Oposição síria cresce e se fragmenta em busca da união contra Assad
Conheça a história e o perfil dos grupos que, ao longo de mais de dois anos de guerra civil, lutam contra suas próprias divergências na tentativa de unificar a oposição ao regime de Bashar al-Assad
A guerra civil síria é noticiada como um confronto entre rebeldes e o governo do presidente Bashar al-Assad, mas sob o primeiro rótulo reside um mar de grupos de opositores que, insatisfação com a situação política do país à parte, possuem diferenças entre si. Em realidade, uma das narrativas deste conflito que já dura mais de dois anos é a história da busca, até aqui em grande medida fracassada, da união entre os grupos de resistência.
Antes de abordar diretamente a miríade de formações que surgiu desde a chegada da Primavera Árabe à Síria em 15 de março de 2011, é útil lembrar que isso a que chamamos “oposição síria” não representa um fenômeno novo na Síria. A realidade geral da oposição síria tem origem na constituição étnica do país, formado em sua maioria por árabes sunitas e, em minoria, pelos alauítas.
São estes últimos que formam o grupo dominante do presidente Assad, ele próprio o sucessor do pai, Hafez Assad; juntos, pai e filho encabeçam mais de 40 anos de poder de mais de um pequeno grupo sobre a maioria da população, gerando tensões de ordem religiosa, social, política e econômica. Este é o contexto de ebulição de movimentos de oposição a Bashar al-Assad impulsionados pelas revoluções na Tunísia e no Egito, em janeiro e fevereiro de 2011.
Organização e crescimento
Um dos primeiros grupos que se formaram foram os chamados Comitês de Coordenação Local (CCLs). São pequenos grupos organizados ao longo do país com ligação com escritórios de ativistas no exterior, como a Alemanha. Suas principais funções são a comunicação entre as fileiras de resistência, a organização de protestos (muito comuns no início da revolta) e o manejo de suprimentos enviados do exterior. Seu perfil é essencialmente pacífico e comunicacional.
O crescimento do sentimento de oposição na população civil gerou também o fenômeno crescente da deserção de militares insatisfeitos com o regime de Assad. Assim, ao longo também do primeiro ano de conflito, não apenas soldados e oficiais passaram para o lado dos rebeldes como formaram um agrupamento dissidente, o Exército Livre da Síria (ELS). Comandado por Riyad al-Asaad, ex-coronel da Força Aérea síria, o FSA (na sua sigla em inglês) é, até hoje, uma das forças mais atuantes no território sírio e também é baseado na Turquia, um dos países líderes da oposição internacional a Assad.
Também foi na Turquia que se gestou, em outubro de 2011, o Conselho Nacional Sírio (CNS). Baseado em Istanbul, este grupo formou-se à semelhança do Conselho Nacional de Transição (CNT) que trabalhou na queda do regime de Muammar Kadafi na Líbia e tem por perfil a mobilização política internacional da oposição síria. Durante boa parte do conflito, o CNS funcionou como a principal representação dos opositores, muitos dos quais ligados à Irmandade Muçulmana – grupo político pan-arábico opositor do Partido Baath, da família Assad.
Ainda no início ano instituiu-se o Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH). Baseado em Londres, no Reino Unido, o Observatório é mantido essencialmente por um único ativista que mantém uma rede de contatos na Síria. Seu trabalho é essencialmente informativo, o que acabou fazendo do OSDH uma das principais fontes de informação sobre vítimas no país que, devido à natureza da guerra por que passa, limitou e tornou extremamente perigoso o trabalho jornalístico.
Dissidência e fragmentação
Os Comitês de Coordenação Local, o Exército Livre da Síria e o Conselho Nacional Sírio se mostraram como os grandes representantes da oposição ao longo do primeiro ano do conflito. Gradualmente, no entanto, dissidências internas e o consequente surgimento de novas organizações mostraram que, por trás da organização e do crescimento dos opositores, persistiam dissidências e fragmentações que apresentam hoje, após dois anos de guerra, grandes dificuldades à gestão das almejadas revolução e transição política para além de Assad.
O primeiro e claro sinal da divisão dos opositores sírios era dado pelas trocas da liderança do CNS. Abdulbaset Sieda e Burhan Ghalion foram os dois primeiros líderes a ocupar a presidência do Conselho, mas abdicaram após pressões internas, criticados por não serem plenos representantes dos opositores. Atualmente, o órgão é presidido por George Sabra, um esquerdista cristão e antigo opositor de Assad.
Essa mudanças surgidas dentro do CNS alteraram em variados graus suas fileira de aliados e suas relações com os outros órgãos de oposição. Em parte essas dissidências são consequência da discordância dos objetivos do Conselho, que deseja o fim da era Assad e se nega a dialogar com os atuais governistas.
Isso foi explicitado pelo Comitê de Coordenação Nacional (CCN), formado ainda em setembro de 2011 após a união de partidos esquerdistas, de curdos e de jovens ativistas. A principal marca do CCN, liderado por Hussein Andul Azim, é a oposição à violência do conflito, o que os afasta do CNS. Qadri Jamil, um dos seus membros, criticou as metas do Conselho: “O slogan ‘derrubar o regime’ não é prático, não é realista, e é inútil”.
Coalizão Nacional para as Forças Revolucionárias e Opositoras
De fato, a postura predominantemente intransigente dos líderes do CNS e do governo de Assad fez da Primavera síria, que se anunciava nos seus primórdios como protestos pacíficos, uma sangrenta guerra civil que já consumiu mais de 70 mil vidas. A média de mortos mostra que a violência do conflito cresce à medida que o tempo passa, testando os limites do governo, que é militarmente superior, e da oposição, que expandiu seu braço armado para além do ELS com o parcialmente dissidente Conselho Militar Supremo (CMS).
Assim, cada vez mais desgastada, desacreditada e dividida ao longo do segundo ano de guerra, a oposição síria tentou, em novembro de 2012, um novo movimento de união com a formação da Coalizão Nacional para as Forças Revolucionárias e Opositoras (CNFRO). Trata-se do último e mais ambicioso experimento em busca da unificação e que, na teoria, abraça a maioria das organizações e grupos políticos mobilizados do lado opositor.
A curta vida do CNFRO, todavia, já tem a marca da dissidência. Seu primeiro presidente, Muaz al-Khatib, renunciou após alguns meses de cargo. O grupo chegou a se reunir em Istanbul para eleger Ghassan Hitto “premiê para as zonas controladas” na Síria, mas a votação foi parcialmente boicotada, minando a legitimidade do líder. Recentemente, Sabra – o terceiro e atual presidente do CNS – foi eleito sucessor de al-Khatib, num gesto simbólico de união entre o Conselho e a Coalizão.
Internacionalmente, por fim, alguns países ocidentais como Reino Unido e França assumiram a posição polêmica de reconhecer a oposição tal qual representada no CNS ou no CNFRO como representante legítimo do povo sírio. A Liga Árabe, principal órgão supranacional do mundo islâmico, tomou uma decisão similar ao dar aos opositores o assento pertencente à Síria.
Em meio à fragmentação crescente da oposição, cresceram também os boatos e as acusações, por parte do governo de Assad, de que a Al-Qaeda reforça as fileiras rebeldes dos sírios. Esses rumores ganharam força quando, em abril de 2013, a frente Al-Nusra – atuante na guerra contra Assad – jurou lealdade ao grupo terrorista. Não se trata de uma fusão com os terroristas – a oposição síria segue, como um todo, sem relações com a Al-Qaeda – mas a notícia da presença de terroristas nas linhas rebeldes é mais um elemento que aponta para a diversidade dos opositores – e da dificuldade de que venham a obter uma unidade.
Com informações das agências internacionais.