ESPECIAL-Índia avança, mas mulheres ainda sofrem como antigamente
Por Nita Bhalla
NOVA DÉLHI, 13 Jun (TrustLaw) - O nascimento de uma menina, segundo um ditado hindu popular, é como à chegada de Lakshmi -- a deusa da riqueza de quatro braços, muitas vezes retratada segurando flores de lótus e um pote cheio de ouro.
Isso deveria garantir um lugar de destaque para as mulheres na sociedade indiana, especialmente agora que o país está crescendo em influência global e economicamente.
Mas, na realidade, as mulheres da Índia são discriminadas, maltratadas e até mortas em uma escala sem precedentes entre as 19 principais economias do mundo, de acordo com uma nova pesquisa feita pela Fundação Thomson Reuters.
A pesquisa, que consultou 370 especialistas em gênero, descobriu que o Canadá é o melhor lugar para as mulheres dentro do G20, excluindo a União Europeia. A Arábia Saudita foi o segundo pior, depois da Índia.
"É um milagre que uma mulher sobrevive na Índia. Mesmo antes de ela nascer, ela corre risco de ser abortada devido à nossa obsessão por filhos homens", disse Shemeer Padinzjharedil, que dirige a Maps4aid.com, um site que mapeia e documenta crimes contra a mulher.
"Quando criança, ela enfrenta o estupro, abusos e o casamento precoce, e até mesmo quando ela se casa, ela é morta por dote. Se ela sobrevive a tudo isto, como viúva, é discriminada e não tem nenhum direito sobre herança ou propriedade."
Muitos dos crimes contra as mulheres acontecem nas planícies densamente povoadas do norte da Índia, onde, em partes, há uma mentalidade arraigada de que as mulheres são inferiores e devem ficar restritas a ser donas de casa e mães.
Além disso, antigos costumes como o pagamento de dotes pesados no momento do casamento e crenças ligando o comportamento sexual feminino à honra da família fizeram as meninas parecer um fardo.
Os resultados da pesquisa --com base em parâmetros como a qualidade dos serviços de saúde, ameaça de violência física e sexual, nível de influência política e acesso a direitos de terra e propriedade-- se chocam com a imagem moderna da Índia.
A Índia teve uma primeira-ministra, ou chefe de governo, mulher há muito tempo, em 1966. Mulheres bem-vestidas em traje ocidental dirigindo motos ou carros para trabalhar são agora uma visão cotidiana nas cidades. Mulheres médicas, advogadas, policiais e burocratas são comuns.
MILHÕES ABORTADAS
Mas se for além da imagem na superfície, as ameaças na Índia são múltiplas -- do feticídio feminino, casamento infantil, dote e crimes de honra até a discriminação na saúde e educação e crimes como estupro, violência doméstica e tráfico de seres humanos.
Na verdade, a luta de uma menina para sobreviver começa no útero devido a um desejo irresistível por filhos homens e o medo do dote, o que resultou no aborto de 12 milhões de meninas ao longo das últimas três décadas, de acordo com um estudo de 2011 feito pela The Lancet.
Isto levou a um declínio no número de mulheres em proporção aos homens em muitas áreas, resultando em um aumento no número de estupros, tráfico humano e, em certos casos, práticas como compartilhamento de mulher entre irmãos.
Na verdade, a maldição do dote continua mesmo depois do casamento.
Uma noiva foi assassinada a cada hora por causa de exigências de dote em 2010, segundo a Agência Nacional de Estatísticas de Crimes. Algumas mortes são por "queima no fogão", com os sogros derramando querosene, o combustível de cozinha de uso comum nos lares mais pobres, sobre as mulheres e ateando fogo nelas, fazendo parecer acidental.
"Os tribunais estão inundados com casos de crimes relacionados ao gênero", disse o juiz aposentado do Supremo Tribunal Markandey Katju. Segundo ele, os assassinatos de honra e dote deveriam ser punidos com a morte.
"Estes não são crimes normais. Estes são crimes sociais porque interrompem todo o tecido social da comunidade. Quando você comete crimes contra as mulheres, tem um impacto duradouro."
Especialistas dizem que o casamento infantil continua sendo um dos maiores obstáculos para o desenvolvimento das mulheres na Índia e tem um efeito dominó. Quase 45 por cento das meninas indianas se casam antes de completar 18 anos, segundo o Centro Internacional de Pesquisa sobre a Mulher.
DUAS ÍNDIAS
As autoridades indianas também têm dificuldades para combater crimes crescentes contra as mulheres, incluindo a violência doméstica, abuso sexual, tráfico e estupro.
Relatos de mulheres apanhando na rua e estupradas em carros em movimento são frequentes em Nova Délhi e nos arredores. Reportagens de jornais estão cheias de histórias de exploração e tráfico sexual.
Em muitos casos, a violência contra as mulheres tem um nível de aceitabilidade social. Uma pesquisa do governo descobriu que 51 por cento dos homens indianos e 54 por cento das mulheres justificavam o espancamento da esposa.
A Índia tem leis de gênero robustas, mas elas são mal aplicadas, em parte porque uma mentalidade feudal é prevalescente entre os burocratas, magistrados e policiais tanto quanto em outros lugares. Os políticos também não estão dispostos a acabar com preconceitos habituais contra as mulheres por medo de perder votos conservadores.
"A lei da herança foi reformada em 2005, trazendo igualdade jurídica para as mulheres em terras agrícolas. Na realidade, porém, menos de 10 por cento das mulheres possuem algum tipo de terra", disse Govind Kelkar, do grupo de direitos da terra Landesa India.
"Isso é mais gritante porque 84 por cento das mulheres rurais estão engajadas na produção agrícola. Há um silêncio político sobre a implementação de leis de direitos das mulheres."
Alguns ganhos estão sendo feitos, principalmente, instituindo leis e regimes sociais sensíveis ao gênero, bem como aumentando o número de meninas em escolas primárias, na força de trabalho e na política das aldeias, dizem especialistas.
Mais de duas décadas de liberalização econômica também ajudaram a capacitar as mulheres, e desde que a Índia se abriu, as ideias ocidentais de igualdade têm permeado as cidades.
O principais cargos políticos do país são ocupados por mulheres, incluindo a chefe do principal partido no poder, Sonia Gandhi, e a presidente em saída, Pratibha Patil.
"Há duas Índias: uma onde podemos ver mais igualdade e prosperidade para as mulheres, mas uma outra onde a grande maioria das mulheres está vivendo sem escolha, sem voz ou direitos", disse Sushma Kapoor, vice-diretora no Sul da Ásia para a ONU Mulheres.
Especialistas em gênero dizem que os desafios são imensos, dada a imensa população da Índia de 1,2 bilhão, sua diversidade e dispersão geográfica. Mas eles acrescentam que eles não são insuperáveis.