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Envenenado com a filha, ex-espião russo já tinha perdido a esposa e o filho

Desde que foi preso pela Rússia e liberado num acordo de troca de espiões com o Reino Unido, Sergei Skripal viveu várias tragédias familiares. Yulia era a única parente próxima ainda viva. Ela morava em Moscou e estava visitando o pai. Os dois estão em estado grave no hospital.

10 mar 2018 - 11h05
(atualizado às 11h10)
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Sergei Skripal com a filha Yulia no colo, em 1984, pouco após o nascimento dela
Sergei Skripal com a filha Yulia no colo, em 1984, pouco após o nascimento dela
Foto: BBC News Brasil

O envenenamento de um ex-agente duplo russo e da filha dele, de 33 anos, chocou o mundo e estremeceu as relações entre a Rússia e o Reino Unido. Mas, na vida pessoal de Sergei Skripal, internado em estado grave com a filha Yulia, de 33 anos, este é mais um episódio- talvez o último- de uma sequência de tragédias.

Em 2012, ele perdeu a esposa, diagnosticada com câncer, e em julho do ano passado deu adeus ao filho, de 43 anos, que teve uma falência "repentina" do fígado.

No último domingo, o ex-espião e Yulia Skripal foram encontrados inconscientes no banco de um parque na cidade britânica de Salisbury, após deixarem um restaurante. Um gás neurotóxico foi usado para atingir os dois, e a polícia ainda investiga a autoria.

O governo britânico já disse que vai retaliar, se comprovar que a Rússia teve participação na tentativa de assassinato.

Mas qual a história Sergei Skripal e de sua família?

Sergei Skripal na época em que integrava grupo de elite das Forças Armadas russas
Sergei Skripal na época em que integrava grupo de elite das Forças Armadas russas
Foto: BBC News Brasil

Skripal nasceu no enclave soviético de Kaliningrad em junho de 1951. Por ser fisicamente forte e resistente, foi escolhido para se juntar à tropa aérea de elite soviética conhecida como Desantniki.

Em 1979, tropas soviéticas foram deslocadas ao Afeganistão e Skripal foi um dos primeiros a embarcar. Depois, ele se formou na Academia Militar Diplomática de Moscou.

Lá, ele teria chamado a atenção do departamento de inteligência militar russa, iniciando a segunda fase de sua vida, como oficial de inteligência.

A primeira missão que recebeu foi a de obter informações privilegiadas sobre a Europa. Isso deu a ele a oportunidade de viajar para o exterior, sob o disfarce de diplomata. Ele assumiu dois postos na Europa, um nos anos 1980 e outro nos anos 1990.

Skripal na Ásia em 1977
Skripal na Ásia em 1977
Foto: BBC News Brasil

Foi durante este período que ele teria sido cooptado pela inteligência britânica, dando início à fase seguinte da sua carreira. Skripal teria começado a atuar como agente duplo, revelando aos britânicos, em troca de dinheiro, a identidade de espiões russos que atuavam na Europa.

Prisão

Em 1999 ou 2000 (há divergências sobre a data), ele deixou o serviço de inteligência militar russa. Segundo disseram amigos de Skripal à BBC, ele estaria farto da corrupção no departamento.

Acredita-se que o ex-espião tenha começado, em seguida, a trabalhar com Boris Gromov, último comandante das forças soviéticas no Afeganistão.

Durante o tempo em que trabalhou para Gromov, Skripal e a família viveram um período de relativa tranquilidade, na Rússia.

Sergei Skripal e Liudmila, no casamento deles em junho de 1972
Sergei Skripal e Liudmila, no casamento deles em junho de 1972
Foto: BBC News Brasil

Casamento e filhos

O ex-espião se casou com Liudmila quando ainda era jovem. Ela fora sua namorada de adolescência, quando ainda moravam em Kaliningrad.

O filho deles Alexander- que era conhecido como Sasha- nasceu em 1974. A filha, Yulia, nasceu dez anos depois, em 1984.

Sasha se casou e começou a trabalhar. Yulia, tida como muito inteligente pela família, decidiu aprender inglês e estudar Geografia numa universidade de Moscou.

Mas em dezembro de 2004, um episódio mudaria a vida da família para sempre. Skripal foi preso, acusado de atuar como espião para o Reino Unido.

Ele foi condenado a passar 13 anos de prisão, após um rápido trâmite processual, num julgamento acompanhado de perto pela mídia. Seguiu para um campo de trabalho forçado em Mordovia- mesmo local onde uma integrante da banda Pussy Riot foi presa em 2011.

Ex-prisioneiros dizem que o local é insalubre. Mas Skripal não sucumbiu, segundo o relato de amigos.

Ele tinha a vantagem de ter sido campeão de boxe no Exército soviético, o que também explica o fato de ter um nariz levemente "esmagado". A habilidade em lutar o ajudou a se livrar da ameaça de outros detentos.

Enquanto Skripal estava preso, o filho dele, Sasha, perdeu o emprego e se separou da esposa.

Troca de espiões e ida para a Inglaterra

De repente, em julho de 2010, o ex-agente russo foi liberado, numa troca de espiões entre a Rússia e o Reino Unido.

A primeira coisa que Skripal fez foi tomar sorvete, alimento do qual sentiu falta nos tempos de prisão.

Ele se reencontrou com a esposa, Liudmila, e os dois decidiram se mudar para Salisbury no sudeste da Inglaterra- mesma cidade onde seria encontrado envenenado, junto com a filha, em 2018.

Primeiro, eles moraram num apartamento. Depois, se mudaram para uma casa- a mesma residência que atualmente está interditada e é vista como possível fonte de evidências na investigação da polícia britânica.

Vida 'pacata'

A vida de espiões, depois que são descobertos ou trocados, dificilmente é fácil e simples.

Mas amigos dizem que Skripal tinha uma personalidade resiliente e se esforçava para viver da melhor maneira possível. E não há evidências de que ele tenha continuado a participar de atividades relacionadas a inteligência.

Amigos dizem que ele frequentava museus locais, especialmente aqueles com informações militares, como o Museu do Tanque de Bovington. Também gostava de assistir a documentários militares ou sobre natureza. Mas sentia falta da Rússia, segundo relatos.

Amigos o descrevem como um patriota, que amava seu país, mas discordava do regime no poder. Aos poucos, estava se acostumando com a vida na Inglaterra.

Skripal com o pai
Skripal com o pai
Foto: BBC News Brasil

A morte dos familiares

Luidmila criava rosas no jardim, enquanto Skripal gostava de fazer churrasco, principalmente de linguiça.

Mas a convivência do casal na Inglaterra duraria pouco. Em 2011, Liudmila foi diagnosticada com câncer. Ela morreu em 23 de outubro de 2012.

Skripal frequentemente deixava flores na tumba dela, em Salisbury. Em julho de 2017, o filho dele, Sasha, morreu em São Petersburgo, enquanto passava férias na cidade com a namorada.

Familiares contaram à BBC que ele foi levado às pressas ao hospital e morreu de uma "repentina" falência do fígado, o que gerou suspeitas.

No verão de 2015, Yulia voltou a Moscou, possivelmente para ficar com o namorado, mas continuou em contato frequente com o pai, via Skype.

O irmão mais velho de Skripal morreu em 2016. Apesar de ter perdido quase todos os familiares e de não morar mais perto da filha, amigos dizem que o ex-agente russo encarou a situação bem.

Yulia era a única familiar viva de Skripal. Ela morava em Moscou e tinha ido visitar o pai, na Inglaterra | Fonte: Facebook
Yulia era a única familiar viva de Skripal. Ela morava em Moscou e tinha ido visitar o pai, na Inglaterra | Fonte: Facebook
Foto: BBC News Brasil

Ele gostava de comer uma comida típica russa chamada Pelmeni, enquanto brincava com jogos de guerra no computador.

A filha, que foi envenenada junto com o ex-espião, estava em Salisbury em visita ao pai. Amigos afirmam que Skripal devia estar feliz em passar uns dias com Yulia.

Uma visita que terminaria com os dois numa cama de hospital, em estado grave, após serem envenenados com uma substância que integra o grupo de "agentes nervosos"- altamente tóxicos, que bloqueiam o sistema nervoso e interrompem as funções vitais do organismo.

Skripal um dia contou a um amigo próximo que, nos momentos mais difíceis de prisão, ele mantinha a mente saudável usando a imaginação para criar um lar. Os amigos dele esperam que esse mesmo truque esteja funcionando agora, enquanto ele luta pela vida, no hospital.

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