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Cúpula do clima de Biden começa com metas ousadas

Encontro sobre o clima é mensagem do governo Biden ao mundo sobre a valorização de temas ligados ao meio ambiente e tentativa dos EUA de voltar ao protagonismo internacional

22 abr 2021 - 07h39
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Com a convocação dos principais chefes de Estado para a Cúpula de Líderes sobre o Clima, o presidente americano, Joe Biden, sinaliza ao mundo que a agenda de sua campanha presidencial não vai ficar apenas no discurso. De acordo com analistas ouvidos pelo Estadão, o evento consolida a agenda ambiental de vez como prioridade do governo Biden, bem como marca a retomada dos Estados Unidos como protagonista do multilateralismo.

Presidente dos EUA, Joe Biden, em Washington
12/04/2021 REUTERS/Kevin Lamarque
Presidente dos EUA, Joe Biden, em Washington 12/04/2021 REUTERS/Kevin Lamarque
Foto: Reuters

A cúpula do clima será realizada entre quinta, 22, e sexta-feira, 23, em formato virtual. Quarenta líderes mundiais foram convidados a participar do evento, que reunirá em um mesmo palco os maiores emissores de carbono, países que já sofrem com os efeitos das mudanças climáticas e nações que desenvolvem práticas inovadoras sobre o tema.

"O primeiro objetivo (da cúpula) é sinalizar para o resto do mundo que os EUA estão interessados na agenda ambiental e voltaram ao debate internacional. Eles não vão mais ficar de lado, esperando. Biden quer tomar a liderança neste aspecto", disse Carlos Poggio, professor de Relações Internacionais da Faap.

A reinserção dos EUA no Acordo de Paris e a inclusão do meio ambiente no pacote econômico trilionário de Biden são algumas das medidas que sinalizam a intenção do presidente americano. "A cúpula aparece como mais um movimento dentro de um processo que já vem desde o começo do governo Biden", afirma a professora Fernanda Magnotta, coordenadora do curso de Relações Internacionais da Fundação Álvares Penteado (Faap).

"A participação do presidente americano em um evento de natureza multilateral e, particularmente, evocado por ele, reforça a ideia de que ele vai resgatar o compromisso com a ordem global, sobretudo antagonizando o presidente Trump", analisou Magnotta.

Avanço prático é incógnita

Apesar da cúpula perfilar os líderes dos maiores emissores de carbono do mundo, a única garantia de resolução vem do próprio anfitrião. A Casa Branca antecipou que Biden anunciará as novas metas do país para redução dos gases estufa até 2030 durante o evento, o que só deveria ocorrer em novembro, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 26), em Glasgow.

Enquanto isso, a União Europeia anunciou nesta terça-feira, 20, que as metas traçadas e apresentadas por ela no ano passado para redução das emissões agora têm força de lei. Esperar que o bloco europeu assuma novos compromissos para além dos já anunciados é incerto.

"Quando falamos de temas como meio-ambiente, pensando em todas as reuniões desde Copenhagen (2009), não temos visto grandes avanços. Na verdade, desde Kyoto não tivemos nenhum avanço expressivo. Paris impôs metas ambiciosas, mas teve pouca entrega", diz Poggio. E completa: "Eu não acho que a gente possa sair dessa reunião com algum tipo de resolução. Acho mais provável algum tipo de manifestação: 'Nós nos comprometemos…', esse tipo de coisa".

Em contrapartida, Magnotta defende que há a possibilidade de que questões pontuais possam resultar em acordos entre os países dentro do próprio fórum. "Em termos gerais, é esperado sim que haja alguns compromissos que saiam desse encontro, principalmente porque é um encontro de cúpula, um encontro muito focado do ponto de vista temático, e devem ter ali alguns interesses pontuais que possam ser imediatamente alinhados."

Reunião multilateral, atenção às tratativas bilaterais

Embora a reunião marque a retomada dos Estados Unidos de uma política externa atenta aos diálogos multilaterais, os observadores internacionais devem estar atentos aos encontros bilaterais que ocorrerão em função do fórum. Estão confirmados entre os convidados os presidentes de Rússia, Brasil e China, Vladimir Putin, Jair Bolsonaro e Xi Jinping, respectivamente, países com quem Biden iniciou o mandato em atrito.

"Mais importante do que vai ser divulgado, as manifestações públicas e eventuais questões que sejam publicadas, a gente tem que prestar atenção nos relacionamentos bilaterais. São as questões mais relevantes para prestar atenção do que qualquer tipo de documento ou declaração mais ampla que venha a sair dessa reunião", opina Poggio.

"É importante observar a própria atuação do Biden, a construção da narrativa que ele vai se propor a conduzir", afirma Magnotta. "E também, claro, os holofotes muito ligados à China, que hoje, nós sabemos, é o principal emissor e portanto um ator fundamental do ponto de vista ambiental."

"Os EUA querem usar esse encontro - e eles estão levando isso muito a sério - para medir a temperatura, entender que tipos de compromisso podem ser alcançados, para se chegar na COP-26 com algum tipo de estratégia delineada", diz o professor. E completa: "Alguns atores interessam mais aos EUA nesse sentido e o Brasil me parece central neste aspecto".

Sob novo Itamaraty, Brasil tenta resgatar relação com os EUA

A participação brasileira na cúpula do clima também é outro fator de incerteza. Com a troca recente no Ministério das Relações Exteriores - a saída de Ernesto Araújo e a entrada de Carlos França - os professores acreditam que a representação brasileira adotará um tom mais ameno em comparação às últimas aparições internacionais de Jair Bolsonaro. Contudo, o cenário é desfavorável para o Brasil.

"Certamente deve haver uma preocupação em atenuar o discurso. Primeiro pela própria personalidade e pela própria liderança do chanceler, que tem um perfil muito diferente do chanceler anterior. É improvável que ele (Carlos França) reproduza a narrativa antiglobalista e mais agressiva que nós estávamos acostumados a ouvir de Ernesto Araújo", analisa Magnotta.

Do ponto de vista ambiental, o País já é alvo de severas críticas pelo insucesso em conter o desmatamento ilegal da Amazônia - o que certamente será cobrado durante a conferência, inclusive pelos EUA. Quanto ao aspecto político, a relação com os anfitriões está balançada desde a vitória democrata, questionada pelo presidente da República, que chegou a afirmar que o pleito foi fraudado.

"Não há nenhuma boa vontade no governo americano com relação ao governo brasileiro. A chapa Joe Biden/Kamala Harris é a primeira que assume o governo fazendo críticas ao Brasil antes mesmo de serem eleitos. Isso significa que o Brasil vai ter que mostrar ações concretas, porque o governo Biden é muito cético com relação aos compromissos que o governo Bolsonaro pode cumprir", explica Carlos Poggio.

Estadão
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