'Dark kitchens': o que são as 'cozinhas fantasma', que só existem em apps de comida
Os restaurantes virtuais, como também são chamados, só existem no mundo digital, sem loja, fachada ou mesas para que clientes o frequentem.
A hamburgueria IT Burger, na Cidade do México, ficou famosa sem que ninguém soubesse onde ela ficava.
Uma simples busca na internet produzia poucas pistas sobre sua localização, ou nenhuma. No entanto, seus clientes e seguidores no Instagram não paravam de crescer.
Acontece que a IT Burger, desde que nasceu em 2018 e até alguns meses atrás, era uma "cozinha fantasma", também chamada de "dark kitchen", em inglês. Só era encontrada em aplicativos de entrega de refeições, como o Uber Eats.
Hoje, a IT Burger possui mais de um estabelecimento desse tipo e já abriu seu primeiro restaurante físico, com mesas e cadeiras, como os tradicionais.
"Começar como uma cozinha fantasma nos ajudou muito a ficarmos famosos. Era um conceito novo e chamou muita atenção. Éramos a hamburgueria dos 'hambúrgueres fantasmas'", conta à BBC Mundo — o serviço em espanhol da BBC — Vicente Cruz, o jovem empresário mexicano que abriu o negócio com outros amigos.
O conceito de cozinha fantasma surgiu com a popularização dos aplicativos de entrega de comida.
Diversas reportagens indicam que elas nasceram em Londres.
"Os restaurantes virtuais", como também são conhecidos, "só existem no mundo digital. Não há loja nem fachada para o cliente", disse à BBC Mundo Cristina Villarreal, porta-voz do Uber Eats na América Latina.
Negócio em ascenção
Esse tipo de estabelecimento tornou-se atraente para os empreendedores porque requer um investimento muito menor do que abrir um restaurante tradicional.
Você só precisa de uma cozinha, um cozinheiro, um produto e um contrato com um aplicativo como Uber Eats, Rappi ou iFood para iniciar o negócio.
"Começamos a montar a cozinha onde havia uma gráfica antiga. Alugamos de uma incorporadora que possui vários prédios desabitados, que têm alto custo de manutenção", diz Cruz.
No último ano, as cozinhas fantasmas se tornaram populares em vários países da América Latina, como México, Brasil, Argentina, Chile, Peru e Colômbia. Alguns tiveram tanto sucesso que conseguiram se tornar uma franquia e abrir seus primeiros restaurantes físicos.
O Rappi, um dos serviços de entrega de comida mais populares do continente, atesta isso.
"Em 2018, começamos do zero e agora, em 2019, trabalhamos com 230 cozinhas", disse à BBC Stephanie Gómez, líder do projeto Rappi Dark Kitchens para a América Latina.
Existem cozinhas fantasmas que nasceram assim desde o início, mas muitos outros restaurantes físicos decidiram abrir unidades apenas para cozinhar e entregar, sem clientes, para melhorar seus serviços.
"Muitos donos de restaurantes que operam conosco se queixaram de como os distribuidores levaram seus estabelecimentos ao colapso. Então começamos a alugar locações apenas para as cozinhas. Isso reduz custos e aumenta o lucro", explica Gomez.
Nesse caso, a principal aposta da Rappi é detectar onde estão a maior oferta e demanda e quais restaurantes se destacam. Então, a empresa oferece a esses negócios espaços para alugar e trabalha exclusivamente com eles.
Ou seja, eles operam apenas pelo aplicativo.
"No momento, estamos investindo muito nessa aposta, por isso queremos garantir que o benefício não seja compartilhado com outro serviço de entrega", diz Gomez.
Uma estratégia diferente é adotada pelo Uber Eats, outro aplicativo líder em refeições na América Latina.
Nesse caso, eles não investem em infraestrutura, mas na "promoção de marcas diferentes de uma mesma cozinha que funciona bem", diz Villarreal.
"Dessa forma, a mesma cozinha pode ter até seis marcas diferentes, como tem sido o caso, com seis tipos diferentes de comida", acrescenta.
Impacto online
"O nosso negócio possui apenas o formato virtual. O papel do Instagram foi muito importante. As pessoas começaram a gostar dos hambúrgueres e a notícia correu, chegando até o ouvido de celebridades", explica Cruz.
O Uber Eats e o Rappi estão cientes do impacto que essas marcas adquirem, tanto é que trabalham com métricas e análise de dados para não dar passos em falso ao apostar em uma cozinha fantasma.
"É o caso da Mora Mora no México, um espaço vegano cujo potencial foi detectado depois de analisarmos o alcance no Instagram de produtos e palavras relacionadas a alimentos à base de plantas", diz Villarreal.
Mas operar como uma cozinha fantasma, apesar de exigir menos investimento, também tem problemas.
"Há um momento, após o primeiro boom, no qual você fica estagnado. Existir apenas virtualmente não gera toda a confiança de um restaurante físico. As pessoas gostam de ver onde a comida é feita", diz Cruz.
Desafios
Alcançar uma excelente qualidade do produto é um dos grandes desafios dessa indústria. É necessário levar em conta que muitos restaurantes que não têm início em locação física têm sua reputação construída exclusivamente em redes sociais e outros espaços online.
"Trabalhamos constantemente com os cozinheiros para ver como eles podem melhorar seus produtos. O sabor e a apresentação são muito importantes", diz Gomez, da Rappi.
"Eu não diria que nossos hambúrgueres não são estéticos, mas são diferentes. Tivemos que desenvolver uma base de pão mais espessa para que evitar que o sanduíche chegasse molhado para os nossos clientes", explica Cruz sobre a experiência dele na adaptação de um produto para ser entregue exclusivamente em casa.
O controle sanitário, por não ser um restaurante tradicional, é uma das preocupações mais comuns entre os consumidores.
A Rappi diz que, além dos controles realizados pelas autoridades de cada país, tem uma equipe de engenheiros sanitários que garantem que as cozinhas atendam aos padrões estipulados.
"Nosso desafio é que o produto esteja sempre em boas condições, além de alcançar prazos de entrega rápidos e impacto ambiental mínimo", diz Gomez.
Questionados sobre a comissão cobrada das cozinhas para que apareçam em sua plataforma, a Rappi preferiu "não fornecer detalhes específicos porque as comissões variam de um país para outro". De qualquer forma, eles afirmam oferecer "tarifas competitivas".
Por outro lado, Villarreal, do Uber Eats, respondeu que "os percentuais de comissão são estabelecidos após uma análise exaustiva de cada negócio". Em seguida, eles avaliam "caso a caso para garantir que o acordo seja igualmente benéfico".