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Como colonos israelenses extremistas usam guerra para tomar terras na Cisjordânia

Análises mostram que houve um aumento acentuado no número de colonos israelenses extremistas tomando terras de palestinos.

3 set 2024 - 18h33
(atualizado em 9/9/2024 às 05h14)
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Composição gráfica mostrando o colono extremista Moshe Sharvit, de barba e boné, ao lado da bandeira israelense e um buggy que ele usa para patrulhar terras na Cisjordânia.
Composição gráfica mostrando o colono extremista Moshe Sharvit, de barba e boné, ao lado da bandeira israelense e um buggy que ele usa para patrulhar terras na Cisjordânia.
Foto: BBC News Brasil

Em outubro passado, Ayesha Shtayyeh, uma avó palestina, contou que um homem apontou uma arma para sua cabeça e disse para ela deixar o local que chamava de casa há 50 anos.

Ela afirmou à BBC que a ameaça armada foi o ápice de uma campanha cada vez mais violenta de perseguição e intimidação que começou em 2021, depois que um posto avançado ilegal de colonos israelenses foi estabelecido perto da sua casa na Cisjordânia ocupada.

O número de postos avançados como este aumentou rapidamente nos últimos anos, conforme mostra uma nova análise da BBC. Atualmente, há pelo menos 196 na Cisjordânia, e 29 foram criados no ano passado — mais do que em qualquer ano anterior.

Os postos avançados — que podem ser fazendas, aglomerados de casas ou até mesmo grupos de trailers — geralmente não possuem fronteiras definidas, e são ilegais no âmbito do direito israelense e internacional.

Mas o Serviço Mundial da BBC teve acesso a documentos mostrando que organizações próximas ao governo de Israel forneceram dinheiro para estabelecer novos postos avançados ilegais.

A BBC também analisou inteligência de código aberto (dados acessíveis a partir de fontes disponíveis publicamente) para checar sua proliferação — e investigou o colono que Ayesha Shtayyeh diz tê-la ameaçado.

Especialistas dizem que os postos avançados são capazes de tomar grandes extensões de terra mais rápido do que os assentamentos, e estão cada vez mais ligados à violência e perseguição contra comunidades palestinas.

Ayesha Shtayyeh está tentando voltar para a casa que foi forçada a deixar
Ayesha Shtayyeh está tentando voltar para a casa que foi forçada a deixar
Foto: Matthew Cassel / BBC / BBC News Brasil

Não há dados oficiais sobre o número de postos avançados. Mas a equipe da BBC Eye Investigations analisou as listas e as localizações deles, compiladas pelas organizações israelenses Peace Now e Kerem Navot, que se opõem aos assentamentos — assim como pela Autoridade Palestina, que administra parte da Cisjordânia ocupada.

Analisamos centenas de imagens de satélite para verificar se os postos avançados haviam sido construídos nestes locais — e para confirmar o ano em que foram instalados.

A BBC também verificou postagens em redes sociais, publicações do governo israelense e fontes de notícias para corroborar as informações, e mostrar que os postos avançados ainda estavam em uso.

Nossa análise indica que quase metade (89) dos 196 postos avançados que verificamos foram construídos a partir de 2019.

Quatro mapas mostrando a localização dos postos avançados de colonos na Cisjordânia ocupada — verificados pela BBC — em quatro anos: 2012, 2016, 2020, 2024.
Quatro mapas mostrando a localização dos postos avançados de colonos na Cisjordânia ocupada — verificados pela BBC — em quatro anos: 2012, 2016, 2020, 2024.
Foto: BBC News Brasil

Sanções internacionais

Alguns deles estão ligados à crescente violência contra comunidades palestinas na Cisjordânia.

No início deste ano, o governo britânico impôs sanções a oito colonos extremistas por incitar ou perpetrar violência contra palestinos. Pelo menos seis haviam se estabelecido, ou estão vivendo, em postos avançados ilegais.

Um ex-comandante do Exército israelense na Cisjordânia, Avi Mizrahi, diz que a maioria dos colonos são cidadãos israelenses que respeitam as leis, mas admite que a existência de postos avançados torna a violência mais provável.

"Sempre que se coloca postos avançados ilegalmente na região, isso gera tensões com os palestinos... que vivem na mesma região", diz ele.

Um dos colonos extremistas alvo de sanções do Reino Unido foi Moshe Sharvit — o homem que Ayesha diz tê-la ameaçado com uma arma.

Tanto ele quanto o posto avançado que montou a menos de 800 metros da casa de Ayesha também foram alvo de sanções pelo governo dos EUA em março. Seu posto avançado foi descrito como uma "base da qual ele perpetra violência contra palestinos".

"Ele tornou a nossa vida um inferno", diz Ayesha, que agora mora com o filho em uma cidade perto de Nablus.

Um gráfico de imagens de satélite representando o desenvolvimento de três postos avançados diferentes na Cisjordânia. O primeiro compara a área onde Moshe Sharvit construiu seu posto avançado. Em maio de 2021, a área é um campo vazio sem desenvolvimento. Então, em junho de 2024, vemos uma série de pequenas construções espalhadas ao redor. O segundo mostra terras vazias perto do assentamento de Metzad, em fevereiro de 2020, e depois com construções formando um posto avançado, em julho de 2024. O terceiro mostra terras vazias perto do assentamento de Shim'a, em abril de 2020, e uma série de construções formando um posto avançado, no mesmo local, em julho de 2024.
Um gráfico de imagens de satélite representando o desenvolvimento de três postos avançados diferentes na Cisjordânia. O primeiro compara a área onde Moshe Sharvit construiu seu posto avançado. Em maio de 2021, a área é um campo vazio sem desenvolvimento. Então, em junho de 2024, vemos uma série de pequenas construções espalhadas ao redor. O segundo mostra terras vazias perto do assentamento de Metzad, em fevereiro de 2020, e depois com construções formando um posto avançado, em julho de 2024. O terceiro mostra terras vazias perto do assentamento de Shim'a, em abril de 2020, e uma série de construções formando um posto avançado, no mesmo local, em julho de 2024.
Foto: BBC News Brasil

Os postos avançados não têm nenhuma aprovação oficial de planejamento israelense — diferentemente dos assentamentos, que são enclaves judeus maiores, geralmente urbanos, construídos por toda a Cisjordânia, considerados legais pela legislação israelense.

Ambos são considerados ilegais no âmbito do direito internacional, que proíbe a mudança de uma população civil para um território ocupado. Mas muitos colonos que vivem na Cisjordânia alegam que, como judeus, eles têm uma conexão religiosa e histórica com a terra.

Em julho, o Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), em um parecer histórico, disse que Israel deveria interromper todas as atividades relacionadas a novos assentamentos e retirar todos os colonos do Território Palestino Ocupado. Israel rejeitou o parecer, que classificou como "fundamentalmente errado" — e unilateral.

Apesar dos postos avançados não terem status legal, há pouca evidência de que o governo israelense esteja tentando impedir seu rápido crescimento em números.

A BBC teve acesso a novas evidências mostrando como duas organizações próximas ao Estado israelense forneceram dinheiro e terras usadas para estabelecer novos postos avançados na Cisjordânia.

Os postos avançados muitas vezes não têm fronteiras definidas — e são ilegais no âmbito do direito israelense
Os postos avançados muitas vezes não têm fronteiras definidas — e são ilegais no âmbito do direito israelense
Foto: Matthew Cassel / BBC / BBC News Brasil

Terras e financiamento

Uma delas é a Organização Sionista Mundial (WZO, na sigla em inglês), uma organização internacional fundada há mais de um século e determinante no estabelecimento do Estado de Israel.

Ela tem um Departamento de Assentamentos — responsável por administrar grandes áreas de terra ocupadas por Israel desde 1967. O departamento é financiado inteiramente por fundos públicos israelenses — e se descreve como um "braço do Estado israelense".

Contratos obtidos pela Peace Now, e analisados pela BBC, mostram que o Departamento de Assentamentos destinou repetidamente terras nas quais postos avançados foram construídos.

Nos contratos, a WZO proíbe a construção de qualquer estrutura, e diz que a terra deve ser usada apenas para pastagem ou agricultura — mas imagens de satélite revelam que, em pelo menos quatro casos, postos avançados ilegais foram construídos nelas.

Um destes contratos foi assinado por Zvi Bar Yosef em 2018. Ele, assim como Moshe Sharvit, foi alvo de sanções pelo Reino Unido e pelos EUA no início deste ano por violência e intimidação contra palestinos.

Entramos em contato com a WZO para perguntar se ela estava ciente de que vários terrenos que havia destinado para pastagem e agricultura estavam sendo usados para a construção de postos avançados ilegais. A organização não respondeu. Também fizemos perguntas a Zvi Bar Yosef, mas não recebemos resposta.

A BBC também descobriu dois documentos revelando que outra organização de colonos importante — a Amana — emprestou centenas de milhares de shekels, moeda israelense, para ajudar a estabelecer postos avançados.

Em um caso, a organização emprestou NIS 1 milhão (R$ 1,5 milhão) a um colono para construir estufas em um posto avançado considerado ilegal pela legislação israelense.

Autos do processo israelense que mostram uma tradução em português sobre o hebraico original: "... Amana comunicou-se com ele [o colono] em um acordo e **emprestou a ele NIS 300 mil [R$ 455 mil] para estabelecer a fazenda agrícola** (doravante: 'o empréstimo da fazenda') e, mais tarde, comunicou-se com ele em um segundo acordo, que resultou em **emprestar a ele uma quantia de NIS 1 milhão [R$ 1,5 milhão] para instalar estufas** na fazenda (doravante: 'o empréstimo das estufas')."
Autos do processo israelense que mostram uma tradução em português sobre o hebraico original: "... Amana comunicou-se com ele [o colono] em um acordo e **emprestou a ele NIS 300 mil [R$ 455 mil] para estabelecer a fazenda agrícola** (doravante: 'o empréstimo da fazenda') e, mais tarde, comunicou-se com ele em um segundo acordo, que resultou em **emprestar a ele uma quantia de NIS 1 milhão [R$ 1,5 milhão] para instalar estufas** na fazenda (doravante: 'o empréstimo das estufas')."
Foto: BBC News Brasil

A Amana foi fundada em 1978 e tem trabalhado de perto com o governo israelense para construir assentamentos em toda a Cisjordânia desde então.

Mas, nos últimos anos, tem havido evidências cada vez maiores de que a Amana também apoia postos avançados.

Em uma gravação de uma reunião de executivos em 2021, vazada por um ativista, o CEO da Amana, Ze'ev Hever, pode ser ouvido afirmando que: "Nos últimos três anos... uma operação que expandimos é a fazenda de pastoreio [postos avançados]."

"Hoje, a área [que eles controlam] é quase o dobro do tamanho dos assentamentos construídos."

Neste ano, o governo canadense incluiu a Amana em uma rodada de sanções contra indivíduos e organizações responsáveis por "ações violentas e desestabilizadoras contra civis palestinos e suas propriedades na Cisjordânia". As sanções não mencionaram postos avançados.

Há também uma tendência do governo israelense de legalizar retroativamente postos avançados — transformando-os efetivamente em assentamentos. No ano passado, por exemplo, o governo iniciou o processo de legalização de pelo menos 10 postos avançados, e concedeu status legal pleno a pelo menos outros seis.

Ayesha Shtayyeh mostrando à equipe da BBC os estragos feitos em seu sofá
Ayesha Shtayyeh mostrando à equipe da BBC os estragos feitos em seu sofá
Foto: Matthew Cassel / BBC / BBC News Brasil

Em fevereiro, Moshe Sharvit — o colono que Ayesha Shtayyeh diz tê-la expulsado de casa — promoveu um dia de portas abertas em seu posto avançado, gravado por uma equipe de filmagem local. Falando abertamente, ele explicou o quão eficazes os postos avançados podem ser na captura de terras.

"O maior arrependimento quando nós [colonos] construímos assentamentos é que ficamos presos dentro das cercas, e não conseguimos expandir", ele disse à multidão.

"A fazenda é muito importante, mas a coisa mais importante para nós é a área ao redor."

Ele afirmou que agora controla cerca de 7 km² de terra — uma área maior do que vários assentamentos urbanos grandes na Cisjordânia, com populações na ordem dos milhares.

Ganhar o controle sobre grandes áreas, muitas vezes às custas das comunidades palestinas, é uma meta fundamental para alguns colonos que se estabelecem e vivem em postos avançados, observa Hagit Ofran, da Peace Now.

"Os colonos que vivem no topo da colina [postos avançados] se consideram 'protetores de terras', e seu trabalho diário é expulsar os palestinos da área", diz ela.

Ayesha afirma que Moshe Sharvit começou uma campanha de perseguição e intimidação praticamente assim que montou seu posto avançado no fim de 2021.

Quando o marido dela, Nabil, pastoreava suas cabras em pastos que havia usado por décadas, Sharvit logo chegava em um veículo 4x4, e afugentava os animais com jovens colonos.

"Eu respondia que iríamos embora se o governo, a polícia ou o juiz nos dissessem para fazer isso", lembra Nabil.

"Ele me disse: 'Eu sou o governo, eu sou o juiz e sou a polícia'."

Ao limitar o acesso a pastagens, colonos de postos avançados como Moshe Sharvit conseguem deixar os fazendeiros palestinos em posições cada vez mais precárias, afirma Moayad Shaaban, chefe da Comissão de Resistência à Colonização e ao Muro da Autoridade Palestina.

"Chega num ponto em que os palestinos não têm mais nada. Eles não conseguem comer, não conseguem pastorear, não conseguem obter água", explica.

Após os ataques do Hamas de 7 de outubro no sul de Israel, e a guerra de Israel em Gaza, a perseguição realizada por Moshe Sharvit se tornou ainda mais agressiva, diz Ariel Moran, que apoia comunidades palestinas que enfrentam a agressão de colonos.

Sharvit sempre havia levado uma pistola consigo para os campos, mas agora ele começou a abordar ativistas e palestinos com um rifle de assalto pendurado no ombro — e suas ameaças se tornaram mais ameaçadoras, diz Ariel.

"Acho que ele viu a chance de pegar um atalho, e não ter que esperar mais um ou dois anos pelo desgaste gradual [das famílias palestinas]."

"Fazer isso da noite para o dia simplesmente. E funcionou."

Muitas das famílias, como a de Ayesha, que dizem ter deixado suas casas após ameaças de Moshe Sharvit, fizeram isso nas semanas seguintes a 7 de outubro.

Em toda a Cisjordânia, o Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários (Ocha, na sigla em inglês) da ONU diz que a violência dos colonos atingiu "níveis sem precedentes".

Nos últimos 10 meses, foram registrados mais de 1,1 mil ataques de colonos contra palestinos. Pelo menos 10 palestinos foram mortos, e mais de 230 foram feridos por colonos desde 7 de outubro.

Ainda de acordo com o Ocha, pelo menos cinco colonos foram mortos e pelo menos 17 foram feridos por palestinos na Cisjordânia no mesmo período.

Moshe Sharvit disse que era outra pessoa ao ser abordado pela BBC
Moshe Sharvit disse que era outra pessoa ao ser abordado pela BBC
Foto: Matthew Cassel / BBC / BBC News Brasil

Em dezembro de 2023, filmamos Ayesha e Nabil quando eles voltaram para coletar alguns de seus pertences, dois meses depois de quando dizem terem sido forçados a sair de casa.

Quando chegaram à casa, descobriram que ela havia sido saqueada. Na cozinha, as portas dos armários estavam penduradas pelas dobradiças. Na sala de estar, alguém havia cortado o estofamento dos sofás com uma faca.

"Eu não o machuquei. Não fiz nada a ele. O que eu fiz para merecer isso?", questionou Ayesha.

Quando eles começaram a vasculhar o que havia restado, Moshe Sharvit chegou em um buggy. Em pouco tempo, a polícia e o Exército israelenses chegaram. Eles disseram ao casal, e aos ativistas israelenses pela paz que os acompanhavam, que precisavam deixar o local.

"Ele não deixou nada para nós", contou Ayesha à BBC.

Entramos em contato com Moshe Sharvit em várias ocasiões para que respondesse às alegações feitas contra ele, mas ele não respondeu.

Em julho de 2023, a BBC o abordou pessoalmente em seu posto avançado para obter sua resposta às alegações — e também para perguntar se ele permitiria que palestinos, como Ayesha, retornassem à região. Ele disse que não sabia do que estávamos falando, e negou que fosse Moshe Sharvit.

Os gráficos são de autoria de Kate Gaynor e da equipe de Jornalismo Visual do Serviço Mundial da BBC.

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