, o diretor do FBI, John Wray, disse que as operações de espionagem chinesa nos Estados Unidos estão "mais descaradas" do que nunca.

Segundo Christopher Johnson, essa realidade é particularmente verdadeira porque o governo de Joe Biden usa a rivalidade entre os Estados Unidos e a China como parte de uma luta global entre democracias e autocracias.

Um caso a cada 12 horas

De acordo com o FBI, a agência abre um novo caso de contrainteligência relacionado à China a cada 12 horas. Até fevereiro, mais de 2.000 casos foram iniciados.

Apesar disso, Johnson chamou os esforços dos EUA para impedir a espionagem chinesa de "desanimadores".

"Eles estão dispostos a se esforçar muito mais do que nós estamos para tentar pará-los", disse ele.

O FBI estima que existam "centenas" de dissidentes nos EUA que a China espera atingir como parte de uma campanha cada vez mais agressiva de retaliação pessoal e política.

"A maioria dos alvos são residentes permanentes ou cidadãos naturalizados — pessoas com direitos e proteções importantes sob a lei dos EUA", disse o diretor Wray.

"Não me importa"

Arthur Liu e sua filha, a patinadora artística olímpica Alyssa Liu, em 2019.
Arthur Liu e sua filha, a patinadora artística olímpica Alyssa Liu, em 2019.
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Liu, por sua vez, disse não acreditar que os esforços para espioná-lo vão parar.

A tentativa mais recente, no entanto, teve uma complicação adicional.

Na época da ligação do FBI, sua filha Alyssa Liu provavelmente viajaria para Pequim. A patinadora havia feito postagens em suas redes sociais criticando o tratamento dado pela China à minoria étnica uigur.

Liu reconheceu que estava "extremamente preocupado" com a segurança dela, mas optou por não contar a ela sobre as tentativas de espionagem naquele momento.

"Eu não queria que ela fosse para a China com uma carga pesada sobre os ombros", disse o pai. "Eu queria que ele fosse e aproveitasse a experiência olímpica."

Um ano depois, ele afirma que não ficará surpreso se o FBI entrar em contato novamente, embora espere "não ter que fazer isso novamente".

"Aprendi a me comportar como uma pessoa normal. Eles [o governo chinês] podem fazer o que quiserem, não posso impedi-los. Não me importo", disse ele.

"Continuarei a me manifestar contra certos comportamentos e qualquer tipo de violação dos direitos humanos. Nada me impedirá de fazê-lo."

- Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62173445

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