Coronavírus: por que o número de mortes continua subindo na Itália
Nesta sexta-feira, a Itália teve recorde de número diário de novas mortes por coronavírus. A BBC News Brasil ouviu especialistas para entender por que o número de mortes segue crescendo.
Na sexta-feira (27/03), a Itália teve recorde de número diário de novas mortes por coronavírus - foram 969.
No total, até 28 de março, mais de 10 mil pessoas já morreram em decorrência do contágio pelo vírus no país.
Todo o território italiano está sob rígida quarentena. No início da sexta-feira, autoridades disseram que as restrições provavelmente serão estendidas por mais tempo.
A região mais afetada, no norte da Lombardia, teve um aumento acentuado de mortes, após um declínio na quinta-feira que aumentou as esperanças de que o surto lá pudesse ter passado do pico.
O número divulgado nesta sexta-feira incluiu 50 mortes registradas no dia anterior na região noroeste do Piemonte, mas que não foram enviadas a tempo da atualização de quinta-feira.
Enquanto isso, a Espanha - o segundo país mais atingido pela doença covid-19, causad pelo novo vírus, na Europa - sofreu um forte aumento no número de mortes, mas a taxa de novas infecções está se estabilizando, disseram autoridades.
A BBC News Brasil ouviu especialistas para entender por que o número de mortes segue crescendo. Os principais fatores apontados são a demora para detectar casos e a demora para impor medidas restritivas.
Qual é a situação na Itália?
Foram registrados 4.401 novos casos confirmados, um pouco abaixo do registrado na quinta-feira, mas ainda assim maior que os números do início da semana.
O correspondente da BBC em Roma, Mark Lowen, diz que o progresso no combate ao surto está se mostrando lento e desigual.
Também cresce o medo de um aumento de casos no sul do país, que é mais pobre.
Na quinta-feira, Vincenzo De Luca, presidente da região da Campânia, perto de Nápoles, disse que o governo central não forneceu os respiradores prometidos e outros equipamentos que salvam vidas.
"Nesse momento, existe a perspectiva real de que a tragédia da Lombardia esteja prestes a se tornar a tragédia do sul", disse ele.
E na Espanha?
Na Espanha, o número de casos confirmados subiu para 64.059, um aumento de 14% em comparação com o de 18% no dia anterior e 20% na quarta-feira.
Em 24 horas, 769 pessoas morreram, um recorde diário, elevando o total para 4.858. O governo espanhol estendeu o estado de emergência até pelo menos 12 de abril.
O movimento das pessoas está severamente restrito e a maioria das lojas e negócios, fechados.
Demora para detectar e demora para reagir
Especialistas dizem que a Itália não detectou a disseminação da epidemia cedo o bastante. O número de casos confirmados no país disparou de forma súbita no final de fevereiro, levando cientistas a crer que houve um período em que o vírus estava se espalhando sem ser detectado.
Isso deu ao país menos tempo para medidas como rastrear contatos daqueles que adoeceram e isolar casos para diminuir a propagação.
"Quando começaram a registrar casos, já havia pessoas morrendo. Foi uma falha na vigilância. Isso quer dizer que a epidemia avançou silenciosamente. Foi como uma onda invisível que só foi percebida quando bateu na praia", diz o infectologista da Universidade Federal do Rio de Janeiro Alberto Chebabo.
Quando medidas de isolamento foram tomadas, já havia muitos infectados.
"Você começa a ver o impacto das medidas de isolamento mais ou menos quinze dias depois de elas serem implementadas. É preciso tornar a duração da epidemia mais lenta para não sobrecarregar o sistema de saúde. Se você implementa medidas tarde, quando há muitas pessoas doentes ao mesmo tempo, o resultado que as medidas vão dar será menor. Quanto mais precocemente elas são adotadas, mais lento é o aumento (e menor a sobrecarga ao sistema de saúde)", diz Chebado.
Enquanto as pessoas eram tratadas dentro dos hospitais, fora deles, a epidemia seguia - e segue -, com novos casos crescendo constantemente.
"As pessoas ficam internadas por duas, três, às vezes quatro semanas. A epidemia não deu trégua, então você tem um acúmulo de mortes porque não há leitos o bastante para todos que chegam", diz.
Medidas tardias
Também é essa a opinião de Eduardo Hage Carmo, epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). "A Itália adotou medidas restritivas muito tarde. Quando fizeram isso, já havia muitos casos. Quando essas medidas são adotadas quando a epidemia está próximo do seu pico, elas têm pouco efeito. Os países que tiveram resultados mais positivos adotaram essas medidas precocemente", diz.
"Por melhor que fosse o sistema de saúde do país, não teria como dar conta do volume de casos, por não ter adotado medidas precocemente. Nenhum sistema suporta um número grande de casos em um período curto de tempo. Não há equipamento o bastante para tantas pessoas. Adotar medidas antes de o número de casos se acumular faz com que a tendência seja que o serviço de saúde possa dar conta. Essas medidas tinham que ter sido tomadas semanas antes", afirma ele.
Idade da população e convívio entre gerações
A idade da população, assim como a maneira como ela vive, também pode estar tendo algum impacto na forma como a covid-19 está se espalhando, de acordo com pesquisadores da Universidade Oxford e da Nuffield College.
A pesquisadora Jennifer Dowd e seus colegas analisaram a demografia e a disseminação da doença em diferentes partes do mundo. Na Itália, que tem uma população mais velha e as famílias que têm pessoas de várias gerações tendem a viver mais próximas, o vírus está matando mais.
Isso ocorre porque a taxa de mortalidade do vírus em pessoas acima de 80 anos é estimada em 14,8%, em comparação com 0,4% para pessoas entre 40 e 49 anos, de acordo com o estudo de casos e mortes até 13 de março.
A Itália é o segundo país com a população mais velha do mundo (atrás do Japão). A média de idade dos diagnosticados com o novo coronavírus é de 66 anos, e 58% têm mais de 60 anos.
No entanto, Chebabo acredita que esse não seja o principal fator, mas sim a falta de estrutura hospitalar para cuidar dos doentes. Para ele, algumas das pessoas em grupos de risco poderiam se curar se houvesse leitos e equipamentos adequados para todos.