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COP26: Itamaraty tenta 'reconstruir imagem do Brasil', mas próprio governo age contra, diz ex-ministra do Meio Ambiente

Izabella Teixeira, que chefiou pasta nos governos de Lula e Dilma, afirma que comportamento do Brasil é avaliado como 'dúbio' na cúpula, porque medidas e discurso do governo Bolsonaro vão na contramão das promessas e acordos feitos por seus diplomatas.

11 nov 2021 - 14h57
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Ex-ministra Izabella Teixeira critica a conduta da gestão de Bolsonaro na COP26
Ex-ministra Izabella Teixeira critica a conduta da gestão de Bolsonaro na COP26
Foto: BBC News Brasil / BBC News Brasil

A ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira avalia que o Brasil está passando uma mensagem "dúbia" na COP26, a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas que está sendo realizada em Glasgow, na Escócia.

Segundo ela, enquanto diplomatas do Itamaraty tentam avançar nas negociações e "reconstruir a imagem do país", o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, e demais integrantes do governo Bolsonaro agem na contramão das promessas feitas.

Teixeira, que está participando da cúpula do clima como observadora, comandou o Ministério do Meio Ambiente entre 2010 e 2016, durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

"O Itamaraty tenta reconstruir e fazer uma gestão de danos da imagem do Brasil, mas você percebe claramente uma distância entre essa reconstrução de imagem e a consistência das ações, das políticas públicas que são anunciadas pelo governo brasileiro", disse ela à BBC News Brasil.

Teixeira era ministra do Meio Ambiente durante a assinatura, em 2015, do compromisso global mais importante sobre clima, o Acordo de Paris, quando países assumiram a meta de limitar o aquecimento da Terra a 1,5ºC até 2100.

Na ocasião, o Brasil teve papel de destaque ao assumir voluntariamente metas de redução de emissões, puxando outros países emergentes a também se posicionar.

A ex-ministra afirmou que o Brasil tradicionalmente entrava com uma voz unitária nas negociações sobre clima das Nações Unidas. Agora, ela observa uma divisão entre as intenções do Ministério de Relações Exteriores e o Ministério do Meio Ambiente.

"A percepção sobre o comportamento do Brasil é uma percepção muito dúbia. Os diplomatas estão fazendo um esforço muito grande em avançar nos interesses nacionais. Mas o próprio discurso do ministro do Meio Ambiente aqui na COP26 leva ao descrédito desses avanços", disse.

Promessas x discurso e ações

Durante toda a primeira semana da COP26, quem chefiou as negociações brasileiras foi o embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto, que atua com outros negociadores também diplomatas.

Grande parte dos países contou com a presença de seus presidentes ou premiês, mas o presidente Jair Bolsonaro não compareceu.

Já o ministro do Meio Ambiente só chegou na à COP26 na segunda semana da cúpula. Ele esteve ausente na primeira, quando a maioria dos países contou com a participação de ministros e chefes de Estado nas negociações.

Com isso, o Brasil só teve a chamada representação de alto nível faltando quatro dias para o fim da COP26.

Agora, Joaquim Leite está participando das tratativas, mas, como ele não tem experiência na área, Carvalho Neto está acompanhando todas as conversas, e quem está de fato negociando em nome do Brasil são os diplomatas.

Em discurso na cúpula do clima, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, não reconheceu publicamente que o Brasil viveu dois anos de desmatamento recorde
Em discurso na cúpula do clima, o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, não reconheceu publicamente que o Brasil viveu dois anos de desmatamento recorde
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Para Teixeira, o próprio fato de o Brasil não ter contado com a presença do chefe de Estado ou ministro nas negociações deixa a imagem de falta de comprometimento.

"Essas negociações costumam ocorrer com o mais alto nível de representação, com reuniões entre presidentes e ministros com experiência em negociação bilateral. O Brasil foi representado por um embaixador. Um embaixador com equipe técnica competente, mas um embaixador", disse.

Nas negociações chefiadas pelo Itamaraty, o Brasil assinou um acordo sobre proteção de florestas que prevê zerar o desmatamento no mundo até 2030.

Também aderiu a um acordo para reduzir emissões de metano em 30% até 2030 - entendimento que afeta a agropecuária brasileira, já que bois emitem esse gás do efeito estufa durante sua fermentação gástrica.

Mas os compromissos assumidos pelo Brasil foram recebidos com reserva pelos outros países, diante da piora de todos os indicadores ambientais nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro.

Em 2020, o desmatamento na Amazônia foi o pior em 12 anos; o número de focos de incêndio foi o maior em 10 anos; e o volume de emissões foi a mais alta em 14 anos.

Cobrança por ações concretas

Representantes da delegação americana dizem que esperam "ações concretas" do Brasil, e ambientalistas afirmam que o discurso do ministro do Meio Ambiente não bate com os acordos firmados pelos negociadores brasileiros.

Na quarta-feira (10/11), em fala no plenário da cúpula do clima, Leite não reconheceu publicamente que o Brasil viveu dois anos de desmatamento recorde, só mencionou que o país tem "desafios". Além disso, declarou que "onde há muita floresta, há muita pobreza".

Esta fala foi interpretada por observadores como indicativo de que o governo Bolsonaro não mudou sua política ambiental.

Em entrevista coletiva, na terça-feira (9/11), Joaquim Leite também se recusou a responder se o governo irá retirar apoio a projetos de lei que provocariam mais desmatamento, como o que permite mineração em terras indígenas.

Já o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Gustavo Montezano, disse à BBC News Brasil que a "miséria" em regiões do Brasil dificulta cortar subsídios e financiamento a combustíveis fósseis.

Um dos principais trechos do rascunho do acordo final da conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas prevê "acelerar a eliminação do uso de carvão e de subsídios a combustíveis fósseis".

"No Brasil, a dificuldade dessa transição é que ela seja justa. Nós somos um país como muita miséria, especialmente com a covid, que agravou essa situação. Então, você fazer transição num modelo de país desenvolvido, isso não se aplica para a gente, pode colocar pessoas na miséria", disse Montezano, ao ser perguntado se o Brasil deve reduzir financiamento e subsídios ao setor de petróleo, carvão e gás natural.

"Você está na Amazônia e você gasta R$ 8 bilhões por ano em subsídio no combustível. Como que a gente, amanhã, corta isso e fala que as pessoas que moram numa comunidade isolada vão ter que pagar três vezes mais? Temos que ter cuidado com impacto social disso. Se você faz transição do óleo para o gás, você já fez uma melhoria enorme para o impacto climático", completou o presidente do BNDES, que também está em Glasgow, na Escócia, para participar de eventos da COP26.

Mas o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, lembra que boa parte da Amazônia é abastecida por hidrelétricas, como a de Belo Monte e a do rio Madeira.

E, segundo ele, há diversos projetos de energia sustentável para substituir a dependência de algumas regiões do Norte do país em energia a diesel.

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