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Crise na Ucrânia: o que é fato e o que é questionável no discurso de Putin

Em um longo discurso televisionado no Kremlin, Putin procurou justificar suas ações fazendo uma série de alegações sobre a Ucrânia.

22 fev 2022 - 15h17
(atualizado em 23/2/2022 às 06h23)
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O presidente russo Vladimir Putin em reunião ministerial
O presidente russo Vladimir Putin em reunião ministerial
Foto: Alexei Nikolsky/Getty Images / BBC News Brasil

O presidente russo Vladimir Putin ordenou o envio de tropas em duas regiões controladas por rebeldes pró-Rússia no leste da Ucrânia depois de reconhecê-las como estados independentes.

Em um longo discurso televisionado no Kremlin, Putin procurou justificar suas ações fazendo uma série de alegações sobre a Ucrânia.

Putin: "O chamado mundo civilizado... prefere ignorá-lo como se não houvesse esse horror, esse genocídio a que quase quatro milhões de pessoas estão sendo submetidas"

Putin falava sobre a região de Donbas, no leste da Ucrânia, dizendo que os habitantes que falam russo estão sendo submetidos a "genocídio" - um termo já empregado antes e repetido na televisão estatal russa.

Memorial às vítimas do conflito em Donetsk, leste da Ucrânia
Memorial às vítimas do conflito em Donetsk, leste da Ucrânia
Foto: Anadolu Agency/Getty Images / BBC News Brasil

A Convenção sobre Genocídio das Nações Unidas, ratificada por 152 países, incluindo a Rússia, define genocídio como "atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso".

Entre os exemplos estão os massacres ocorridos em Ruanda e o de Srebrenica (Bósnia e Herzegovina), afirma o documento.

Mas não há evidências de genocídio no leste da Ucrânia.

A ONU diz que os estados "às vezes caracterizam certos incidentes ou períodos de violência como genocídio", mas essas "caracterizações não podem ser tratadas como autoritárias ou determinantes".

A fala de Putin foi chamada de "ridícula" pelo chanceler alemão Olaf Scholz.

No entanto, há um conflito contínuo no leste da Ucrânia.

A ONU estima que entre 14.200 e 14.400 pessoas foram mortas no leste da Ucrânia entre 2014 e o final de 2021, incluindo:

  • pelo menos 3.404 civis
  • 4.400 militares das forças ucranianas
  • 6.500 membros de grupos armados

Até 39.000 pessoas ficaram feridas, entre elas um número entre 7.000 e 9.000 de civis.

Mapa
Mapa
Foto: BBC News Brasil

E, em 2018, a organização International Crisis Group descobriu que cerca de 600 mil pessoas - de ambos os lados - viviam em locais sob risco "onde são expostas diariamente a bombardeios, minas terrestres e restrições rígidas ao direito de ir e vir e a serviços básicos".

Putin: "Já houve declarações de que a Ucrânia vai criar suas próprias armas nucleares... A Ucrânia de fato ainda tem tecnologias nucleares soviéticas e meios de desenvolver tais armas"

Aeronave com capacidade de lançar armas atômicas sendo desmantelado na Ucrânia em 2006
Aeronave com capacidade de lançar armas atômicas sendo desmantelado na Ucrânia em 2006
Foto: AFP / BBC News Brasil

Em uma conferência de segurança para líderes mundiais na semana passada, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky disse: "Nós não temos essas armas".

A Ucrânia - que tinha o terceiro maior arsenal nuclear do mundo durante a Guerra Fria - desistiu de suas armas nucleares na década de 1990 em troca de garantias de segurança dos EUA, Reino Unido e Rússia.

E atualmente não tem capacidade de disparar armas nucleares por via aérea ou ogivas nucleares que possam ser lançadas por mísseis, de acordo com especialistas em defesa.

No ano passado, o embaixador ucraniano na Alemanha, Andrey Melnyk, sugeriu que, se a Ucrânia não pudesse se juntar à Otan, poderia ter que reconsiderar a dispensa de seu arsenal nuclear.

E essa questão se tornou mais proeminente após o conflito que eclodiu no leste da Ucrânia e a anexação russa da Crimeia, em 2014.

Mas o governo ucraniano não mencionou a intenção de voltar a ter armas nucleares e a estratégia militar do país publicada no ano passado não cita a aquisição desse tipo de armamento.

A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), da ONU, disse à BBC que não viu sinais na Ucrânia "de desvio de material nuclear, que é destinado a atividades pacíficas, para outros fins".

Putin: "A corrupção, que, sem dúvida, é um desafio e um problema para muitos países, incluindo a Rússia, adquiriu algum tipo de caráter especial na Ucrânia"

A Rússia é o país europeu com a pior classificação no Índice de Percepção de Corrupção da Transparência Internacional de 2021.

Ocupa o 136º lugar entre 180 países em todo o mundo, enquanto a Ucrânia está no 122º lugar.

O desempenho da Ucrânia melhorou significativamente na última década, de acordo com a organização.

Mas Ilia Shumanov, da Transparência Internacional Rússia, diz: "A pontuação da Rússia... reflete a falta de mudanças sistêmicas positivas no campo anticorrupção".

Putin: "Mais de 60 mil médicos e outros profissionais de saúde deixaram o país durante a pandemia"

Essa afirmação parece se basear em um relatório publicado em março de 2021 pelo Razumkov Centre, uma empresa de pesquisa ucraniana, que diz: "De acordo com especialistas, desde o início de 2020 deixaram a Ucrânia 66 mil médicos e profissionais de saúde".

Em fevereiro de 2021, cerca de 34 mil deles eram médicos registrados no sistema de saúde ucraniano que haviam pedido demissão desde o início da pandemia, segundo o ex-ministro da Saúde da Ucrânia, Maksym Stepanov.

Um médico em Kiev, a capital ucraniana, ganha o equivalente a R$ 116 mil por ano, de acordo com o Economic Research Institute, comparado ao equivalente a R$ 309 mil anuais na vizinha Polônia.

Nenhuma estatística oficial localiza em quais países os médicos ucranianos trabalham - mas empresas de planos de saúde relatam um rápido crescimento no número de pessoas que desejam trabalhar na Polônia, República Tcheca e Eslováquia.

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