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Como BBC usou Google e Facebook para identificar autores de execução brutal de mulheres e crianças captada em vídeo viral

Reportagem da BBC usou imagens de satélite e perfis na rede social para revelar autores, local e data da chacina registrada em vídeo que se popularizou em Camarões. Inicialmente, governo camaronês chamou vídeo de 'fake news', mas depois abriu investigação contra sete solados do Exército.

27 set 2018 - 11h19
(atualizado às 11h37)
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Un soldado empuja a una mujer
Un soldado empuja a una mujer
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

No dia 10 de julho de 2018, o assassinato de duas mulheres e suas crianças registrado em vídeo começou a circular nas redes sociais. As imagens mostram as quatro pessoas sendo forçadas a seguir por uma estrada de terra, cercada por homens armados, alguns deles usando roupas camufladas.

Uma das mulheres leva um tapa no rosto. É empurrada. A outra carrega um bebê amarrado nas costas.

As duas são acusadas de estarem ligadas ao grupo extremista Boko Haram e estão sendo levadas para morrer. No vídeo, elas são vendadas e forçadas a ajoelhar no chão. É possível ouvir um total 22 disparos. Mães e crianças são assassinadas.

A partir de uma análise das imagens, a equipe da Africa Eye, braço do serviço africano da BBC, conseguiu identificar onde e quando o vídeo foi gravado. A investigação, que contou com a ajuda de voluntários especializados em coletar e analisar dados de fontes abertas, também revelou a participação de soldados do Exército de Camarões na chacina.

Por meio de imagens de satélite, perfis no Facebook, análise de sombras projetadas no chão, armas e uniformes que aparecem no vídeo, além de informações de fontes, foi possível dissecar os assassinatos e identificar os assassinos. O crime aconteceu em 2015 e contou com a participação de soldados camaroneses.

Inicialmente, o governo de Camarões classificou o vídeo como "fake news" e disse que as imagens haviam sido registradas no Mali. Depois, decidiu abrir uma investigação e anunciou que prendeu preventivamente sete soldados.

Anatomia de um crime

A reportagem foi apresentada no Twitter, detalhando passo a passo da busca por detalhes capazes de revelar onde e quando o vídeo foi filmado - e, principalmente, quem participou do crime.

https://twitter.com/BBCAfrica/status/1044186344153583616

O primeiro passo foi descobrir onde as imagens foram registradas. Algumas pessoas diziam ser no Mali, outras afirmavam que o crime havia ocorrido em Camarões, onde o Exército camaronês combate o grupo extremista Boko Haram desde 2014.

Nas imagens, é possível ouvir em francês as letras "B" e "H", o que se acredita ser uma referência ao Boko Haram, com forte atuação na África. Decidiu-se, assim, concentrar as buscas em Camarões.

As montanhas

Nos primeiros 40 segundos do vídeo, é possível ver uma cordilheira com um contorno bem peculiar. A equipe da BBC procurou uma topografia similar no norte de Camarões, por meio do sistema de satélite e mapas do Google.

https://twitter.com/BBCAfrica/status/1044186357751599105

No final de julho, uma fonte em Camarões perguntou se haviam procurado na região próxima de Zelevet, quase na fronteira com a Nigéria.

Foi justamente nessa área que as imagens de satélites identificaram exatamente a mesma topografia vista do vídeo.

https://twitter.com/BBCAfrica/status/1044186361522245632

Além do traçado das montanhas, a investigação procurou por outros detalhes, como o caminho percorrido pelas vítimas e pelos militares, construções e árvores.

Foi feita uma análise detalhada comparando todas as árvores que aparecem no vídeo e nas imagens de satélite.

https://twitter.com/BBCAfrica/status/1044186370170859521

Ao juntar todos esses dados, foi possível identificar as coordenadas de onde o crime aconteceu: Camarões.

https://twitter.com/BBCAfrica/status/1044186374453305345

A menos de um quilometro dali, há uma unidade do Exército camaronês usada para lutar contra o Boko Haram.

A data

O segundo desafio foi identificar quando o vídeo foi filmado. A partir do cruzamento das construções que aparecem nas imagens do vídeo e nas capturadas por satélite, foi possível descobrir que a gravação foi feita em algum momento depois de 2014 e antes de fevereiro de 2016.

https://twitter.com/BBCAfrica/status/1044186377435443200

https://twitter.com/BBCAfrica/status/1044186381071847424

Isso porque um muro que aparece no vídeo ainda não havia sido erguido em novembro de 2014 e uma construção que pode ser vista ao fundo da gravação foi demolida em fevereiro de 2016, conforme as indicam as imagens de satélite.

Foi possível restringir ainda mais o período ao observar que caminho de terra batida aparece com um traçado similar nas imagens de satélite no período de seca, entre janeiro e abril.

https://twitter.com/BBCAfrica/status/1044186384175632384

Assim, a equipe da BBC concluiu que as imagens teriam sido registradas no começo de 2015.

Outras pistas menos evidentes foram levadas em consideração. Ao caminharem, soldados tinham projetadas suas sombras no chão. Por meio do ângulo calculado a partir da sombra e da altura de um dos soldados, foi possível identificar a posição do sol e, assim, delimitar o período em que o crime ocorreu.

Com base no "relógio de sol humano", identificou-se que a imagem foi gravada entre 20 de março e 5 de abril de 2015.

https://twitter.com/BBCAfrica/status/1044186386847404033

Os responsáveis

Depois de saber onde e quando a chacina aconteceu, ainda faltava responder quem era os responsáveis pelos assassinatos.

Issa Tchiroma Bakary, ministro das Comunicações de Camarões, insistia em dizer que o Exército camaronês nada tinha a ver com o crime.

Bakary afirmou que as armas que podem ser vistas no vídeo não são usadas pelas forças camaronesas nessa área ao norte do país.

Mas a análise da BBC mostra que uma arma que aparece sendo carregada por um dos homens que participaram da chacina é uma Zastava M21, de fabricação sérvia. Apesar de raro na África subsaariana, esse tipo de armamento é, sim, usado por algumas divisões do Exército camaronês.

https://twitter.com/BBCAfrica/status/1044186392430096384

O ministro também argumentava que os homens do vídeo usavam uniformes com camuflagem escura, desenhadas para operações em florestas. Segundo Bakary, os soldados no norte do país vestem uniformes mais claros, para áreas de deserto.

Mas, ao comparar o vídeo com imagens de 2015 captadas por uma reportagem feita em Zelevet pelo canal de televisão Channel 4, do Reino Unido, é possível observar soldados vestindo uniformes escuros muito parecidos com os dos soldados que aparecem nas imagens da chacina.

A BBC também encontrou imagens no Facebook de soldados em Zelevet vestindo o mesmo tipo de camuflagem para floresta.

https://twitter.com/BBCAfrica/status/1044186395043074048

Uma pergunta que surgiu ao longo da apuração foi por que os soldados não estão vestindo o uniforme padrão para operar nessa área.

Acredita-se que eles não estavam patrulhando a área. Estavam a menos de um quilômetro do posto de combate, previamente identificado pela BBC nas imagens de satélite.

https://twitter.com/BBCAfrica/status/1044186398440529920

Troca de posição

Em agosto, o governo de Camarões recuou e mudou a versão sobre o vídeo.

Depois de passar três semanas negando que os assassinatos teriam ocorrido no país, as autoridades informaram que sete integrantes das Forças Armadas camaronesas haviam sido presos e estavam sendo investigados.

A BBC conseguiu identificar que três dos homens que atiraram. Um deles, no vídeo, é chamado de "Tchotcho".

https://twitter.com/BBCAfrica/status/1044186406116118528

A BBC encontrou um perfil no Facebook que vincula o apelido "Tchotcho" a um soldado chamado Cyriaque Bityala.

Esse nome aparece numa lista do governo de pessoas que estão sendo investigadas.

https://twitter.com/BBCAfrica/status/1044186408443940864

A BBC também conversou com um ex-soldado camaronês que pediu para não ser identificado. Ele confirmou que o homem no vídeo é "Tchotcho" Cyriaque Bityala.

https://twitter.com/BBCAfrica/status/1044186410964733952

Ele aparece no final do vídeo tapando os olhos da garotinha que está prestes a morrer.

https://twitter.com/BBCAfrica/status/1044186413498011648

A BBC também identificou outras duas armas usadas na chacina.

Uma delas está nas mãos deste homem. É possível vê-lo cobrindo o rosto da mulher que carrega um bebê pouco antes de se ouvir o barulho dos disparos.

A fonte militar ouvida pela BBC o identificou como Barnabas 'Gonorso'.

https://twitter.com/BBCAfrica/status/1044186415645544449

No entanto, a reportagem não foi capaz de confirmar a identidade deste homem. Um nome muito parecido aparece na lista de soldados investigados pelas autoridades camaronesas: Barnabas Donossou.

https://twitter.com/BBCAfrica/status/1044186419395203072

A outra arma usada é uma Zastava M21, nas mãos de um homem identificado apenas como "Cobra".

Mas quem é "Cobra"?

https://twitter.com/BBCAfrica/status/1044189342359605249

Quando as mulheres e as crianças são assassinadas, "Cobra" é o último homem que pode ser visto atirando.

É possível ver um soldado dizendo "Tsanga, deixa pra lá, estão mortos". Ele continua disparando e é possível ouvir: "É suficiente, Tsanga".

https://twitter.com/BBCAfrica/status/1044189345291415552

O nome Tsanga também aparece na lista de investigados. Acredita-se que "Cobra" seja o apelido de Tsanga.

https://twitter.com/BBCAfrica/status/1044189348302913536

'Julgamento justo'

A BBC apresentou os resultados da investigação jornalística ao governo de Camarões, segundo o qual sete soldados foram presos e desarmados enquanto são investigados.

A declaração do governo deixa claro que todos eles são considerados inocentes até que se prove o contrário e que receberão um julgamento justo.

As duas mulheres mortas nos arredores de Zelevet não receberam nenhum tipo de julgamento. E nenhuma presunção de inocência foi estendida aos filhos que morreram com elas. Ainda não se sabe quem são essas mulheres.

Imagen extraída del video viral de una mujer y su bebé
Imagen extraída del video viral de una mujer y su bebé
Foto: BBC News Brasil

*A sequência de tuítes da investigação jornalística da BBC África Eye pode ser lida em inglês aqui e o documentário, também em inglês, está disponível neste link.

Investigação: Aliaume Leroy e Ben Strick

Produção: Daniel Adamson e Aliaume Leroy

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