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Como o escândalo Odebrecht pautou discurso do futuro presidente do México

Denúncias contra construtora brasileira e subsidiária Braskem marcaram disputa presidencial mexicana, vencida pelo esquerdista Andrés Manuel López Obrador.

2 jul 2018 - 16h46
(atualizado às 16h55)
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Andrés Manuel López Obrador, futuro presidente do México, comemora a vitória na capital do país
Andrés Manuel López Obrador, futuro presidente do México, comemora a vitória na capital do país
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Após vencer a eleição presidencial no México no domingo, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador afirmou que "erradicar a corrupção e a impunidade será a missão principal do novo governo".

O sucesso do candidato e de seu discurso anticorrupção encerra uma campanha marcada por denúncias envolvendo a Odebrecht no país.

Em 2016, a Operação Lava Jato revelou o pagamento ilícito de US$ 10,5 milhões pela Odebrecht no México. Em outro caso, autoridades mexicanas investigam um contrato de abastecimento de gás etano assinado entre a estatal Petróleos Mexicanos (Pemex) e o consórcio entre a Braskem, controlada pela empreiteira, e a mexicana Idesa.

Só nos dez primeiros meses da vigência do acordo, em 2016, houve um rombo de US$ 98 milhões nas contas da petrolífera estatal mexicana.

Os prejuízos constam de um relatório da Auditoria Superior da Federação (ASF), órgão técnico da Câmara de Deputados do México que analisa as contas públicas, ao qual a BBC News Brasil teve acesso.

Há duas semanas, um dos principais partidos da oposição, o Ação Nacional (PAN), apresentou uma denúncia formal na Procuradoria-Geral de Justiça (PGR) mexicana. Exibia o que considerava ser "um esquema criminoso desenhado e executado por uma sofisticada rede de corrupção" para prejudicar a "Pemex e a economia nacional", em benefício "de um particular (o consórcio Braskem-Idesa) e dos seus sócios no governo".

Com referências constantes à Operação Lava Jato, a denúncia responsabiliza também o atual presidente do México, Enrique Peña Nieto; o ex-presidente Felipe Calderón, que governou entre 2006 e 2012; e José Antonio Meade, candidato do Partido Revolucionário Institucional (PRI), um dos derrotados por Obrador no último pleito.

Eleitores de Andrés Manuel López Obrador acompanham discurso em que ele prometeu "erradicar a corrupção"
Eleitores de Andrés Manuel López Obrador acompanham discurso em que ele prometeu "erradicar a corrupção"
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Os citados são acusados de cobrar ilegalmente impostos sobre a importação de polietileno, cedendo a uma exigência contratual do consórcio Braskem-Idesa.

António Figueroa, coordenador de Análise Política da campanha do PAN, disse à BBC News Brasil que "esses impostos prejudicam a livre concorrência, impondo barreiras a essa matéria prima que também a Brakem-Idesa produz e vende". Essa ação está tipificada no Código Penal do país como "crime contra o consumo nacional" e prevê entre 3 a 10 anos de prisão.

Em entrevista à BBC News Brasil na Cidade do México, o Diretor de Desenvolvimento de Negócios e Relações Institucionais da Braskem-Idesa, Cleantho Leite Filho, classifica a denúncia de "política eleitoral sem fundamento". E explica que a empresa sugeriu a aplicação de taxas unicamente para "equilibrar o setor dos plásticos, dado que o polietileno era o único polímero sobre o qual não havia nenhum imposto de importação".

Em comunicado, a campanha de José Antonio Meade classifica as acusações de "ataques sem nenhuma base" e de ser uma "ação desesperada da campanha de Ricardo Anaya", candidato do PAN à Presidência.

Apesar de várias tentativas de contato, tanto o Governo mexicano quanto a Pemex não comentaram as acusações em torno do caso.

Pemex em apuros

O caso remonta a 2008, ano em que o governo convidou 31 empresas mexicanas e estrangeiras a concorrer ao projeto "Etileno XXI".

Por meio de uma licitação, o México buscava angariavar investimentos privados para a construção de uma petroquímica que cobrisse parte do déficit de polietileno, produto essencial para as indústrias de plásticos, construção e cosméticos, entre outras.

Protesto contra a Odebrecht no Peru; escândalo se espalhou do Brasil para a América Latina
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Foto: Reuters / BBC News Brasil

Em troca, a Pemex se comprometia a vender à empresa vencedora 66 milhões de barris diários de gás etano por um período de 20 anos.

O consórcio que a Braskem Brasil e a Idesa formaram em 2009 acabou por ganhar a licitação. O investimento de US$ 5,2 bilhões teve início em 2016.

Desde o início, os termos do contrato entre a Pemex e a Braskem-Idesa foram abrindo um buraco nas contas da petrolífera mexicana. No cálculo da ASF, o preço de venda de etano, com descontos da ordem dos 30%, mais os custos de transporte do gás, totalmente a cargo da Pemex, provocaram um prejuízo de mais de US$ 98 milhões ao longo de 2016.

A ASF lançou ainda outro alerta: atualmente, a Pemex não produz etano suficiente para abastecer as suas petroquímicas e fornecer o volume de gás contratado pela Braskem-Idesa.

Este cenário confirmou a previsão do antigo conselheiro da Pemex Gasca Neri em uma reunião do Conselho da Administração da estatal. Conforme a ata de 23 de abril de 2011, Neri identificou vários pontos críticos no projeto "Etileno XXI" - entre os quais, a fórmula do preço de venda e a falta de gás etano - propondo, assim, a suspensão e reavaliação do projeto.

Ex-presidente da construtora, Marcelo Odebrecht foi condenado a 19 anos de prisão
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Foto: AFP / BBC News Brasil

Ninguém lhe deu ouvidos.

A falta de capacidade da Pemex obriga a empresa, agora, a importar etano para cumprir seus compromissos. Nos próximos dois anos, gastará US$ 231 milhões não previstos. Se não o fizer, corre o risco de deixar as suas petroquímicas a meio gás ou de pagar à Braskem-Idesa indenizações que podem chegar a US$ 300 milhões anuais.

A Braskem-Idesa confirma que, desde o início do projeto, "as dificuldades de abastecimento de etano por parte da Pemex" reduziram a capacidade de produção de polietileno entre 10 e 15%.

Por outro lado, o diretor do consórcio, Cleantho Leite Filho, nega que exista "algum preço preferencial da Pemex na venda de etano." "A fórmula do preço aplicado à Braskem-Idesa é a mesma que se usa desde 2013 com todos os consumidores de etano no país", defende.

Investigações

No final de 2016, autoridades brasileiras e americanas anunciaram que, entre 2012 e 2014, a Odebrecht pagou subornos de US$ 10,5 milhões no México.

Em delação premiada, Luis Weyll, ex-presidente da Odebrecht no país, disse às autoridades brasileiras que os subornos foram pagos a Emilio Lozoya em dois momentos: quando ele era coordenador internacional da campanha presidencial do presidente Enrique Peña Nieto e alguns meses mais tarde, quando Lozoya assumiu o cargo de Diretor-Geral da Pemex.

As acusações foram refutadas pelos advogados de Lozoya em várias declarações à imprensa mexicana.

No ano passado, a organização "Mexicanos Contra a Corrupção" denunciou um suposto suborno adicional de US$ 1,5 milhão no âmbito do projeto Etileno XXI. Este valor, segundo a organização, foi transferido pela Braskem Brasil para a mesma conta que a Odebrecht teria usado para fazer os pagamentos a Emilio Lozoya.

O diretor Leite Filho nega. "Isso nunca aconteceu. Fizemos uma investigação interna, também contratamos investigadores externos indicados pelo Departamento de Justiça dos EUA e não se encontrou rigorosamente nada."

"É certo que a Odebrecht, que controla a Braskem Brasil, exerceu atos de corrupção em vários países, incluindo o México. Também a Braskem Brasil reconheceu a culpa em atividades ilegais, mas unicamente no Brasil, como confirmaram, inclusivamente, as autoridades americanas".

"A Braskem-Idesa", reforça ele, "é uma joint venture com gestão própria, não tem nada a ver com a Odebrecht no México". E acrescenta que "em nenhum momento a Braskem Idesa foi citada pela Justiça mexicana ou brasileira para depor por algum motivo".

Longo processo

Alguns meses após as autoridades brasileiras e do Departamento de Justiça dos EUA incluírem o México no escândalo de corrupção da Odebrecht na América Latina, no fim de 2016, a Procuradoria-Geral da República (PGR) mexicana começou a investigar o caso.

Em agosto de 2017, Santiago Nieto, então responsável pela Procuradoria Especializada para Delitos Eleitoral (Fepade, na sigla em espanhol), decidiu investigar por sua conta o suposto financiamento da Odebrecht à campanha de Peña Nieto, através de Emilio Lozoya.

Três meses depois, em 20 outubro de 2017, Santiago Nieto foi destituído. Razão oficial: "violação do código de conduta da Fepade" pelas declarações que deu ao jornal mexicano Reforma, em que acusou Lozoya de pressioná-lo para isentá-lo de qualquer culpa no processo relativo à Odebrecht.

A campanha eleitoral já estava em curso e a oposição acusou o governo de interferir na investigação. Tanto o executivo quanto o PRI (partido do governo) refutaram essa interpretação. Por sua vez, Lozoya reagiu à denúncia de supostas pressões sobre a Fepade afirmando que nunca tentou intervir no processo e que tudo não passava de "politicagem".

Desde então, o caso Odebrecht no México está exclusivamente nas mãos da PGR. Em outubro de 2017, o órgão informou que o processo já estava encerrado. No entanto, até hoje, ninguém foi indiciado.

No Panamá, autoridades investigam papel da Odebrecht em fraude para licitação de metrô
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Foto: AFP / BBC News Brasil

O silêncio da PGR está sendo duramente criticado pela oposição, analistas, organismos anticorrupção mexicanos e internacionais, que exigem conhecer as conclusões do processo. A BBC News Brasil pediu detalhes à PGR, mas não obteve resposta até a publicação da reportagem.

O diretor da Braskem-Idesa disse que a empresa também espera a divulgação das informações. "Enquanto não se conhecerem os detalhes e se confirmar que não temos nada a ver com isso, a suspeita sempre vai pairar sobre nós."

O escândalo Odebrecht abalou vários países da América Latina. Na Colômbia, o senador Bernardo Miguel Elias foi preso; no Perú, o ex-presidente Ollanta Humala e a sua esposa estão sob suspeita e tiveram prisão preventiva decretada, e a pressão do caso acabou por forçar a renúncia do presidente Pedro Pablo Kuczynski.

No Equador, o vice-presidente Jorge Glas também acabou na prisão.

No México, o impasse persiste - uma polêmica a mais para o mandato de Enrique Peña Nieto, e que municiou o discurso vitorioso do presidente eleito.

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