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Coronavírus: as lições da epidemia que devastou Atenas há mais de 2 mil anos

A praga que matou Péricles, relatada pelo historiador Tucídides, nos oferece observações importantes sobre o desenrolar de uma pandemia como a que enfrentamos hoje.

20 abr 2020 - 12h55
(atualizado às 13h41)
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Péricles fazendo um de seus discursos.
Péricles fazendo um de seus discursos.
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Péricles, um importante e influente político e orador ateniense do século 5 a.C., fez um de seus discursos mais famosos após uma epidemia devastadora no ano 430 a.C - provavelmente uma forma de tifo - acabar com cerca de um terço da população de Atenas.

Essa fala, assim como outra feita para honrar os mortos em uma guerra contra Esparta, foram relatadas pelo historiador Tucídides, cuja descrição da Grande Peste já seria digna de ser lida mesmo que só por sua virtude literária, diz à BBC Armand D'Angour, professor de línguas clássicas e literatura da Universidade de Oxford, no Reino Unido.

A obra de Tucídides mostra semelhanças na maneira como as pessoas reagiram naquela epidemia e na atual pandemia de coronavírus.

Ele escreveu sobre essas experiências porque pensava que entender melhor os eventos que havia vivido poderia servir de guia para responder a situações parecidas no futuro.

Modelo médico

Segundo D'Angour, o método com que se combateu essa praga consagrou um dos médicos mais inovadores de sua época: Hipócrates.

Em vez de receitar orações, rituais religiosos, feitiços ou ervas exóticas e remédios de curandeiros, Hipócrates e seus contemporâneos visitavam os doentes, tomavam notas sobre seus sintomas e registravam como eles respondiam aos tratamentos recomendados, como dormir, fazer exercícios ou seguir uma dieta específica.

O Partenon, em Atenas, foi construído na época de Péricles
O Partenon, em Atenas, foi construído na época de Péricles
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Um dos piores aspectos da peste era o desespero que acometia as pessoas que descobriam estar doentes, conforme observou Tucídides.

"Aqueles que estavam convencidos de que não tinham esperanças se rendiam muito mais rápido e morriam."

Outro aspecto era a alta taxa de infecção e mortalidade entre os que se dispunham a cuidar dos outros.

Além disso, a epidemia teve como consequência mais delitos, pois os delinquentes acreditavam que escapariam dos castigos.

"O que podemos aprender com essas observações de Tucídides?", questiona D'Angour.

"Primeiro, que as pessoas devem evitar se infectar pelo contato próximo, e que médicos e cuidadores devem se proteger", disse o historiador.

"Segundo, que a lei deve continuar funcionando de forma robusta. E, terceiro, que é importante que as pessoas mantenham um estado mental positivo."

Medidas para cumprir esses objetivos já foram postas em prática na maioria dos países afetados pela covid-19.

Imunidade

Os atenienses sobreviveram à peste de 430 a. C. com uma resistência surpreendente, diz D'Angour.

"Apenas 15 anos depois, puderam juntar uma enorme força militar e naval para armar uma ofensiva externa."

Mas, quando a epidemia bateu, Atenas havia acabado de ir à guerra, enviando um grande número de soldados ao norte para lutar.

Exposto à doença durante a peste, Tucídides adquiriu imunidade
Exposto à doença durante a peste, Tucídides adquiriu imunidade
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"Lamentavelmente, levaram a doença com eles, e mais de mil homens morreram por essa causa."

Um dos soldados que participaram da campanha foi o filósofo Sócrates.

Acredita-se que ele sobreviveu à infecção graças à sua força física e disciplina. Depois de voltar à cidade, ajudou doentes e moribundos sem se contagiar.

"Sócrates, evidentemente, adquiriu imunidade por sua exposição anterior à doença", diz D'Angour.

O mesmo ocorreu com Tucídides, que sobreviveu à infecção e relatou que ter sido exposto à doença o havia deixado imune.

Lições do passado

A obra de Tucídides mostra que a História pode ser uma espécie de vacina.

"A História não deve ser um simples lembrete dos horrores do passado. Pode nos guiar para que tomemos precauções, e nos lembra que a observação cuidadosa é vital para garantir uma melhor resposta no futuro, e nos assegurarmos de que, um dia, a vida normal voltará", explica D'Angour.

Porém, ele acrescenta, também devemos recordar que a História nunca se repete de maneira exata, ainda que possa nos oferecer lições valiosas para a posteridade.

Péricles é um dos ídolos do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson
Péricles é um dos ídolos do primeiro-ministro britânico, Boris Johnson
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Péricles manteve por três décadas uma grande influência em Atenas, até morrer por uma doença um ano depois de seu famoso discurso, aos 66 anos de idade.

Em um momento em que a pandemia da covid-19 indica um futuro sombrio, os ensinamentos da peste de Atenas podem nos ajudar a entender o que o futuro nos reserva e como estar mais bem preparados para enfrentá-lo.

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