Em impasse inédito, Câmara dos EUA segue sem eleger presidente após mais de 10 votações
Racha no Partido Republicano está impedindo que seu candidato à presidência Câmara dos Representantes, Kevin McCarthy, seja eleito. Desde terça-feira (03/01), já foram feitas 13 rodadas de votação.
Pelo quarto dia consecutivo e após 13 rodadas de votação, a Câmara dos Deputados dos EUA não conseguiu definir quem assumirá sua presidência. O impasse e as votações seguem nessa sexta-feira (06/01).
A crise política é causada por uma profunda divisão dentro do Partido Republicano, que controla a maioria da Câmara desde o fim do ano passado. Em novembro, nas eleições de meio de mandato, o partido de oposição ao presidente Joe Biden conseguiu retomar o controle da casa.
Escolhido pelo partido como candidato à presidência da Câmara, o deputado republicano Kevin McCarthy, da Califórnia, enfrenta resistência de correligionários.
O novo Congresso foi eleito em no ano passado mas, sem que o presidente da Câmara seja eleito, os trabalhos da casa não podem começar.
Esta é a primeira vez em um século que um candidato à presidência da Câmara não consegue os votos necessários para se eleger ao cargo. Na 11ª votação, nesta quinta, McCarthy obteve 200 votos — 18 a menos do que o necessário para conseguir se eleger.
Nessa sexta, o candidato republicano conseguiu conquistar mais alguns votos, chegando a 214 — número entretanto ainda insuficiente.
Enquanto isso, os democratas estão votando em seu líder partidário na Câmara, o deputado Hakeem Jeffries, de Nova York. Entretanto, uma vez que o Partido Democrata não tem a maioria na casa, as chances de Jeffries não são reais.
McCarthy segue como candidato dos republicanos por enquanto, embora não esteja claro como ele convencerá os cerca de 20 rebeldes de seu partido a apoiá-lo.
"Insistiremos até vencermos", disse McCarthy a repórteres antes da terceira votação na terça-feira, recusando-se a desistir.
Apesar do apoio do próprio ex-presidente Donald Trump, que pediu a seus colegas legisladores que votassem no deputado californiano, McCarthy perdeu em todas as rodadas.
McCarthy enfrenta oposição de republicanos de extrema-direita, que se opõem à sua presidência por razões ideológicas e pessoais, e passaram semanas negociando concessões, como mudanças no procedimento para se remover o presidente da Câmara.
O grupo rebelde é liderado pelo republicano Andy Biggs (Arizona), que se apresentou como alternativa, e Matt Gaetz (Flórida), que passou grande parte do último mandato sob ameaça de uma investigação federal. O deputado republicano Bob Good disse que os membros de seu partido que se opõem a McCarthy "nunca recuarão".
"Quanto mais cedo McCarthy desistir, melhor será para o país", disse.
Resumindo a frustração com McCarthy, o popular comentarista de direita da Fox News, Tucker Carlson, disse: "McCarthy não é especialmente conservador. Ele é ideologicamente agnóstico. Seu verdadeiro eleitorado é a comunidade de lobby em Washington. Isso é enfurecedor para quem tem convicções políticas sinceras".
Confira abaixo o que pode acontecer agora com a crise política.
1. Kevin McCarthy vence
A estratégia de Kevin McCarthy parece ser a de tentar desgastar seus rivais. Seus partidários continuarão indicando seu nome até que os oposicionistas se cansem de votar contra ele.
Se McCarthy for capaz de costurar algum tipo de acordo, ele terá de oferecer mais poder e influência a seus oponentes.
Mas quaisquer concessões acabarão por enfraquecer seu poder, tornando mais provável que ele venha a ser destituído da presidência ao longo do ano, quando são travadas as discussões mais duras — sobre o orçamento e o aumento do teto da dívida.
McCarthy também pode esperar que os democratas se cansem da disputa e parem de comparecer às votações, diminuindo a margem necessária para que ele obtenha a maioria. Até agora, no entanto, os democratas parecem estar gostando de ver o caos republicano.
Alguns republicanos — como Ken Buck, do Colorado — estão insinuando que McCarthy deveria renunciar em favor de um candidato alternativo, como seu vice, Steve Scalise, da Louisiana.
2. Kevin McCarthy desiste
Após dias de derrotas, é possível que McCarthy desista. A desistência pode partir dos próprios republicanos que apoiam McCarthy.
"Estamos começando a ter algum conflito aberto no plenário e a portas fechadas", disse Buck, que tem votado em McCarthy. "Temos que escolher um presidente e seguir em frente."
Scalise talvez seja a escolha mais aceitável tanto para os conservadores da linha dura quanto para o resto dos republicanos da Câmara. Ele é considerado um conservador ferrenho e literalmente sangrou pelo partido, tendo sido gravemente ferido no ataque a tiros contra deputados republicanos durante um treino de beisebol em 2017. O maior obstáculo no momento é que ele não parece querer o cargo.
Outras possibilidades incluem o congressista Jim Jordan, de Ohio, e Jim Banks, de Indiana, chefe do Comitê de Estudos Republicanos. Mas nenhum dos dois parece ser capaz de unificar o partido. Byron Donalds, da Flórida, foi indicado pelos republicanos rebeldes três vezes na quarta-feira, mas o congressista novato não tem sido levado a sério pela maioria.
3. Os dois lados optam por outro nome
Democratas e republicanos na Câmara dos Representantes do Estado de Ohio se uniram na terça-feira para rejeitar um presidente da Casa mais conservador e eleger um candidato moderado. Isso também poderia acontecer na Câmara dos Deputados dos EUA?
Esse tipo de especulação começou a surgir nos últimos dias, diante do impasse político.
Don Bacon, um republicano de centro de Nebraska, já havia expressado a vontade de trabalhar com os democratas para achar um nome de consenso, caso McCarthy não consiga se eleger.
Fred Upton, um ex-congressista republicano de Michigan moderado, se apresentou como uma escolha da coalizão (não há exigência de que o presidente tenha que ser um membro atual do Congresso). E os democratas têm recebido sinalizações de vantagens para ajudar a resolver a crise — como mudanças em regras que lhes permitiriam apresentar projetos de lei ou mais poder nas comissões.
Tudo isso exigiria que um número considerável de democratas concordasse com o plano, o que no ambiente fortemente polarizado de hoje parece extremamente improvável. E qualquer republicano que trabalhe com os democratas será considerado instantaneamente persona non grata entre a maioria dos conservadores.
Mas dado que a Casa já chegou a este momento inédito na sua história, nenhuma opção é descartada por ora.
- Texto originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-64172832