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E se a ditadura de Maduro perder para a oposição na Venezuela? O que pode acontecer?

Pela primeira vez em 25 anos, a oposição têm chances reais de vitória, mas histórico de perdas eleitorais do chavismo não envia sinais positivos para uma transição de poder

28 jul 2024 - 05h16
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Edmundo González Urrutia
Edmundo González Urrutia
Foto: Isaac Urrutia

Em 17 de junho, o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, afirmou que se a oposição vencer as eleições deste domingo, 28, haverá um "banho de sangue" na Venezuela. Com as pesquisas indicando chances reais de vitória pela primeira vez em 25 anos, não há qualquer sinal de que o regime entregará o poder.

O dia seguinte às eleições de hoje tem sido motivo de preocupação dentro e fora da Venezuela nos últimos meses. Qualquer cenário, apontam analistas ouvidos pelo Estadão, é muito delicado e pode levar a respostas violentas.

"O dia seguinte é o que gera mais dúvidas, porque sabemos que a maioria dos venezuelanos está convencida da necessidade de mudança e essa mudança começa com um novo presidente", sugere cientista política venezuelana e professora no Valencia College da Flórida María Isabel Puerta Riera.

Desde janeiro o chavismo movimenta seu aparato estatal, jurídico e militar - muitas vezes de forma arbitrária - para tentar minar uma vitória opositora. Mas mesmo em um cenário em que o chavismo saia vitorioso, analistas apontam que as ruas devem reagir, especialmente se for em um contexto de flagrante fraude ou contestação.

"O pior cenário que pode acontecer seja se ganha Maduro ou seja se ganha a oposição, é que a diferença de votos seja muito estreita", afirma o cientista político venezuelano e professor do Instituto de Relações Internacionais da USP Rafael Villa. "Isso daria margem a uma contestação dos resultados por parte do perdedor. O que seria um cenário extremamente imprevisível e que poderia colocar um país próximo de situações de violência."

Cenários

Entre o que pode acontecer neste domingo está: vitória esmagadora da oposição, como indicam a maioria das pesquisas, tornando um cenário de contestação de resultados mais difícil para o chavismo. Levantamentos mais conservadores dão margem de vitória de 5 pontos percentuais para Edmundo González Urrutia, da oposição, enquanto outros chegam a apontar até 30 pontos de diferença.

O segundo é uma vitória apertada da oposição, o que abriria margem para questionamento dos resultados. Isso cria espaço para um levantamento popular contra o regime, com enormes chances de repressão. Maduro também poderia se ver isolado conforme aliados históricos como Brasil e Colômbia tendem a não embarcar em uma contestação.

O terceiro é uma vitória do chavismo por meio de mecanismos fraudulentos, o que também poderia despertar respostas das ruas e repressão, especialmente se houver engajamento das Forças Armadas. Neste caso, a aposta do regime seria vencer os protestos e a oposição da comunidade internacional pelo cansaço, como ocorreu durante os atos de rua contra Maduro em 2014, 2017 e 2019.

O quarto é uma vitória real do chavismo, ainda que por uma margem apertada. Analistas políticos ressaltam que seria um erro da oposição já cantar vitória com base em pesquisas - historicamente problemáticas na Venezuela, e que variam de acordo com a tendência ideológica do instituto da vez. Vale lembrar que o chavismo tem uma base de apoio fiel que gira em torno de 20% e pode haver "chavistas escondidos" que não estão declarando votos. Em um contexto de baixa participação eleitoral, uma vitória do regime não é impossível.

O último cenário - menos provável, mas mais desejado pelos analistas e comunidade internacional - é a vitória da oposição com reconhecimento por parte da ditadura e o início de uma transição democrática. Mesmo esta opção é bastante delicada, já que a posse de González Urrutia seria apenas em 10 de janeiro. Seriam seis meses de transição que poderia acontecer qualquer coisa, inclusive novos mecanismos do chavismo para impedir a alternância.

Para o opositor e ex-presidente do CNE Andrés Caleca, em entrevista ao Estadão, o cenário de uma vitória da oposição contestada pelo regime abre margem para um futuro sombrio. "Temos diante de nós um regime autoritário que se recusa a entregar o poder. Isso torna este governo extremamente perigoso", disse.

"Aqui ninguém está pensando em convocar uma insurreição popular ou em pegar em armas, até porque ninguém tem armas nem organização para isso. O único recurso que a oposição venezuelana tem no momento são votos, e do outro lado há uma ditadura que detém todos os poderes do Estado, incluindo as armas da República", continua com apreensão.

"A oposição venezuelana nunca foi um grupo violento que vai montar uma guerrilha ou promover um golpe de Estado, em outras palavras, isso nunca aconteceu e não é realista", concorda Xavier Rodríguez-Franco.

Um levante da população, ainda assim, não é descartado, já que há anos os venezuelanos vem demonstrando rejeição a Nicolás Maduro após a intensa crise econômica e social e, principalmente, com a fuga de milhões de venezuelanos do país que já separou inúmeras famílias.

Mas depois da onda de protestos de 2017 em que morreram centenas de pessoas e outras milhares ficaram feridas ou foram presas, as ações de rua diminuíram, tornando imprevisível o tamanho da resposta popular frente ao temor à repressão.

"As ruas na Venezuela se desmobilizaram um pouco depois de 2017, mas voltaram a se mostrar muito mobilizadas nessa campanha. Isso me surpreendeu", admite o professor de política internacional da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Paulo Velasco.

"Desde as primárias, que foram em outubro do ano passado, a gente começou a ver o retorno dessa mobilização. Acho que o povo não assistiria passivamente um não-reconhecimento do resultado eleitoral. Acho que haveria manifestações, o que poderia, inclusive, levar a uma escalada de violência, porque a gente sabe do que Maduro é capaz em termos de repressão popular", continua.

"Sabemos que o antecedente não convida ao otimismo, porém, o que deve ser dito é que Maduro não é tão firme, não é tão onipotente, não tem os recursos econômicos, nem os recursos políticos, nem os recursos repressivos que teve nesses tempos, tanto em 2007 quanto em 2015, e isso é importante ter em mente", ressalta Xavier Rodríguez-Franco.

Chavismo vence por meio de irregularidades

O cenário de contestação do resultado abriria novos problemas para o próprio Nicolás Maduro, já que não só a população poderia se levantar, como haveria maior rechaço da comunidade internacional, incluindo dos aliados Brasil e Colômbia.

É por isso que especialistas apostam que Maduro busca não precisar contestar o resultado, mas sim construir uma vitória real em termos de votos, mas fraudulenta em termos de condução do processo eleitoral. A principal delas seria impedir a participação de eleitores opositores.

"É mais fácil a gente ter uma eleição em que ele diretamente ganhe, porque há maneiras de tentar fazer isso de outras formas. Ele está apostando muito em um baixo comparecimento às urnas. Esse discurso de 'banho de sangue' é para intimidar os opositores a não saírem de casa para votar", opina Velasco.

"Acho que se o Conselho Nacional Eleitoral emitir simbolicamente um resultado em que a oposição vença, ainda mais de forma contundente, será muito difícil para o governo manobrar isso", concorda Alfaro Pareja. "Mas durante todo o período de campanha, na véspera e no dia da própria eleição, o governo pode usar estratégias como a intimidação para desmotivar e dividir o voto."

Os analistas ressaltam que ao falar de fraude não se trata de manipular os resultados das urnas, que na Venezuela são eletrônicas e consideradas altamente confiáveis. Mas sim em mecanismos anteriores para minar o ato de votar. Coerção, presença de olheiros militares, intimidação de mesários e fiscais de urnas, atraso na votação ou na contagem dos votos, entre outros.

Isto seria possível por meio do próprio CNE, há anos cooptado por funcionários chavistas, que tem modificado as regras eleitorais desde o início do ano.

Este cenário pode produzir uma vitória maquiada da ditadura, o que também pode gerar rechaço nas ruas e na comunidade internacional. "A gente tem que sempre lembrar que um percentual enorme dos eleitores, mais de 2 milhões, são registrados no Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV, de Maduro), isso não é pouca coisa, e é possível que haja uma subnotificação dos apoiadores do Maduro", concorda Paulo Velasco.

"A chance de Maduro vencer é real e, claro, isso causaria uma frustração grande, levaria as pessoas às ruas, mas não com a virulência, não com a disposição de combater, como no caso de uma evidência de não reconhecimento da vitória opositora", conclui.

A consequência mais óbvia de uma vitória chavista, dizem os analistas, será um retorno das ondas de migração de venezuelanos que ocorreram nos últimos anos.

Chavismo vence de fato

Embora parece irrealista, não é improvável uma surpresa e o chavismo vencer as eleições de fato, principalmente em um contexto de baixa participação eleitoral. Cerca de 25% da população em condições de votar não poderá participar deste pleito, segundo levantamento das organizações Alerta Venezuela, Espacio Público e Voto Joven. Grande parte deste número é de emigrantes, um público que majoritariamente vota na oposição.

"Ante uma concorrência de ida de potenciais eleitores da oposição baixa ou média, Maduro consegue ganhar", avalia Rafael Villa. "Aí não há muito o que fazer. Haveria continuidade do regime. E a própria concorrência da oposição legitimaria esse resultado."

"É importante ressaltar que embora o governo hoje não tenha apoio popular, ele tem uma base sólida que sempre esteve em torno de 20% dos votos, no mínimo", observa Alfaro Pareja. "O fato de que, para um governo que tem sido tão ruim, 20% é muito, o que é explicado por uma série de benefícios que o governo concede e também pelo fato de que ele tem a máquina do Estado, os recursos e os instrumentos de intimidação", continua.

A presença, ainda que restrita, de observadores internacionais nessas eleições também servirá para legitimar uma vitória chavista, avaliam os analistas.

"A observação internacional será simplesmente um mecanismo para tentar legitimar um resultado favorável [a Maduro], mas não para provar que houve fraude eleitoral ou que a vontade do eleitorado foi ignorada. Portanto, é por isso que nem toda observação internacional está proibida, porque é interessante ter um pouco de observação, mas é o que se pode controlar", afirma Puerta Riera.

Não estarão presentes observações robustas como da União Europeia e da OEA (União dos Estados Americanos), mas um pequeno grupo do Centro Carter e instituições próximas do chavismo. O Brasil cancelou o envio de especialistas do TSE depois que Maduro contestou a lisura das urnas brasileiras.

Oposição vence e chavismo reconhece

Considerado menos provável pelos analistas, mas o cenário ideal, uma vitória opositora com um reconhecimento por parte do chavismo abrirá um episódio totalmente novo na Venezuela. Durante seis meses, dois presidentes coabitariam, Maduro e Urrutia, além da própria María Corina Machado de alguma forma.

Esta é a situação que tenta costurar o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, e exige entrar em acordos com ambas as partes.

"Vejo um cenário bem complicado, a não ser que, de alguma maneira, haja um pacto de convivência pacífica, que é muito o que o governo do Petro vem tentando negociar", afirma Velasco. "Ou seja, evitar uma caça às bruxas, evitar que a oposição se disponha a ir a um expurgo, perseguindo Maduro e seus principais líderes. Isso seria o pior cenário para a Venezuela".

"Não sei como está a atmosfera no caso do governo Maduro, porque nunca se sabe realmente, é uma caixa preta. As coisas que vazam às vezes nos dizem que há um setor que quer negociar", afirma María Isabel Puerta Riera

"Há outro setor que quer permanecer no poder para ter um lugar, mas é claro que há os pragmáticos que sabem que, se isso continuar a se consolidar como um regime autoritário, a longo prazo acabará muito mal, não apenas para eles pessoalmente, mas para o que esse movimento político representa", continua.

"O setor ganhador, no caso da oposição, não pode se colocar, pelo menos imediatamente, numa situação de revanchismo", afirma Rafael Villa. "Essa é a pior coisa que eles poderiam fazer. Uma situação de revanchismo significaria, por exemplo, quase um imediato julgamento dos crimes cometidos pelo governo. Isso empurraria para a radicalização do governo. Ou seja, a oposição ganhadora tem que mostrar um cenário em que o chavismo continua a sobreviver."

Mesmo nesse contexto, González Urrutia ainda governaria com forças do governo hostis, já que o chavismo detém a maioria da Assembleia Nacional, da Justiça e do CNE.

O papel das Forças Armadas

Todos estes contextos analisados, afirmam os cientistas políticos, precisam considerar as ações das Forças Armadas venezuelanas, uma das garantidoras do poder do chavismo. Sem elas, que já se tornaram um poder político e econômico no país, não é possível formar um governo, muito menos evitar a repressão em caso de protestos.

Maduro também precisará dos seus militares caso queira contestar os resultados, algo que é menos garantido hoje do que foi na época de Hugo Chávez, e mesmo nos primeiros anos de seu mandato como presidente.

"Não tenho certeza se as Forças Armadas Nacionais estariam dispostas a reconhecer um resultado que não é aquele expresso na vontade do povo", observa Alfaro Pareja. "Nos últimos dias, houve uma declaração do Ministro da Defesa que disse que a missão das Forças Armadas é reconhecer a vontade do povo para expressar, mas ele também disse que essa vontade deve ser expressa pelo CNE. É um sinal ambíguo, difícil de entender".

"Vai ser difícil para um governo opositor conseguir reverter, pelo menos em pouco tempo, o grau profundo de penetração das Forças Armadas em todas as esferas da vida venezuelana", diz Paulo Velasco. "E são todas mesmo. Os militares controlam a distribuição de remédios, de alimentos, a petroleira, etc. Vale lembrar que quando Juan Guaidó se autoproclamou presidente, os militares não abandonaram Maduro."

"Evidentemente que um governo de direção democrática não pode romper com os militares abruptamente, senão corre o risco de não sobreviver também", conclui o analista da UERJ.

Estadão
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