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Como cidade no México tomada pela violência se tornou uma das mais seguras: 'zero homicídios'

Tampico, uma cidade portuária na fronteira com os EUA — o que a torna especialmente vulnerável —, conseguiu controlar uma enorme onda de crimes.

13 out 2024 - 14h35
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Policiais com armas apontadas em Tampico.
Policiais com armas apontadas em Tampico.
Foto: Universidade de Segurança e Justiça de Tamaulipas / BBC News Brasil

Há uma década, a cidade de Tampico, no nordeste do México, vivia em um estado de ansiedade: as pessoas se trancavam em casa depois de escurecer, a evasão escolar e universitária era frequente e viajar pela estrada, nas palavras de alguns moradores, "era o mesmo que suicídio".

Hoje, Tampico e seus dois municípios vizinhos, Madero e Altamira, formam uma das áreas urbanas mais seguras do México, um país que não conseguiu conter a violência perpetrada pelo crime organizado.

A crise de violência se agravou durante a transição de poder local e nacional no início de outubro. É o principal desafio do novo governo da presidente mexicana, Claudia Sheinbaum.

E a experiência de Tampico, uma cidade portuária na costa do Golfo do México, pode servir de modelo para lidar com a crise de homicídios, sequestros e extorsões que assola o país.

Na verdade, algumas das propostas de Sheinbaum estão alinhadas com com o que funcionou aqui: prevenção de crimes, coordenação entre a polícia e o Ministério Público e melhores sistemas de denúncias.

Mas, em Tampico, tudo começou quando os cidadãos ficaram fartos da situação.

"Nossa indústria foi atingida em 2009", diz Jorge, empresário do setor de pescado que pediu anonimato por medo de represálias.

"Eles nos agarraram pelo peito. Um por um, eles começaram a nos sequestrar por um ou dois dias. Pediam dinheiro ou levavam você a um cartório que era cúmplice e te obrigavam a entregar suas propriedades."

Embora o pior da crise já tenha passado, ele afirma, o medo persiste porque muitas das causas da criminalidade não foram resolvidas.

"Tive que entregar um barco depois que um amigo e colega foi sequestrado (eles o tiraram do seu negócio, bateram nele e ficaram com ele um dia inteiro), e disseram a ele que, no dia seguinte, iriam atrás de mim, e que se eu escapasse, eles o pegariam novamente, então eu, digamos, me entreguei."

Esta era a situação há uma década, quando a população de Tampico chegou a impor a si mesma um toque de recolher à noite. Na época, eram registrados 30 sequestros por mês e 100 homicídios por ano. Era uma das cidades mais perigosas do país.

Mas, afinal, o que mudou, se o Estado de Tamaulipas, onde a cidade de Tampico está localizada, continua sendo um local estratégico para a criminalidade no México?

A comunidade de Tampico chegou a impor a si mesma um toque de recolher por medo da violência
A comunidade de Tampico chegou a impor a si mesma um toque de recolher por medo da violência
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Mesa-redonda sobre segurança

São 7h da manhã de uma sexta-feira de julho. Chove torrencialmente em Tampico, depois de um período de seca histórica. Generais do Exército, comandantes da polícia, promotores, reitores de universidades e empresários começam a chegar a um grande salão da Marinha: um total de 40 pessoas, que compõem a Mesa-redonda Cidadã de Segurança e Justiça da Zona Sul de Tamaulipas.

É a reunião que eles fazem todos os meses há 10 anos. Eles falam um por um. Discutem. Argumentam. E criticam.

Mas os dados que aparecem nas telas mostram uma situação invejável para qualquer cidade do México, até mesmo da América Latina: no último mês houve zero homicídios, zero sequestros e duas extorsões, números que são mais ou menos os mesmos há seis anos, e evidenciam uma história de sucesso na contenção do crime.

Luis Apperti é um dos fundadores da Mesa-redonda. Empresário há décadas do próspero setor de plásticos da região, ele uniu forças há 15 anos com outros empreendedores para combater o crime que matou dois de seus sobrinhos e sequestrou vários de seus colegas de trabalho.

Luis Apperti durante a última reunião da Mesa-redonda Cidadã de Segurança e Justiça
Luis Apperti durante a última reunião da Mesa-redonda Cidadã de Segurança e Justiça
Foto: BBC News Brasil

"Quando a sociedade civil se organizou para enfrentar o crime, percebemos que não poderíamos resolver tudo, por isso decidimos focar apenas em uma das causas do crime", ele explica.

Esta causa, mais do que a pobreza e a falta de oportunidades, foi a corrupção.

"O nível de cooptação das autoridades pelo crime organizado era tal que não dava para denunciar, porque quando você ia denunciar, os bandidos já eram informados, e interceptavam você no caminho", diz Apperti.

Com a ideia de interromper o vazamento de informações oficiais, a Mesa-redonda lançou seu próprio Observatório de dados de segurança, arrecadou grandes quantias de dinheiro para fortalecer a infraestrutura policial e criou, em parceria com setores das Forças Armadas, uma central de denúncias independente da habitual.

Além disso, houve o envolvimento de autoridades judiciais no processo policial, algo que não acontecia antes ou que estava sendo mediado pela corrupção.

A Mesa-redonda Cidadã de Segurança e Justiça não tem políticos — mas, sim, empresários, procuradores, generais e policiais
A Mesa-redonda Cidadã de Segurança e Justiça não tem políticos — mas, sim, empresários, procuradores, generais e policiais
Foto: BBC News Brasil

E com isso, segundo Apperti, eles conseguiram mudar o panorama: "Em três anos, já havíamos triplicado o número de policiais; em cinco anos, já havíamos alcançado a primeira meta de zero sequestros; e há seis anos, alcançamos a segunda meta de ser uma das cidades mais 'seguras do país'".

Mas como é que uma inovação metodológica, vinculada a informações confiáveis e secretas, pode evitar um sequestro ou um assassinato?

Por dois motivos, diz Apperti: "Se tiverem informação de qualidade, as autoridades judiciais e policiais podem fazer seu trabalho com eficiência; mas também, e talvez mais importante, tudo isso gerou um senso de pertencimento na comunidade em relação à Mesa-redonda; todos nós temos que trabalhar para isso, então as pessoas se tornaram ativas, começaram a denunciar, e criou-se a ideia de que não se pode ser passivo diante do crime".

Quando a crise chegou no fundo do poço, há pouco mais de uma década, os moradores de Tampico saíram às ruas vestidos de branco para protestar. Todos os anos, eles repetiam a passeata. E com o tempo, as pessoas deixaram de viver trancadas, absortas, e passaram a desfrutar de suas praças e parques com a ideia de que o crime é um problema que deve ser resolvido por todos.

O roubo de gasolina é um crime pendente de solução em Tamaulipas — mas isso não impediu Tampico de ser uma cidade segura
O roubo de gasolina é um crime pendente de solução em Tamaulipas — mas isso não impediu Tampico de ser uma cidade segura
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Não é a pobreza, é a corrupção

Willy Zúñiga passou 20 anos se dedicando a entender e combater o crime em diferentes funções: como policial, promotor público e agora como reitor da Universidade de Segurança e Justiça de Tamaulipas, uma academia para formação de policiais, que é outra inovação da Mesa-redonda.

"É difícil explicar quão complicada era a situação", diz ele.

"Porque não só a polícia não tinha a infraestrutura nem a mão de obra necessária para lidar com isso, como também havia uma compreensível crise de credibilidade em relação às instituições."

E foi aí que o rigor metodológico da Mesa deixou sua marca: "As mesas redondas cidadãs nos ajudaram a recrutar psicólogos, enfermeiros e profissionais que soubessem processar a informação e gerassem confiança nos cidadãos. E isso nos permitiu ter especialização, melhores perfis policiais e coordenação institucional".

Tanto para Apperti quanto para Zúñiga, a experiência de Tampico serve para mostrar que a violência gerada pelo crime tem soluções concretas que vão além da luta contra a pobreza ou o desemprego, premissa sob a qual o governo de Andrés Manuel López Obrador abordou a questão.

Embora Sheinbaum queira continuar com a estratégia de tratar das causas do crime, o seu plano de segurança contempla, como aconteceu em Tampico, um fortalecimento da inteligência, a criação de uma academia e melhores sistemas de denúncia e coordenação de dados.

A Universidade de Segurança e Justiça de Tamaulipas é uma das razões pelas quais a polícia da região é muito menos corrupta hoje
A Universidade de Segurança e Justiça de Tamaulipas é uma das razões pelas quais a polícia da região é muito menos corrupta hoje
Foto: Universidade de Segurança e Justiça de Tamaulipas / BBC News Brasil

Apperti insiste: "Prevenir o crime é um oceano muito difícil de navegar, porque depende de políticas públicas que reduzam a marginalização, a necessidade e a falta de oportunidades, e isso é algo que não podemos fazer".

Tamaulipas, além disso, continua sendo um dos Estados mais vulneráveis à criminalidade, uma vez que está localizado na fronteira com os Estados Unidos, dentro das rotas do narcotráfico e de migração, e conta com a presença de vários grupos criminosos.

Tampico é, portanto, uma ilha no mar do crime. Uma ilha que conseguiu criar um oásis de segurança graças a uma coisa: credibilidade.

"Não somos o Estado, e não podemos acabar com o narcotráfico", afirma Apperti.

"O que podemos fazer é criar uma estrutura institucional confiável que envolva a comunidade, que cultue as denúncias, para que as autoridades possam fazer seu trabalho."

É por isso que a criação de uma "universidade de segurança", a mais importante do México nesta área, é motivo de grande orgulho para os membros da Mesa-redonda.

Ou, nas palavras de Zúñiga: "Não é apenas uma academia de polícia, mas um terreno fértil para os melhores recursos humanos com bom senso, um elevado senso de humanidade e serviço à sociedade".

E é isso, diz ele, "que permite que você possa confiar na sua polícia e assim, juntos, combater o crime".

Policial com arma apontada na Universidade de Segurança e Justiça de Tamaulipas.
Policial com arma apontada na Universidade de Segurança e Justiça de Tamaulipas.
Foto: Universidade de Segurança e Justiça de Tamaulipas / BBC News Brasil
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