Crise na Venezuela: o que está em jogo para governo e oposição com o retorno de Juan Guaidó
Proibido pela Justiça de deixar o país após se proclamar presidente interino, deputado corre o risco de ser preso em sua volta à Venezuela; opositor passou pelo Brasil e foi recebido por Jair Bolsonaro em giro externo para consolidar apoios.
Sob o risco de ser preso, o oposicionista Juan Guaidó retornou nesta segunda-feira à Venezuela após visitar cinco países latino-americanos para consolidar o apoio internacional a sua tentativa de retirar Nicolás Maduro da Presidência.
Guaidó, proibido pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) de deixar o país após se proclamar presidente interino da Venezuela, em janeiro, pousou no aeroporto de Maiquetía, na região de Caracas. Ali, se encontrou com embaixadores de países europeus e o encarregado de negócios dos EUA na Venezuela, James Story.
Pouco depois, foi recebido por uma multidão em uma praça no bairro Las Mercedes. "Entramos na Venezuela como cidadãos livres, e que ninguém nos diga o contrário. Já sinto o Sol de minha Guaira, o brio das pessoas que nos esperavam aqui, nossa democracia e nossa liberdade a serviço de nosso país", escreveu no Twitter.
Pela rede social, Guaidó convocou novas manifestações de rua contra Maduro para esta segunda e terça-feira.
Maduro defendeu que o líder oposicionista responda à Justiça. "Ele não pode ir e vir. A Justiça o proibiu de deixar o país." Diosdado Cabello, número dois do chavismo, também fez ameaças a Guaidó.
O que está em jogo com a volta de Guaidó?
A crise política e social da Venezuela vive uma escalada desde que Guaidó se declarou presidente interino do país por não reconhecer a reeleição de Nicólas Maduro. Segundo o opositor, o chavista usurpou o poder por meio de eleições fraudulentas.
Em seu giro pela América Latina, o oposicionista visitou Paraguai, Brasil, Argentina, Equador e Colômbia, onde participou uma reunião do Grupo de Lima - formado por 14 países que buscam soluções para a situação da Venezuela.
Guaidó deixou a Venezuela no dia 23 após uma tentativa frustrada de envio de ajuda humanitária de países que o apoiam, como Estados Unidos e Brasil.
O governo Maduro bloqueou as fronteiras com a Colômbia, o Brasil e impediu a chegada de navios que partiam das ilhas caribenhas de Aruba, Curaçao e Bonaire.
Em alguns momentos, a entrada dos mantimentos foi impedida com o uso de força, que deixou mortos e mais de 60 feridos, segundo a ONG venezuelana Foro Penal.
Uso da força contra Maduro?
O Grupo de Lima fez duras críticas à repressão violenta do governo Maduro nas fronteiras, mas os 14 países que apoiam Guaidó descartaram o uso da força militar internacional para conseguir uma mudança política na Venezuela.
Elliot Abrams, funcionário nomeado por Donald Trump para enfrentar a crise venezuelana, também afirmou que os Estados Unidos iriam responder maneira política e diplomática a uma possível prisão de Guaidó.
Para analistas ouvidos pela BBC, essas reações internacionais representaram retrocessos para a oposição e chegaram a colocar em dúvida se Guaidó voltaria mesmo ao país dado o risco de prisão.
"Se permanecesse fora do país, poderia ser visto como alguém que fugiu às suas responsabilidades", avalia Anjo Alvarez, cientista político venezuelano e consultor em política pública.
Carmen Beatriz Fernández, consultora política venezuelana, diretora da Datastrategia e professora convidada da Universidade de Navarra (Espanha), afirma que o exílio teria sido um erro.
"Guaidó é muito mais útil para a oposição como presidente interino da Venezuela do que no exílio. Nesse caso, teria sido um banho de água fria para os venezuelanos", diz.
Segundo ela, a sociedade venezuelana estava "em uma situação de depressão social e política como se o regime tivesse conseguido quebrar o desejo de revolta", mas a ascensão de Guaidó em janeiro transformou o cenário.
"O retorno de Guaidó à Venezuela está 'esticando a corda' em ambas as direções: coloca o governo em um dilema perde-perde", diz a especialista.
Para ela, Maduro pode enfrentar uma dura resposta internacional caso detenha o adversário, mas, caso o deixe livre, ficará bastante enfraquecido entre seus apoiadores.
Possíveis cenários
Anjo Alvarez avalia que o pior cenário para Guaidó seria a prisão e o isolamento das bases de apoio e da comunidade internacional. "Poderia levar à desmobilização e ao desgaste", diz o cientista político.
Essa situação seria semelhante à vivida pelo oposicionista Leopoldo López. O líder do partido Voluntad Popular, sigla pela qual milita Guaidó, está privado de sua liberdade desde 2014 e, embora esteja atualmente sob prisão domiciliar, não pode participar abertamente da política.
Segundo Alvarez, um segundo cenário possível seria Maduro perceber que não pode frear a oposição porque correria o risco de causar reações fortes dentro e fora do país.
"Nesse caso, Maduro perderia o round no sentido de que depois de dizer que ia detê-lo, não pode fazê-lo, mostrando fraqueza. Esse seria o melhor cenário para Guaidó", diz Alvarez.
Carmen Beatriz Fernandez, da Universidade de Navarra, afirma que um dos resultados da turnê internacional de seu adversário político é o aumento do custo para Maduro de prendê-lo.
"Guaidó está sendo recebido com honras de chefe de Estado em todo o hemisfério. Agora, se você é recebido dessa forma, então quem prendê-lo é que está dando um golpe de Estado. Nesse sentido, a turnê busca comprometer ainda mais os países do continente."
Para os dois especialistas ouvidos pela BBC, o cenário mais provável é a prisão de Guaidó, que geraria muitos protestos na Venezuela. Mas dificilmente as manifestações durariam muito tempo, e uma resposta internacional seria limitada.
"Está é a chave: se a reação internacional se reduz a uma maior pressão diplomática, a acordos retoricamente mais duros e algumas sanções a funcionários públicos, sem qualquer ação militar, Maduro acaba simplesmente ganhando o round", diz o cientista político Anjo Alvarez.
Cerco a Maduro
Para Carmen Beatriz Fernandez, a pressão internacional pode tomar grandes proporções em caso de prisão de Guaidó, reconhecido como presidente venezuelano por quase 60 países.
"Embora o Grupo de Lima tenha rejeitado a opção de uso de força militar, obviamente isso seria colocado de volta à mesa nesse cenário", diz. Segundo ela, os aliados de Guaidó recuaram no tom belicoso porque esperam que as sanções impostas contra o governo de Maduro surtam efeito.
"É como os cercos a cidades medievais. São um processo difícil, mas acabam funcionando. É nisso que está apostando a comunidade internacional, sendo menos custoso, especialmente em termos de reputação, tendo em vista que a alternativa é uma intervenção militar dos EUA comandada por Trump ", afirma Fernandez.
Ela considera que a detenção de Guaidó poderia desencadear uma revolta popular de grandes proporções com potencial de acelerar a divisão interna das Forças Armadas, um dos pilares de sustentação do governo Maduro.
"A Venezuela hoje é um gramado onde há faíscas que podem acabar gerando tremendos incêndios."
Mais de 700 soldados declararam sua lealdade ao "presidente interino" - número que o governo Maduro minimiza por considerar "muito pequeno".
No domingo, Guaidó afirmou que, caso seja preso em seu retorno ao país, há instruções claras a serem seguidas por aliados internacionais e parlamentares venezuelanos.
"Se o regime se atrever a me sequestrar, será um dos últimos erros que cometerá", disse o oposicionista.
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