Conflito Israel-Hamas: por que Brasil não classifica grupo palestino como 'terrorista'
Brasil só considera "terroristas" os grupos classificados dessa maneira pela ONU.
A classificação do grupo palestino Hamas como terrorista é um tema que divide a comunidade internacional.
Países como Estados Unidos, Reino Unido, Japão, Austrália e as nações da União Europeia classificam o Hamas como uma organização terrorista. Em suas manifestações no final de semana - após os ataques do Hamas no sul de Israel -, praticamente todos esses países voltaram a chamar o Hamas de grupo terrorista.
Já o Brasil e nações como China, Rússia, Turquia, Irã e Noruega não adotam essa classificação.
Historicamente o governo brasileiro só aceita classificar uma organização como sendo terrorista se ela for considerada assim pela ONU.
É o caso dos grupos islamistas Boko Haram, Al-Qaeda e Estado Islâmico — consideradas organizações terroristas pela ONU e portanto também pelo governo brasileiro.
Esse critério faz com que o Brasil não mude a sua classificação de entidades consideradas terroristas mesmo quando há alternância de poder em Brasília. Ao longo do governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), o presidente chegou a se manifestar em favor de classificar grupos como o palestino Hamas e o islâmico xiita libanês Hezbollah como terroristas — mas oficialmente o Brasil nunca mudou sua postura.
No fim de semana, o Itamaraty emitiu duas notas sobre a violência no Oriente Médio — e em nenhuma delas o governo brasileiro menciona o Hamas.
"O governo brasileiro condena a série de bombardeios e ataques terrestres realizados hoje em Israel a partir da Faixa de Gaza", diz a nota de sábado (7/10).
O Brasil, que assumiu, por um mês, a presidência rotativa do Conselho de Segurança das Nações Unidas, convocou os membros do órgão para uma reunião de emergência no domingo. Após o encontro, o Brasil emitiu nova nota, também sem mencionar o Hamas.
"O governo brasileiro reitera seu compromisso com a solução de dois Estados, com um Estado Palestino economicamente viável, convivendo em paz e segurança com Israel, dentro de fronteiras mutuamente acordadas e internacionalmente reconhecidas", disse o Itamaraty em nota.
Mesmo sem classificar o Hamas como grupo terrorista, o Brasil já se manifestou contra o grupo na ONU.
Em dezembro de 2018, o Brasil votou a favor de uma proposta dos Estados Unidos na Assembleia Geral da ONU que condenava o Hamas pelo uso de foguetes contra Israel, exigindo que o grupo renunciasse à violência.
Em discurso na Assembleia na ocasião da votação, a embaixadora americana disse que o Hamas representava um dos "casos mais feios de terrorismo no mundo".
O texto recebeu 87 votos a favor, 57 contra e 33 abstenções — e foi rejeitado por não ter alcançado dois terços de aprovação.
Critérios
As motivações de cada país para classificar uma entidade como terrorista ou não variam de acordo com os interesses e diretrizes da política externa de cada um.
Há países que, além de não considerarem o Hamas um grupo terrorista, ainda oferecem apoio à organização.
Segundo o Council on Foreign Relations (CFR), think tank americano sobre política exterior, países como Irã e Turquia oferecem apoio direto ao Hamas.
"O Irã fornece apoio material e financeiro e a Turquia supostamente acolhe alguns dos seus principais líderes", afirma o CFR.
A Noruega não classifica o Hamas como entidade terrorista. Em 2007, Oslo se recusou a boicotar o grupo palestino depois da vitória eleitoral do Hamas em Gaza. A Noruega tinha a intenção de mediar um processo de paz entre o Hamas e Israel, mas as tentativas nunca avançaram.
Após os ataques do Hamas a Israel neste fim de semana, o governo norueguês criticou a ação do grupo palestino e disse que Israel tem o direito de se defender — mas não usou o termo terrorismo. Já países vizinhos, como Suécia e Dinamarca, foram explícitos em suas declarações contra o Hamas, chamando o grupo de terrorista.
Rússia e China também não classificam o Hamas como grupo terrorista — e no fim de semana sequer mencionaram o grupo palestino em seus comunicados sobre a escalada de violência.
O governo da China disse que "a principal solução para o conflito reside na implementação da solução de dois Estados e no estabelecimento de um Estado independente da Palestina".
Já a Rússia disse considerar o episódio atual de violência "como outra manifestação extremamente perigosa de um círculo vicioso de violência resultante da crônica falta de cumprimento das resoluções correspondentes da ONU".
Já para países como Estados Unidos, Reino Unido, Japão, Canadá, Austrália e nações da União Europeia, o Hamas é considerado uma organização terrorista.
Os americanos incluem o Hamas na sua lista desde 1997 — o que possibilita sanções a diversos indivíduos que participam ou realizam negócios com o grupo palestino.
O governo do Reino Unido detalha os motivos pelo qual classifica o Hamas como organização terrorista.
"O Hamas comete e participa no terrorismo. O Hamas utilizou ataques indiscriminados com foguetes ou morteiros e ataques contra alvos israelenses. Durante o conflito de maio de 2021, mais de 4 mil foguetes foram disparados indiscriminadamente contra Israel", diz o site do governo britânico que lista organizações consideradas terroristas.
O que é o Hamas?
O Hamas é um grupo militante palestino que governa a Faixa de Gaza. O grupo fez um juramento para destruir Israel e substituí-lo por um Estado islâmico. O Hamas assumiu o poder em Gaza em 2006 e desde então entrou em diversos conflitos com Israel.
Entre essas guerras, disparou ou permitiu que outros grupos disparassem milhares de foguetes contra Israel e realizou outros ataques que resultaram em mortes.
Israel também realizou diversos ataques aéreos contra o Hamas e, juntamente com o Egito, bloqueou a Faixa de Gaza desde 2007.
O Hamas — sigla para Harakat al-Muqawama al-Islamiya, que significa Movimento pela Resistência Islâmica — surgiu no final dos anos 1980 como braço político da Irmandade Muçulmana, organização islâmica fundada no Egito.
O Hamas é rival político do grupo palestino Fatah, que controla a Cisjordânia. Em 2006, o Hamas derrotou o Fatah em eleições na Faixa de Gaza. Desde então, o grupo controla a região.