Coronavírus: os depósitos secretos da Guerra Fria que agora abastecem a Finlândia na pandemia
Há décadas, o país nórdico tem armazenado suprimentos de emergência para casos como guerras, dificuldades ambientais ou crises de saúde pública.
Em meio à crise do novo coronavírus, inúmeros países buscam desesperadamente, em todo o mundo, formas de garantir o fornecimento confiável e constante de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs).
Alguns trocam acusações e afirmam que há nações negociando sorrateiramente para adquirir esses itens, por meio de suas forças econômicas.
Enquanto muitos buscam intensamente esses EPIs, a Finlândia não foi pega desprevenida na pandemia.
Isso porque graças à Agência Nacional de Suprimentos de Emergência do país nórdico (HVK, em suas siglas em finlandês), a Finlândia passou décadas armazenando suprimentos em locais secretos em todo o seu território. Essa foi uma forma encontrada por autoridades locais para enfrentar todos os tipos de crises: como guerras, problemas econômicos ou climáticos, ataques tecnológicos ou dificuldades sanitárias.
Em 23 de março, o Ministério de Assuntos Sociais e de Saúde — que supervisiona a HVK — declarou que, nas atuais condições de emergência por coronavírus, é justificável disponibilizar os suprimentos médicos e equipamentos de proteção que estão armazenados há décadas.
Equipamentos velhos, mas funcionais
Desde a época da Guerra Fria (1947-1991), o país nórdico não usava essas reservas, que também incluem alimentos, combustível, ferramentas agrícolas e até suprimentos para a produção de armas.
Em decorrência do novo coronavírus, o ministério pediu à HVK que descentralizasse suprimentos médicos e equipamentos de proteção individual para os cinco distritos hospitalares da Finlândia, iniciando assim uma cadeia de distribuição que atingirá todas as áreas que precisam desses serviços de saúde e bem-estar.
Um comunicado encaminhado à BBC News Mundo pelo Ministério de Assuntos Sociais e de Saúde afirma que a Finlândia está bem preparada para a pandemia, com "uma boa quantidade de equipamentos de proteção pessoal necessários para examinar e tratar os pacientes com coronavírus".
Estes suprimentos estão disponíveis por todo o país e podem ser transferidos para cada região conforme a necessidade — as áreas com mais casos devem receber mais itens.
Além dos hospitais que possuem novos itens, a Finlândia também têm em seus estoques de EPIs um depósito de emergência com os itens antigos, que, segundo apuração do Centro de Verificação Finlandês em fevereiro deste ano, estão em boas condições.
"Temos seguido as instruções de armazenamento do fabricante, mantendo os protetores limpos, como se estivesem nas fábricas, em suas embalagens originais, a uma temperatura ambiente constante e protegidos da umidade e da luz", disse Jyrki Hakola, diretor do Departamento de Produção Básica da HVK.
O país está cogitando a possibilidade de lançar a sua própria produção de suprimentos médicos para complementar o que já possui e o que tem conseguido obter nos mercados internacionais.
A história justifica as medidas
O então Ministério de Abastecimento de Emergência do país foi criado no fim de 1939, no início da Segunda Guerra Mundial.
Porém, desde os anos 1920, o país nórdico estudava a aplicação e o armazenamento de suprimentos de emergência em vários setores da economia em caso de guerra.
A história da Finlândia e sua localização justificam a preocupação de antigas autoridades em relação ao tema. O país foi parte do Império Russo de 1809 a 1917, depois que o czar capturou a região, que anteriormente era parte da Suécia.
Depois que o país conquistou a independência, os conflitos continuaram ao longo da extensa fronteira com o que já era a União Soviética, com a qual entrou na guerra em 1939. O conflito, chamado de Guerra de Inverno, durou até 1940. Em 1941, tropas finlandeses e soviéticas voltaram a entrar em confronto na chamada Guerra da Continuação, quando Finlândia e a Alemanha nazista sitiaram Leningrado (atualmente São Petersburgo).
Depois disso, veio a Guerra Fria e, como parte das tensões entre o Ocidente e o Oriente, a Finlândia era a mais vulnerável entre a maioria de seus aliados.
Quando a cortina de ferro caiu, o resto da Europa relaxou. A Finlândia, porém, não diminuiu seus esforços para reunir recursos básicos para enfrentar ameaças.
Em 1993, o país criou formalmente a HVK para continuar o abastecimento, pensando em outras possíveis crises, como a climática, a sanitária, a de ataques cibernéticos. As necessidades de armazenamentos deveriam ser revistas a cada cinco ou seis anos.
"Nós, da Finlândia, temos sorte no sentido de que continuamos com esse trabalho de armazenamento desde o período pós-guerra e nos preparamos para isso em um bom nível", disse Jyrki Hakola ao jornal Helsingin Sanomat. "Não existe nenhum sistema igual ao nosso em nenhuma parte da Europa", acrescentou.
Todas as informações relacionadas aos sites e conteúdos que o país possui armazenados são classificados como "segredo de Estado". "Nunca divulgamos o número ou a localização das reservas", explicou ele ao jornal. "Também não divulgamos quem os administra ou qual é o seu conteúdo exato".
Sem detalhar, Hakola revelou que os suprimentos são muitos e estão espalhados por todo o país, embora não tenham sido usados com muita frequência.
"É a primeira vez na história do pós-guerra que tomamos equipamentos de proteção das nossas reservas para proteções de saúde".
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