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De Pinochet ao apartheid: Fidel nem sempre teve inimigos óbvios

28 nov 2016 - 08h56
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Os relatos da morte Fidel Castro invariavelmente mencionaram suas desavenças com Washington e o fato de ter ficado às turras com 11 presidentes americanos. No entanto, a carreira política do ex-líder cubano ficou marcada também por embates não muito conhecidos do grande público.

Quatro grandes inimigos estão listados abaixo.

Augusto Pinochet

Talvez não haja figura que possa contrastar mais com o ícone esquerdista cubano. Se Castro simbolizou o socialismo na América Latina, Pinochet foi um porta-estandarte da direita. Em 1970, o Chile tinha se transformado em uma área de interesse para Fidel após a eleição do marxista Salvador Allende como presidente, o que despertou a hostilidade de governos vizinhos, em especial os que viviam sob ditaduras militares.

Allende e Castro tornaram-se amigos. "Fidel investiu muito no Chile e uma vez esteve lá por mais de um mês", disse à BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, Frank Mora, diretor do Centro Latino-Americano e do Caribe da Universidade FIU, em Miami.

Foi com uma metralhadora dada de presente pelo cubano que o chileno tentou se defender durante o golpe militar de 11 de setembro, de 1973, quando foi morto dentro da sede do governo. O episódio marcou a ascensão de Pinochet, que governou o Chile até 1990.

"De um dia para o outro, um aliado e amigo desaparece, e uma ditadura militar anticomunista se instaura e rechaça qualquer relação com Havana", explica Mora, que foi subsecretário de Defesa dos EUA entre 2009 e 2013.

O governo Pinochet e sua sangrenta repressão inspiraram o combate às ideias de esquerda na América Latina e muitos castristas no continente encontraram no general chileno a personificação de seus rancores. Na direita, os muitos admiradores do general aceitaram suas ações com o argumento de que era "necessário" livrar seus países de um Fidel.

É difícil dizem quer foi mais influente na América Latina. Castro durou mais tempo no poder que Pinochet, apeado da presidência por um plebiscito- morreu desacreditado, em 2006, quando estava prestes a ser preso. E o cubano foi uma figura de poder na ilha mesmo depois de entregar o cargo de presidente para o irmão, Raul, em 2008.

Porém, o modelo de sociedade marxista que Fidel sonhou estender pelo continente jamais deixou as fronteiras de Cuba, ao passo que boa parte da América Latina ainda é fiel às políticas econômicas ortodoxas inspiradas por Pinochet.

Betancourt ajudou a articular o isolamento diplomático de Cuba
Betancourt ajudou a articular o isolamento diplomático de Cuba
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Organização dos Estados Americanos (OEA)

Um dos momentos mais difíceis de Fidel no poder ocorreu em 21 de janeiro de 1962, quando a OEA, reunida em Punta del Este, no Uruguai, decidiu, por 14 votos a um, expulsar Cuba da organização. A decisão expôs o isolamento diplomático ao qual Cuba ficaria submetido pelas décadas seguintes, e um dos protagonistas do episódio foi o então presidente da Venezuela, Romulo Betancourt, cujo governo propôs a sanção.

Comunista nos tempos de juventude, Betancourt chegara ao poder por um golpe militar, em 1945, e governou até 1958, quando foi eleito pelo partido de centro-esquerda Ação Democrática. Neste mandato, enfrentou guerrilhas de esquerda e acusou Fidel de armar os rebeldes.

"Havia um consenso nas Américas que Cuba, por conta de sua aliança com a União Soviética, representava uma ameaça aos interesses de muitos países", explica Frank Mora.

O mandatário venezuelano representou, para muitos, a oposição continental à revolução cubana. E apesar de muitos esquerdistas latino-americanos criticarem as sanções a Cuba, vendo-as como uma subordinação aos interesses dos EUA, outros a viram com uma reação à natureza autoritária do governo cubano.

"Betancourt era um presidente comprometido com a democracia. Teve seus problemas também com a ditadura (de direita) de Rafael Trujillo na República Dominicana. Ele não distinguia entre uma ditadura de esquerda e direita", completa o especialista americano.

Fidel interveio em conflitos africanos, enviando milhares de soldados cubanos
Fidel interveio em conflitos africanos, enviando milhares de soldados cubanos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O regime do apartheid na África do Sul

Fidel promoveu a intervenção de tropas cubanas em conflitos na África como uma cruzada pessoal, assegurando que seu exército ajudaria causas percebidas como anti-imperialistas e antidiscriminatórias. Não mediu esforços, enviando dezenas de milhares de soldados para campanhas, despertando admiração entre os africanos, mas gerando controvérsia em Cuba.

A presença cubana foi especialmente marcante na Guerra Civil de Angola, iniciada com a independência de Portugal, em 1975. O governo da vizinha África do Sul, então ainda vivendo sob regime de discriminação racial, o apartheid, apoiou a guerrilha de direita UNITA, ao passo que Fidel enviou 36 mil soldados cubanos para apoiar a marxista MPLA.

As tropas cubanas ficaram no país por 15 anos e, em 1987, no povoado de Cuito Cuanavale, protagonizaram a batalha mais ferrenha em solo africano desde a Segunda Guerra Mundial. Pelo menos 13 mil pessoas morreram ou ficaram feridas. Para alguns analistas, a intervenção cubana evitou a formação de um governo pró-África do Sul em Angola e também ajudou a enfraquecer o apartheid. Um ponto de vista expressado por ninguém menos que Nelson Mandela.

"A derrota do exército racista deu a Angola a possibilidade de desfrutar da paz e consolidar sua soberania... e desmoralizou o regime racista branco da África do Sul, inspirando a luta contra o apartheid. Sem Cuito Cuanavale, isso jamais teria acontecido", disse Mandela durante uma visita a Cuba, em 1991.

O escritor colombiano Gabriel García Márquez foi um dos poucos grandes intelectuais latino-americanos que se manteve fiel a Fidel
O escritor colombiano Gabriel García Márquez foi um dos poucos grandes intelectuais latino-americanos que se manteve fiel a Fidel
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Intelectuais latino-americanos

Poucas pessoas contribuíram mais para a construção do mito Fidel Castro que os intelectuais latino-americanos. Durante uma década, ele contou com a idolatria geral de escritores e comentaristas. No entanto, castristas desiludidos se transformaram em alguns de seus mais veementes críticos e ajudaram a derrubar a imagem positiva de seu regime no continente.

O ponto de ruptura, para muitos, foi a prisão, em 1971, do poeta cubano Heberto Padilla, que criticara Fidel. Pesos-pesados da literatura continental, como Carlos Fuentes e Mário Vargas Llosa, condenaram o governo cubano, uma reação que também veio de nomes importantes da esquerda europeia, como o filósofo francês Jean-Paul Sartre.

A nata da intelectualidade latino-americana se afastou de Fidel. Em especial Llosa, que ficou conhecido pela guinada para a direita com que quase chegou à presidência do Peru, em 1990.

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