À beira da morte?: Charles Manson volta às manchetes nos EUA com legado de racismo, conspirações sobre os Beatles e sangue
Após relatos não confirmados de internação em estado grave, legado macabro de um dos assassinos mais famosos da história volta à tona nos EUA.
Responsável por esfaqueamentos que chocam os Estados Unidos há quase 50 anos, mesmo sem ter sujado as mãos com uma única gota de sangue, Charles Manson, aos 83 anos, estaria à beira da morte, segundo a imprensa americana.
O ex-guru hippie teria sido internado há quatro dias em um hospital da Califórnia, onde cumpre prisão perpétua desde 1971, condenado por convencer jovens seguidores a assassinarem, "com o máximo de crueldade", pelo menos sete pessoas, incluindo uma das estrelas de Hollywood mais comentadas da época.
A notícia foi publicada pelo site TMZ e replicada pelos principais jornais americanos, incluindo o Washington Post e o New York Times.
Procurado, o departamento penitenciário da Califórnia diz que segue regras locais e federais de privacidade médica e não confirma a internação de Manson. À agência Associated Press, uma porta-voz se limitou a informar que ele estava vivo nesta quinta-feira.
A especulação trouxe Manson ao topo dos assuntos mais comentados no Twitter e lançou um debate sobre um dos criminosos mais perturbados e famosos da história americana - especialmente entre jovens que não conheciam o vínculo de sua seita com a tensão racial nos EUA, reacesa recentemente por eventos como a marcha racista de Charlottesville, em agosto, ou os assassinatos por policiais que deram origem ao movimento Black Lives Matter.
Mesmo com registros oficiais associados a sete mortes (bem menos que outros assassinos em massa cujo nome ninguém se lembra, como Steven Paddock, que matou 58 pessoas a tiros em Las Vegas, no mês passado), Manson é tema de pelo menos 40 livros e há décadas atrai holofotes - e calafrios.
Da infância problemática no interior americano às orgias com roqueiros famosos e uma obsessão pelos Beatles, cujas letras seriam uma "premonição" de uma suposta guerra civil entre brancos e negros que ele tentou "antecipar", Manson é descrito por biógrafos como um homem que buscava fama e reconhecimento a qualquer custo - na maioria das vezes, sem sucesso.
Ele foi condenado à morte por câmara de gás em março de 1971, mas, no ano seguinte, após o Estado da Califórnia extinguir este tipo de pena, uma nova decisão o levou à prisão perpétua.
Sedução em troca de 'assassinatos terceirizados'
Segundo biógrafos, o maior "talento" de Manson seria sua habilidade para seduzir e convencer seguidores da seita autodenominada "Família" a cometerem assassinatos em seu lugar - sem hesitações ou arrependimentos.
Manson não estava presente fisicamente em nenhum dos sete assassinatos promovidos pela seita e confirmados pela Justiça americana.
A vítima mais conhecida foi a atriz Sharon Tate, esposa do então já premiado diretor Roman Polanski, que morreu aos 8 meses de gravidez, depois de ganhar um Globo de Ouro.
Seguindo ordens de Manson, membros da seita invadiram a casa da atriz e a mataram em posição fetal com 16 facadas. Outros quatro amigos e conhecidos que a visitavam também foram esfaqueados - um deles com 51 golpes.
"Destruam totalmente todas as pessoas dentro da casa, da forma mais horrível possível", teria ordenado o líder.
Uma de suas seguidoras, Susan Atkins, admitiu em tribunal que outros assassinatos macabros haviam sido previstos pelo guru, incluindo os de estrelas como Frank Sinatra e Elizabeth Taylor.
As mortes foram resultado de uma tese apocalíptica de Manson, que dizia acreditar que brancos e negros travariam uma disputa sem precedentes nos Estados Unidos.
Em suas pregações, ele dizia que o White Album (Álbum Branco), dos Beatles, - e em especial a música Helter Skelter - seria uma espécie de quebra-cabeças com revelações codificadas sobre a iminência do confronto racial pelo poder nos EUA.
O objetivo de Manson era "acelerar" esta guerra racial, por meio de assassinatos falsamente associados a afro-americanos.
Ele prometia proteção aos seguidores e dizia que se tornaria um messias ao fim da guerra.
Durante os assassinatos na casa de Tate, os seguidores da seita espalharam pistas falsas, numa tentativa de incriminar os Panteras Negras, icônico grupo que lutava contra o racismo e chamava atenção na época por todo país.
Em seu livro Helter Skelter, o promotor de justiça Vincent Bugliosi, responsável pelas investigações dos crimes, conta que policiais encontraram a palavra "PIG" ("porco") escrita com o sangue de uma das vítimas em uma porta da casa de Tate.
O termo era usado pelos Panteras Negras em referência a policiais envolvidos em assassinatos e prisões preventivas de afro-americanos.
Durante o julgamento, investigadores descobriram que Manson ordenou que cartões de crédito encontrados em carteiras de suas vítimas fossem deixadas em um bairro negro, na expectativa de que algum morador os usasse e fosse incriminado - o que não aconteceu.
Em uma das sessões, Manson, que tentou ser seu próprio advogado no processo, chegou a se atirar contra o juiz Charles Older, gritando que "alguém deveria cortar sua cabeça".
Beatles
Os Beatles comentaram as associações feitas pelo assassino.
"Não tenho nada a ver com isso", disse John Lennon à revista Playboy, em 1980.
Segundo o Beatle, Manson seria "apenas uma versão extrema" de fãs que embarcaram em teorias de conspiração sobre a banda, como os que acreditavam que Paul McCartney havia morrido em 1966 e sido substituído por um sósia.
"Ou os que concluíram que eu escrevi sobre ácido em Lucy in the Sky with Diamonds por que as iniciais eram LSD", afirmou Lennon.
Paul McCartney também comentou o caso no livro The Beatles Anthology.
"Manson interpretou que Helter Skelter tinha algo a ver com os quatro cavaleiros do apocalipse", disse. "Foi assustador, você não escreve músicas para isso."
No mesmo livro, George Harrison disse que "foi perturbador ser associado a algo tão desprezível como Charles Manson". Ringo Starr, que conhecia Sharon Tate e Roman Polanski pessoalmente, classificou o episódio como "um momento difícil".
A 'Família' e a banda Beach Boys
"Charlie disse que a morte era bonita porque as pessoas a temiam", escreveu em seu livro o promotor Bugliosi, que morreu há dois anos.
Ao narrar as investigações que levaram à condenação de Manson e seu séquito (no dia seguinte às cinco mortes na casa de Tate, eles mataram um casal em sua casa), Bugliosi mostra como o assassino teria manipulado a mística e as experiências com drogas da geração hippie e associados elementos como sangue e mortes ao velho lema "paz e amor".
"Suspeito firmemente que os 'poderes mágicos' (de Manson) eram nada mais que uma habilidade de despertar crenças nas pessoas certas, no local correto", diz o autor.
O ex-promotor classifica os membros da "Família", cujas estimativas variam entre 30 e 100 pessoas - principalmente mulheres -, como alvos selecionados cuidadosamente.
"Os que o acompanhavam não eram os típicos garoto ou garota da vizinhança. Quase todos traziam uma profunda hostilidade contra a sociedade antes de conhecer Manson."
Em imagens do julgamento que podem ser vistas no You Tube, seguidoras do assassino caminham pelo tribunal cantando músicas em latim e sorrindo.
Em um perfil sobre o assassino, o jornal britânico The Guardian classificou Manson como uma espécie de "camaleão", sempre disposto a se transformar para convencer pessoas com perfis distintos.
"Ele podia ser o típico roqueiro quando na presença de músicos e produtores musicais, uma espécie de guru semelhante a Cristo para seus seguidores ou o arquétipo de um branco racista quando junto a bandos de motoqueiros."
Entre os "seduzidos" estão membros da banda Beach Boys, que chegaram a viver por algumas semanas com Manson e seus seguidores na casa do baterista Dannis Wilson, um ano antes das mortes em série.
Em livro publicado no ano passado, Mike Love, vocalista da banda californiana, conta que Manson provocava encontros sexuais entre seguidoras e os colegas da banda, em meio a altas doses de LSD - às quais o assassino, segundo relatos de ex-membros da Família, era "bastante resistente".
Segundo promotores, Manson teria criado uma espécie de harém, no qual mantinha relações sexuais simultâneas com diversas mulheres que acreditavam em suas "previsões".
Casamento
Uma biografia publicada em 2013 se dedicou às origens de Manson e seu histórico de problemas familiares.
Autor de Manson, o biógrafo Jeff Guinn conta que o garoto de Ohio tinha 5 anos quando viu a mãe e o irmão serem presos por roubarem uma garrafa de ketchup em um posto de gasolina.
Manson disse no passado que a mãe, alcoólatra, chegou a "dá-lo" a uma garçonete em troca de cerveja, quando era criança. A transação teria sido desfeita por um parente dias depois.
Manson passou por uma série de reformatórios e prisões, onde teria convivido com criminosos como cafetões, que o teriam ensinado a coagir mulheres a realizar seus desejos.
Quando tinha 32 anos, ele já tinha passado quase metade da vida encarcerado.
Preso para sempre aos 36 anos em 1971, Manson voltou às manchetes em 2014, após receber permissão para se casar na prisão, aos 80 anos.
Elaine Burton, uma mulher de 26 anos que se apresenta como "Star" (estrela) e se mudou de Estado para viver próximo à prisão de Corcoran (Califórnia), que abriga Manson, declarou à imprensa que o amava e queria ficar com ele.
A licença para o casamento expirou em 2015 e a boda nunca ocorreu. Mais tarde, a imprensa americana noticiou que o objetivo de Star com o casamento seria ter a chance de divulgar imagens do cadáver de Manson, quando ele morresse, e vendê-las para tabloides.
Uma nova avaliação de liberdade condicional está prevista para 2027 pela Justiça americana. Manson terá 93 anos.
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