De Coreia do Norte nuclear a EUA na contramão, 4 momentos que marcaram a ordem mundial em 2017
Ano teve saída dos Estados Unidos de acordos e organismos internacionais, revelações sobre 'ciborgues' russos e avanço da presença internacional da China e do projeto armamentista norte-coreano - tudo com grande potencial de impactar também 2018.
Da chegada de Donald Trump à Casa Branca aos ataques de ciborgues atribuídos à Rússia e o rápido avanço armamentista norte-coreano.
A BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC, listou quatro momentos marcantes do ano e analisou suas possíveis consequências para 2018.
Confira:
1. Bem-vindo, Trump
Contra todos - ou quase todos - os prognósticos, o magnata Donald Trump tomou posse como presidente dos Estados Unidos em janeiro. Desde então, não parou de desafiar as normas vigentes.
Em menos de um ano, ele teve tempo de abandonar organizações multilaterais, menosprezar a luta global contra mudanças climáticas e desconfiar do próprio serviço de inteligência para defender um inimigo histórico do país, além de botar fogo na crise mais importante da região Ásia-Pacífico por meio de postagens do Twitter.
Thomas Wright, veterano especialista em política internacional da Brookings Institution, afirmou, durante a corrida presidencial de 2016, que a disputa entre Hillary Clinton e Donald Trump era a mais importante do mundo desde as eleições que levaram Adolf Hitler ao poder na Alemanha, em 1932.
"Nenhuma outra eleição teve a capacidade de acabar completamente com a ordem internacional", escreveu ele no Twitter.
Um ano depois, ele mantém a afirmação:
"Eu acho que, de fato, a eleição de Trump marcou uma nova fase da ordem mundial (...) Mas algo em que não estava tão certo é que (Trump) não tem contado com muita gente que o ajudasse a botar suas ideias em prática", diz Wright à BBC Mundo.
O ano de Trump, na opinião do analista, tem consistido em uma "competição" entre "suas ideias viscerais de política externa e mudanças radicais" e "a burocracia mais tradicional", que o leva a seguir com o que já está estabelecido.
A questão para 2018 é se a equipe que freia a atuação do presidente sai ou continua, avalia Wright, fazendo referência às especulações sobre a permanência do secretário de Estado americano, Rex Tillerson, no cargo.
O fato é que, neste momento, várias potências se beneficiam, de uma forma ou de outra, da gestão de Trump nos Estados Unidos. Entre elas, a Rússia.
2. 'Ciborgues' russos sem fronteiras
Desde a primeira semana de 2017, os serviços de inteligência dos EUA vêm reiterando que a Rússia interveio nas eleições presidenciais americanas, favorecendo o então candidato republicano Donald Trump a vencer a disputa.
O país teria manipulado o debate eleitoral por meio de perfis falsos nas redes sociais, propagando notícias que não eram verdadeiras, as chamadas fake news.
Era o ponto de partida para um ano em que a suposta interferência russa não teria fronteiras. Houve denúncias do uso da máquina de difusão de notícias falsas da Rússia até na Espanha, em meio à crise na Catalunha.
O presidente russo, Vladimir Putin, nega todas as acusações.
Mas a "máquina ciborgue" russa desafia "a ordem mundial liberal criada após a Segunda Guerra Mundial", segundo afirma o especialista em segurança cibernética James Andrew Lewis, vice-presidente do Centro de Estudos Estratégicos e Internacional (CSIS, na sigla em inglês) de Washington.
Assim como a China e outros países, a Rússia "não está feliz" com o sistema atual e, ao se ver na posição de "vítima", encontrou uma ferramenta muito eficaz para minar as normas democráticas do Ocidente, acrescenta Lewis.
"Criou uma doutrina totalmente nova para criar um conflito entre Estados, e o Ocidente não encontrou uma maneira de responder", diz o especialista, fazendo referência às fake news.
Para Lewis, que tem ampla experiência governamental, o êxito desses ciborgues se deve em parte à visão otimista que se tem da internet no Ocidente. Ele prevê uma longa batalha em 2018 para tentar frear essas atividades.
"As pessoas das empresas de tecnologia pensam que (a rede) é uma força democratizadora, mas ignoram suas tremendas consequências negativas (ciborgues, discursos de ódio, anonimato...)."
"A internet foi criada como se tudo se resumisse ao norte da Califórnia, mas o mundo não é assim", diz ele, em referência ao Vale do Silício, coração tecnológico dos Estados Unidos.
3. China pede passagem
Há alguns anos a China vem expandindo sua presença internacional e ganhando voz em questões de interesse global. E o presidente Xi Jinping confirmou neste ano que essa tendência continuará.
Em um discurso que marcou a primeira metade do seu mandato, Xi falou sobre suas metas para as próximas décadas. Entre elas, que a China se torne uma "liderança global" em termos de força nacional e influência internacional até 2050.
Em 2017, ele abriu caminho para tal, com projetos que tentam desenhar uma nova ordem mundial com forte presença asiática.
Alguns exemplos são:
- a nova Rota da Seda, iniciativa de investimentos milionários em infraestrutura, e o banco multilateral próprio, que ganhou apoio internacional, apesar da desconfiança do Japão e dos EUA.
- e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB, na sigla em inglês).
"A China está tentando mudar a ordem mundial de alguma forma? Depende de como você defina mudança. Claro que a China está fazendo sua parte para tentar redefinir a ordem atual e conseguir colocar suas cartas na mesa", afirma Wang Dong, professor de estudos internacionais na Universidade de Pequim.
Em conversa com a BBC Mundo, Dong lamenta que muitos dos "esforços da China foram ignorados" por "preconceitos ideológicos". Segundo ele, a concepção da ordem mundial como um sistema "liberal", com padrões ocidentais, exclui de cara Pequim.
"Acho que há uma percepção equivocada e problemática (...) Não leva em conta o fato de que a China tem defendido o sistema atual muito mais do que os Estados Unidos", aponta o professor.
Dong relembra algumas ações polêmicas de Trump neste ano - como anunciar a saída dos EUA da Unesco, do Acordo de Paris e do Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica (TPP, na sigla em inglês) -, enquanto Xi Jinping vem assumindo uma posição de líder da globalização e defensor da luta contra as mudanças climáticas.
4. Um míssil de longo alcance
Em seu terceiro teste de lançamento de um míssil balístico intercontinental (ICBM), a Coreia do Norte declarou ter alcançado um marco.
O projétil "pode levar uma ogiva enorme e pesada e é capaz de chegar a todos os territórios continentais dos Estados Unidos", afirmou, em novembro, a apresentadora de televisão norte-coreana que costuma ser porta-voz dos principais anúncios do país.
Os especialistas internacionais ainda têm dúvidas de que Pyongyang realmente tenha desenvolvido a tecnologia necessária para que seus mísseis executem as missões sem problemas. Mas advertem que, com os avanços alcançados em 2017, estão mais perto desse objetivo.
E, desta forma, vem à tona novamente a ameaça nuclear.
"Eles estão a um passo técnico de completar seu programa nuclear", disse à BBC Mundo Sue Mi Terry, que trabalhou como analista de assuntos coreanos para a CIA, agência de inteligência americana, de 2001 a 2008, e como conselheira dos governos de George W. Bush e Barack Obama.
Se Pyongyang se tornar uma potência nuclear, "mudará radicalmente o panorama do Leste Asiático", alerta a especialista.
Terry, que atualmente faz parte do Centro de Estudos Estratégicos e de Segurança (CSIS, na sigla em inglês), em Washington, acredita que o regime norte-coreano provavelmente alcançará seu objetivo no próximo ano, o que deixa os EUA diante de uma decisão muito difícil:
"Ou convive com a Coreia do Norte como uma potência nuclear ou... a verdade é que não há outra opção."
"A outra saída seria militar, que obviamente teria consequências catastróficas", completa.
Se a Coreia do Norte conseguir entrar no seleto clube de potências nucleares, pode fazer com que a Coreia do Sul e o Japão também cogitem se armar.
Em 2018, "o mais provável é que os Estados Unidos continuem a exercer pressão sobre a Coreia do Norte", mesmo que isso não impeça Pyongyang de alcançar sua meta, ao mesmo tempo em que se recusem a admitir que Kim Jong-un é capaz de lançar um ataque nuclear, avalia Terry.
Ou seja, a previsão é de turbulência.