Jovem usa arte para resistir à guerra síria em meio aos escombros de Aleppo
De Aleppo, a joia da Síria, que abrigava em seu centro um antigo mercado reconhecido pela Unesco como patrimônio histórico da humanidade, agora só restam ruínas. A guerra de trincheiras e os bombardeios fizeram com que muitos se armassem para lutar, se defender ou sobreviver. Em meio a tantos grupos, não é fácil distinguir as lealdades. As razões de lutar são diferentes para cada um. Mas, por agora, o inimigo comum dos rebeldes é o presidente Bashar al-Assad.
É difícil imaginar, mas neste cenário existe algo de esperança, sonhos que vão além do combate e da vitória na batalha. Osmar* é grafiteiro e pintor, é um daqueles a quem a guerra tornou artista. Quando as forças de Assad controlavam seu distrito, corria pelas ruas, fugindo do exército depois de pintar um muro de seu bairro. Mas seguia pintando, escapando do regime, e proclamando o começo da revolução.
Tudo isto aconteceu nos primeiros meses de 2011, quando teve início a chamada libertação da Síria. Osmar estudava Sistemas na universidade de Aleppo. Secretamente compartilhava com muitos de seus colegas sua posição contra Assad. Ele diz que foi nessa época que começou o levante da cidade. Nas cadeiras de programação, jamais pôs a mão em canetas ou lápis para pintar. Quando os tiros começaram a tomar conta das ruas, tinha 17 anos. Sentiu, em um sonho, o chamado de Deus para pintar.
Osmar não quer ir ao fronte de batalha para lutar. Não que tenha medo de morrer – ainda que saiba que a guerra já fez mais de 70 mil vítimas fatais. O medo é algo que se perde depois de tantos meses de disparos e explosões. Ele se deu conta de que poderia resistir por meio dos seus desenhos. Encontrou o gosto pela pintura e, como qualquer jovem artista, faz experimentos para melhorar sua arte.
Dois anos depois que tudo começou, ele não foge dos soldados. Agora, ele está na zona controlada pelos rebeldes, mas suas pinturas são apagadas por alguns chefes religiosos que não as aprovam. Ele ri ao falar sobre isso. Mas como não? Afinal, um desenho do personagem Bob Esponja é motivo de problemas, não é bem visto pelos moradores conservadores do seu bairro.
Osmar pinta sobre os escombros das paredes daquilo que uma vez foram as casas de família. As ruínas são sua tela. Quer sair de seu bairro para pintar outros lugares da cidade, talvez topos de edifícios – talvez os vejam os MIG17 da aviação do regime assadista. Alguns de seus traços falam de esperança (“Sorria pela Síria”), outros são insultos contra Assad, outros denotam seus desejos de “Depois da Síria, a Palestina será libertada”.
Ele diz que esta é sua luta, estas são suas trincheiras, esta é sua maneira de lutar na revolução. Quando tudo acabar, voltará a estudar, mas somente para ter dinheiro suficiente para seguir sendo pintor. A história eterna do artista, que transcende países, épocas e balas. Tem como certo para si que não abandonará Aleppo, pois, diferentemente de muitas pessoas em muitas guerras, não quer ser um desterrado. “Aqui ficarei até o final”, diz, com firmeza.
Uma porta. Um símbolo do reencontro com seu amigo querido que caiu nos primeiros dias da revolução. Um umbral, que em tempos de paz ultrapassam homens e mulheres depois de passar a vida. Mas nesta guerra também passam jovens que apenas começaram a viver, que ainda nem abraçaram o amor das suas vidas. Uma porta foi sua primeira pintura, produto do sonho – e, desde então, nunca deixou de pintar.
Seu caderno e os muros da cidade serão uma maneira de contar aquilo que, dentro de alguns anos, poderá ter se tornado apenas mais uma guerra no Oriente Médio. Osmar sonha com um futuro em uma cidade da Europa. Seu anseio é pintar nas ruas de Aleppo, na cidade velha, o entardecer e as aves voando sobre a mesquita ao lado da igreja. Talvez essas pinturas farão com que suas memórias das atrocidades e da dor a que jamais deveria assistir e que jamais deveria viver em idade tão terna apaguem ou abrandem os fantasmas que carregará para toda sua vida. Fantasmas a que chama demônios.