Em 2019, Itália foi da direita à esquerda e viveu incertezas
M5S trocou a Liga de Salvini pelo PD na aliança de governo
Por Lucas Rizzi - Crises políticas não são novidade em um país que já contabiliza 66 governos em 73 anos de República, mas o ano de 2019 na Itália ficou marcado por uma reviravolta difícil de se imaginar até mesmo em uma nação tão turbulenta.
Se janeiro começou com o poder nas mãos de uma aliança eurocética e que pendia para a extrema direita, dezembro termina com um governo europeísta e um primeiro-ministro - o mesmo do início do ano - que diz ter um coração que "bate à esquerda". E isso sem que houvesse eleições.
O ponto em comum entre esses dois cenários é um partido antissistema, o Movimento 5 Estrelas (M5S), que enfrenta uma crise de identidade e sofre com a perda de eleitores ora descontentes com a coalizão com o ultranacionalismo, ora insatisfeitos com a aproximação com a social-democracia.
Em 1º de junho de 2018, o professor e jurista Giuseppe Conte tomara posse para um governo de aliança entre o M5S, dono da maior bancada no Parlamento, e a Liga, legenda ultranacionalista liderada por Matteo Salvini.
A coalizão foi a chance que um movimento fundado no discurso contra o establishment encontrou de chegar ao poder e implantar sua agenda social, mas o que se viu foi uma avalanche da extrema direita.
Com sua política antimigrantes, Salvini ganhou popularidade e levou a Liga a seguidas vitórias em eleições regionais, culminando na votação para o Parlamento Europeu, em maio, quando o partido se tornou o preferido dos italianos, com 34% dos votos.
O sucesso eleitoral vinha com uma certeza: se o governo caísse e o presidente Sergio Mattarella tivesse de convocar eleições antecipadas, Salvini fatalmente conseguiria se tornar primeiro-ministro sem precisar do apoio do M5S.
Em agosto, o então ministro do Interior desligou os aparelhos do governo Conte. Alegando obstruções por parte do M5S aos projetos da Liga, rompeu a coalizão e abriu uma crise que tinha tudo para levar o país às urnas.
Como o próprio Salvini disse, seu objetivo era obter dos italianos "plenos poderes" - frase da qual ele se arrependeria -, mas uma inesperada aliança entre o movimento antissistema e a centro-esquerda frustrou seus planos e segurou Conte no poder.
"A troca do governo na Itália foi devido aos vários 'não' por parte de Giuseppe Conte, em sintonia com o 5 Estrelas", disse à ANSA o deputado ítalo-brasileiro Luis Roberto Lorenzato, da Liga. Ele cita a rejeição do M5S ao projeto de trem-bala entre Turim e Lyon, ao aumento da autonomia administrativa e fiscal das regiões e à criação da alíquota única no imposto de renda.
"A relação com a parte dos 5 estrelas declaradamente de esquerda estava desgastada pela divergência de visão sobre o futuro da Itália", acrescentou Lorenzato. Além do M5S, Conte tem hoje o apoio do Partido Democrático (PD), de centro-esquerda, da coalizão Livres e Iguais (LeU), de esquerda, do Itália Viva (IV), de centro, e de legendas de minorias linguísticas e dos italianos no exterior.
O próprio primeiro-ministro confessou que se sente mais à vontade com a esquerda do que com a direita. "Sem descontentar ninguém, me sinto mais confortável com este governo. Temos um programa que me convence", disse, em entrevista ao jornalista Giovanni Floris, em 17 de dezembro.
Apesar desse sentimento pessoal, o governo "Conte II" já passou por várias turbulências em seu curto período de vida, e não são poucos os que apostam em eleições antecipadas em breve.
O cenário no fim de 2019 conta com novos elementos, como o movimento das "sardinhas", que rompeu a letargia da esquerda e se firma como principal força de oposição a Salvini, e um pedido de referendo que pode alterar o sistema proporcional das eleições legislativas para o majoritário.
Na Itália, no entanto, convém não fazer projeções, já que a característica mais previsível de sua política é a imprevisibilidade.