COP27: Como poluição por petróleo no anfitrião da conferência ameaça uma das principais barreiras de coral do mundo
Recife do Mar Vermelho resistente às mudanças climáticas está sendo inundado com águas tóxicas, mostram documentos vazados.
O Egito está recebendo esta semana líderes mundiais para discutir ações sobre mudanças climáticas como parte da conferência COP27 das Nações Unidas. Mas enquanto isso ocorre, um terminal de petróleo está despejando águas tóxicas no litoral do Mar Vermelho, segundo uma investigação da BBC News Arabic (serviço de notícias em árabe da BBC). O despejo ameaça uma forma rara de coral que é conhecida como esperança de preservação da vida oceânica diante do aquecimento global.
Documentos vazados obtidos pela BBC e pela organização jornalística sem fins lucrativos SourceMaterial revelam que a "água produzida" (ou água residual) do terminal petrolífero de Ras Shukeir, no Egito, está sendo despejada no Mar Vermelho todos os dias.
O líquido não tratado — que vem à superfície durante a perfuração de petróleo e gás — contém altos níveis de toxinas, óleo e graxa.
Os documentos — em que a Gulf of Suez Petroleum Company (Gupco) tenta, em 2019, contratar uma empresa para tratar a água — dizem que os níveis de poluição "não estão de acordo" com leis e regulamentações ambientais egípcias.
Todos os dias, 40 mil metros cúbicos dessa água tóxica — o equivalente a 16 piscinas olímpicas — são despejados no Mar Vermelho, dizem os documentos.
Greg Asner, ecologista da Arizona State University, diz que a informação é "muito alarmante", pois indica contaminação por chumbo, cádmio, cobre, níquel e outros metais pesados. "Você não precisa ser especialista para entender que algo não está certo aqui", diz ele.
Os documentos vazados indicam que o governo do Egito tem conhecimento do problema das águas residuais desde pelo menos 2019, depois que a petrolífera britânica BP vendeu sua participação de 50% no projeto para a empresa Dragon Oil, dos Emirados Árabes. Os outros 50% são de propriedade da estatal de petróleo do Egito.
A venda da BP foi parte de uma decisão da empresa de se desfazer de ativos no valor de US$ 10 bilhões. Analistas diziam que o plano da BP era fazer com que a venda ajudasse a multinacional a cumprir suas metas climáticas.
A deputada do Partido Verde no Reino Unido Caroline Lucas afirma: "Não é surpresa que a BP e outros prefiram vender seus ativos mais sujos e ambientalmente destrutivos, do que limpá-los eles mesmos".
A BP disse à BBC que a venda de sua participação na Gupco foi por razões financeiras, e não como parte de um plano para atingir metas climáticas. A empresa disse ainda que as questões sobre as águas residuais tóxicas cabe à Gupco.
Gupco e o Ministério do Meio Ambiente do Egito não responderam ao pedido de entrevista feito pela BBC.
O acesso às instalações de Ras Shukeir é restrito a trabalhadores petrolíferos e inspetores do governo. No entanto, a BBC conseguiu usar imagens de satélite para examinar a extensão da poluição da água.
A análise de imagens de satélite de alta resolução mostra uma mancha verde de até 20 km no mar ao sul, em áreas que abrigam vida marinha.
A empresa de análise de satélite Soar.Earth usou técnicas remotas de monitoramento da qualidade da água para examinar a mancha. O especialista em sensoriamento remoto da empresa, Sergio Volkmer, diz que a mancha "não é uma proliferação de algas", mas sim algo abaixo da superfície, como sedimentos ou líquidos emitidos localmente.
Essa mesma mancha verde é visível na primeira imagem de satélite que a BBC conseguiu encontrar, de 1985, indicando que o terminal de petróleo pode estar despejando água tóxica no Mar Vermelho há décadas. Ela ainda aparece na imagem mais recente, feita em setembro de 2022.
Asner também examinou a área usando o Allen Coral Atlas, uma ferramenta de satélite de alta resolução que monitora os recifes de coral.
Ele diz que, embora haja sinais de um ecossistema próspero em ambos os lados da área impactada, "de repente é difícil ver através da água" por causa de "algo na superfície que parece poluição".
Gera Troisi — professora da Brunel University London que estuda os efeitos das toxinas nos organismos — diz que os compostos contidos na água despejada podem reagir com a água do mar, absorver o seu oxigênio e sufocar até mesmo a vida marinha mais resistente.
"Estamos sufocando [a vida marinha] e depois retirando o seu acesso à luz por causa de todos esses sólidos suspensos", diz ela.
A ONU alerta que, se as temperaturas médias globais aumentarem 1,5°C, 90% dos corais do mundo serão exterminados.
Mas apesar da temperatura do mar subir mais rápido no Mar Vermelho do que a taxa média global, o "super coral" nesta região provou que é resistente aos efeitos das mudanças climáticas.
Alguns cientistas acreditam que os corais do Mar Vermelho podem conter o segredo para salvar corais em todo o mundo. A oceanógrafa Sylvia Earle diz que mais pesquisas são necessárias para descobrir o que torna esse coral menos vulnerável ao aumento das temperaturas.
Mas ela diz que o coral do Mar Vermelho é de "enorme importância para a comunidade internacional por causa da possibilidade de transplante de corais do Mar Vermelho para reabilitar os recifes degradados em outras partes do mundo, como a Grande Barreira de Corais [na Austrália]".
Apesar de cobrir apenas 0,1% dos oceanos, os recifes de coral abrigam 30% da biodiversidade marinha. No Mar Vermelho, eles são uma tábua de salvação para espécies ameaçadas, como as tartarugas, além de ajudar na pesca, agricultura marinha e turismo — servindo de fonte de renda para milhões de egípcios.
Cientistas — tanto no Egito quanto internacionalmente — recomendaram que a área onde a Gupco opera deve ser incluída em uma nova zona de proteção marinha no Mar Vermelho, para cobrir toda uma área conhecida como Great Fringing Reef. Atualmente cerca de 50% do recife está na zona.
Ativistas esperavam que a extensão da zona de proteção fosse anunciada pelo Ministério do Meio Ambiente do Egito na COP27. Mas até agora nenhum anúncio foi feito.
As companhias de petróleo Shell e Chevron realizaram pesquisas recentes para novos poços de petróleo e gás a cerca de 30 km de partes protegidas do Great Fringing Reef.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63647054https://www.bbc.com/portuguese/internacional-63647284