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Como o bloco comunista caiu em 1989 como um castelo de cartas e quase por acidente

O jornalista John Simpson, da BBC, conta como foi testemunhar, há 30 anos, o colapso do bloco soviético em três atos: a queda do Muro de Berlim e as revoluções na Tchecoslováquia e na Romênia.

30 dez 2019 - 11h22
(atualizado às 12h02)
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Quando o império soviético na Europa Oriental entrou em colapso nos últimos meses de 1989, fui enviado para fazer reportagens sobre cada uma das revoluções que ocorreram em um intervalo de só seis semanas: a queda do Muro de Berlim, a revolução pacífica da Tchecoslováquia e a revolução violenta na Romênia.

Em 1º de outubro de 1989, ninguém acreditava que, até o Natal, o Muro de Berlim cairia, a Tchecoslováquia estaria livre e que o ditador romeno Nicolae Ceausescu seria deposto.

Alemães ocidentais celebram o colapso do comunismo no topo do Muro de Berlim, em 12 de novembro de 1989
Alemães ocidentais celebram o colapso do comunismo no topo do Muro de Berlim, em 12 de novembro de 1989
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

A maioria das pessoas acreditava que o bloco soviético duraria para sempre. No entanto, ele desabou feito um castelo de cartas. A única coisa que permaneceu foi o medo de intervenções russas.

Em 1953, levantes na Alemanha Oriental foram brutalmente reprimidos. Em 1956, quando a Hungria tentou se separar, tanques soviéticos destruíram a revolução. Em 1968, o líder tcheco Alexander Dubcek propôs um "socialismo com um rosto humano", e Moscou enviou tanques outra vez.

Mas, em outubro de 1989, a ameaça de uso da força havia desaparecido. Quando manifestantes saíram às ruas da Alemanha Oriental, o líder reformista soviético Mikhail Gorbachev orientou o governo de Berlim Oriental a não atirar.

E, no entanto, o colapso do bloco soviético ocorreu por acidente.

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Foto: BBC News Brasil

A queda da URSS

Ao entardecer de 9 de novembro de 1989, o porta-voz da Alemanha Oriental Günther Schabowski deu sua coletiva de imprensa habitual.

O Politburo, comitê que governava a Alemanha Oriental, esperava reduzir a tensão oferecendo vistos para que as pessoas visitassem a Alemanha Ocidental, mas por meio de um processo propositalmente lento e burocrático. Mas ninguém tinha passado esses detalhes a Schabowski. Em vez disso, ele correu para a coletiva de imprensa para anunciar o plano de vistos.

Alguém perguntou quando o novo sistema vigoraria. Schabowski respondeu: "Imediatamente."

A televisão da Alemanha Ocidental, assistida por todos na Alemanha Oriental, interpretou a fala como um indício de que o Muro de Berlim seria aberto naquela noite. Uma multidão se aglomerou no lado oriental, e os guardas os deixaram passar. O muro, símbolo chave da repressão do bloco soviético, havia deixado de dividir a Alemanha.

Na noite seguinte, me vi dançando no topo do muro: algo que nem em meus sonhos mais loucos achei que aconteceria.

A luz volta à Lanterna Mágica

Na vizinha Tchecoslováquia, a oposição era liderada pelos intelectuais do Capítulo 77. Eles haviam sido brutalmente reprimidos, mas seu líder, o dramaturgo Vaclav Havel, defendeu que eles deveriam se comportar como um governo em espera, com propostas detalhadas para reformar a economia e as leis.

Apenas oito dias após a queda do Muro de Berlim, em 17 de novembro, uma série de manifestações se iniciou na praça Wenceslas, em Praga.

No momento em que eu desembarquei, em 19 de novembro, fui direto à praça. Pude ver que a maioria dos velhos, que haviam experimentado a decepção da invasão de 1968, estavam voltando para casa, enquanto os jovens, que não se lembravam de 1968, estavam ativos e avançando animados até a manifestação.

Lentamente, nos dias seguintes, os mais velhos também apareceram; e em 24 de novembro a praça estava cheia.

Vaclav Havel acena para multidão na praça Wenceslas, em Praga, em 10 de dezembro de 1989
Vaclav Havel acena para multidão na praça Wenceslas, em Praga, em 10 de dezembro de 1989
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Naquela noite, Alexander Dubcek, o líder de 1968 que vivia em prisão domiciliar desde então, apareceu no edifício Melantrich, diante da praça.

Eu estava ao lado de Vaclav Havel enquanto ele o cumprimentava e o guiava até a varanda com vista para a grande multidão, tão gentilmente quanto um filho guiaria um pai idoso.

A multidão urrava de alegria. A voz de Dubcek falhou no início, mas foi se firmando. "A luz estava aqui antes. Devemos agir agora como se a luz tivesse voltado."

Abaixo de nós, as pessoas estavam chorando.

Mais tarde, naquela noite, na sede do Capítulo 77, o Teatro Lanterna Mágica, vi Dubcek e Havel se sentarem ao palco junto de outros. Seu porta-voz, Jan Urban, entrou apressado com uma garrafa de champanhe e anunciou que o regime comunista havia renunciado. A revolução tinha terminado, e havia sido inteiramente pacífica.

O ditador da Romênia fica sem combustível

A casca mais resistente a rachaduras era a Romênia, mas, mesmo assim, o processo lá só durou um mês a mais.

Nicolae Ceausescu, o líder comunista local, havia se tornado mais e mais totalitário ao longo dos anos, e sua polícia secreta, a Securitate, era feroz.

No meio de dezembro, membros da minoria hungarófona estavam protestando nas ruas de Timisoara.

Ninguém ousou dizer a Ceausescu o quão séria era a revolta de Timisoara, então ele não teve dúvidas sobre convocar uma contramanifestação em Bucareste, em 21 de dezembro.

A Securitate recrutou trabalhadores em fábricas para fazer com que o público parecesse maior, e, anônimas em meio à multidão, algumas pessoas começaram a vaiar. Ceausescu congelou no meio do discurso, com a boca aberta. Ele nunca havia sido desafiado.

Pessoas que assistiam à transmissão televisiva de repente notaram sua vulnerabilidade.

Naquela noite, a revolução estourou para valer. Na manhã seguinte, 22 de dezembro, ele e sua mulher, Elena, embarcaram em um helicóptero enquanto a multidão tomava a sede do governo, e foram para o norte.

Mas o piloto logo pousou, argumentando que tinha ficado sem combustível. Os seguranças dos Ceausescus desapareceram. Elena, mais durona que o marido, sacou uma arma e sequestrou um carro que passava. No fim, porém, eles foram capturados.

No Natal, minha e equipe e eu filmamos no apartamento abandonado dos Ceausescus, e o mordomo me deu uma caneta do ditador de recordação.

Naquela noite, estava prestes a entrar ao vivo na estação de TV, quando alguém anunciou que o casal havia sido executado por um esquadrão armado.

Reescrevi minha fala rapidamente, e sentei para trás aliviado. Foi então que percebi que havia escrito o obituário de Ceausescu com sua própria caneta.

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