Como atentado contra Bolsonaro em 2018 se compara com tentativa de assassinato de Trump
Os dois candidatos foram alvo de ataques durante comícios antes das eleições presidenciais. Especialistas veem com preocupação o acirramento de ânimos e a escala da violência na política.
A tentativa de assassinato do ex-presidente Donald Trump no sábado (13/7) gerou comparações nas redes sociais com outro evento que aconteceu no Brasil há seis anos, o ataque com faca contra o então candidato Jair Bolsonaro (PL).
O próprio Bolsonaro identificou paralelos entre os dois casos. Em um vídeo postado no X (o antigo Twitter), o ex-presidente brasileiro insinuou que "somente pessoas conservadoras sofrem atentados".
A comparação também foi feita pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente, e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
O episódio brasileiro aconteceu em 6 de setembro de 2018 na cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais.
Durante um evento de campanha à Presidência, Bolsonaro era carregado por uma multidão de apoiadores quando Adélio Bispo de Oliveira se aproximou e esfaqueou o político no abdômen.
O candidato — que meses depois seria eleito presidente do Brasil — teve uma grave hemorragia e precisou ser submetido a uma série de cirurgias.
Bispo de Oliveira foi preso no próprio local do atentato, e uma investigação feita pela polícia concluiu que ele agiu sozinho, sem nenhum mandante por trás da ação.
Nos Estados Unidos, os tiros contra Trump foram disparados por Thomas Matthew Crooks, que foi morto no próprio local, e acertaram a orelha direita do ex-presidente, causando um sangramento.
Depois de ser retirado do palco por agentes do serviço secreto americano, o ex-presidente americano foi a um hospital onde logo recebeu alta, porque não apresentava nenhuma lesão mais grave.
Mas quais são as semelhanças e diferenças entre os episódios ocorridos no Brasil e nos EUA?
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil se mostram preocupados com a escalada da violência na política em várias partes do mundo — e entendem que esses episódios fazem parte de um fenômeno global.
A violência invade a política
A antropóloga Andreza de Souza Santos, diretora do Brazil Institute na universidade King's College London, no Reino Unido, avalia que ambos os episódios revelam como a política está se tornando cada vez mais violenta.
"Por definição, a política é o contrário da violência. Ela é a forma pacífica que encontramos de resolver conflitos ao criar partidos, promover discussões e formar maiorias", diz Santos.
"Mas parece que a política não consegue mais dar conta desse recado. As pessoas estão se polarizando de tal forma que episódios violentos, como esses registrados no Brasil em 2018 e agora nos Estados Unidos, se tornaram mais frequentes."
Christopher Sabatini, pesquisador-sênior do Programa de América Latina, Estados Unidos e Américas do centro de estudos Chatham House, no Reino Unido, classifica as duas tentativas de assassinato como "tragédias humanas".
"Independentemente do espectro político, os alvos são pessoas, que representam uma parcela do eleitorado e o próprio país", diz Sabatini, que também atua na London School of Economics.
"No entanto, em ambos os casos, falamos de cenários altamente polarizados, que envolveram duas figuras eleitorais altamente polarizantes."
Efeitos nas eleições
Para Santos, ainda não dá para ter certeza se a tentativa de assassinato de Trump terá o mesmo efeito eleitoral e político que se desenrolou após a facada em Bolsonaro.
"Algo que diferencia os dois episódios é o fato de Bolsonaro ter ficado hospitalizado por um tempo prolongado, enquanto Trump já recebeu alta", reflete ela.
"Por causa do atentado, o então candidato nas eleições brasileiras de 2018 não esteve presente em vários debates políticos, onde poderia ter sido confrontado pelos adversários, e havia uma expectativa de que ele pudesse sair-se mal e acabasse enfraquecido."
Para a professora, a ausência dele nesses eventos decisivos permitiu que a sua campanha investisse em discurso de "vitimização" e criasse "um Bolsonaro para cada tipo de eleitor".
"Em mensagens dirigidas a grupos específicos, havia um Bolsonaro que era contra a corrupção para agradar a parcela antipetista, outro que se posicionava contra as minorias para dar voz aos eleitores de direita e assim por diante", exemplifica Santos.
"E, sem a possibilidade de fazer debates, não houve como confrontar essas diferentes versões do então candidato."
Sabatini concorda que, apesar da tragédia do atentado, Bolsonaro obteve um benefício eleitoral com o episódio.
"Já no caso de Trump, a grande questão é que ele já está saindo-se muito bem na campanha até o momento. Será que esse episódio vai reforçar ainda mais essa posição?", questiona o pesquisador.
Paralelos com o passado
Algo que também diferencia os ataques a Trump e Bolsonaro tem a ver com o histórico dos dois países.
Nos Estados Unidos, houve diversos episódios em que candidatos, presidentes e ex-presidentes foram atacados e mortos — os casos mais conhecidos são os de Abraham Lincoln, em 1865, e John F. Kennedy, em 1963.
Já no Brasil, especialistas apontam que a violência contra políticos costuma envolver forças e interesses locais, de bairros ou municípios, como o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) em 2018 no Rio de Janeiro.
Entre os casos nacionais mais famosos há o do senador Arnon de Mello (PDC-AL), pai do futuro presidente Fernando Collor, que, em 1963, matou o colega José Kairala (PSD-AC) durante uma briga no Congresso Nacional.
Outro episódio de grande repercussão nacional ocorreu em 1930, quando o então candidato a vice-presidente João Pessoa foi assassinado em Recife.
"O Brasil de fato não tem tantos episódios de violência direta que envolvem cargos nacionais, mas são vários os casos de políticos que desapareceram ou morreram em acidentes pouco explicados", pondera Santos.
No entanto, para Sabatini, o ataque contra Trump não pode ser diretamente comparado ao histórico de violência política dos Estados Unidos.
"Me parece que ele está mais conectado à atual política polarizada e violenta em várias partes do mundo, como vemos nos Estados Unidos, no Brasil, na Índia, na Turquia, na Alemanha, na França...", lista Sabatini.
O pesquisador usa como exemplo deste fenômeno global os recentes ataques contra Robert Fico, primeiro-ministro da Eslováquia, e Shinzo Abe, ex-premiê do Japão.
O que esperar agora?
Sabatini espera que o atentado contra Trump seja interpretado pelas lideranças políticas como um sinal de que algo precisa mudar.
"É preciso que eles façam uma reflexão e vejam que o extremismo e a polarização estão levando o mundo inteiro para um caminho bastante perigoso", alerta o pesquisador.
"Esses fenômenos estão corroendo o tecido social, o que representa um custo altíssimo para todos nós."
O especialista tem a expectativa que os principais candidatos a cargos eletivos modifiquem a forma de agir e busquem o caminho da conciliação e do apaziguamento — algo que, para Sabatini, tanto Trump quanto Biden buscaram fazer nas manifestações e postagens divulgadas nas horas que sucederam o ataque.
Santos concorda: "A política existe para resolver conflitos de forma pacífica."
"Precisamos que todos os envolvidos voltem a reforçar a credibilidade e o papel das eleições, dos debates, das instituições e de todas as esferas de representação política nesse processo", conclui.