Cubanos relatam apagão da internet após protestos na ilha
Muitos cubanos acreditam que estão vivendo um 'apagão cibernético' em razão dos protestos contra a crise econômica e a falta de vacinas
"Não há internet nos celulares. Só conseguimos acessar por meio de um serviço de VPN nas casas ou em alguns parques com Wi-Fi e isso não é em todos os lugares. Meus primos na região oriental (do país) não têm internet de jeito nenhum". O cubano Rafael A.B. Moreno mora em Vedado, região central de Havana, e não é único a ter dificuldades com a comunicação nesta terça-feira, 13. Na verdade, muitos cubanos acreditam que estão vivendo um "apagão" em razão dos protestos do domingo contra o governo de Miguel Diaz-Canel. Na ocasião, cubanos foram às ruas protestar contra a crise econômica e a pandemia. Houve registro de saques e repressão.
Segundo Doug Madory, diretor de análise de internet na Kentikinc, que monitora o acesso à rede na web, no domingo pela tarde - dia das manifestações que surpreenderam o governo - a conexão de e para Cuba foi interrompida por 30 minutos e na segunda-feira ficou instável durante toda a tarde.
Em Havana Velha, bairro histórico da capital, a comunicação está mais difícil do que na segunda-feira, mas ainda é possível. "Meu pai conseguiu falar comigo de lá, disse que as ruas ali estavam calmas, sem muita presença militar, mas que não conseguia saber o que estava ocorrendo em outras partes do país", diz Salomé García Bacallao, cubana que vive há três anos na Espanha.
Fontes próximas ao governo cubano afirmam que a ilha sofre com problemas de corte de energia e não realiza bloqueios ao serviço de internet.
"O governo vai tentar controlar redes sociais, pode ser uma tática para conter as manifestações, afinal o provedor é estatal, mas é um tiro pela culatra, afinal é possível usar um provedor por satélite ou superpotente dentro de sua casa", explica o coordenador de Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fesp-SP), Moisés Marques.
Resposta online do governo
Ao mesmo tempo em que a internet é considerada uma ameaça ao governo por permitir que convocações de protestos se espalhem rapidamente pela ilha, as redes sociais têm sido usadas pelo governo cubano para divulgar o que está ocorrendo e como está contornando a atual crise. "A Revolução Cubana não vai dar a outra face a quem lhe ataca nos espaços virtuais e reais. Evitaremos a violência revolucionária, mas vamos reprimir a violência contra-revolucionária. Quem ataca os agentes da ordem, ataca o país", escreveu o presidente Miguel Díaz-Canel em sua página no Twitter na segunda-feira. Nesta terça, ainda não foram feitas postagens.
Segundo Rafael Moreno, engenheiro eletrônico, os cortes de internet na ilha desde domingo não são apenas ocasionais. "Para eles, o consumo de internet é um negócio. A internet pode falhar, mas não em quase toda a ilha e por mais de 24 horas. A Etecsa, que é responsável pelo serviço de internet aqui, não fala nada."
Se em 2015, acessar a internet em Havana ainda era uma coisa difícil, que dependia da compra de um cartão da Etecsa, após enfrentar longas filas, atualmente a situação é outra. A maioria dos jovens na capital tem celular e acessa o serviço em praças com Wi-Fi ou mesmo por meio de VPN.
"Em Cuba estamos cada vez menos conectados. Pouco a pouco, a Segurança do Estado foi detectando nossas VPN e, assim, estamos perdendo a chance de transmitir a verdade sobre o que está acontecendo aqui. Hoje, o fluxo de informações pelas redes é muito menor do que foi ontem (segunda)", escreveu uma cubana que mora em Havana em sua página do Facebook.
Para Marques, é impossível dizer agora qual será a extensão dos protestos e seu resultado político, mas o acesso a redes sociais é inevitável. "Existe uma geração jovem com acesso à internet, muitos andam com celular, têm acesso ao conteúdo de blogueiros, não é à toa que a música que faz sucesso hoje é de gente com conexão em Miami. Agora, esses jovens têm acesso a tudo isso, mas não tem como escoar", afirma.