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Biden deve cobrar do Brasil medidas sobre meio ambiente

Especialistas afirmam que País deve trabalhar com mais empenho na área climática e mostrar que protege de fato a Amazônia; para ex-embaixador dos EUA, carta que Bolsonaro enviou ao presidente americano chegou tarde

24 jan 2021 - 09h23
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O aceno ao novo governo americano por meio da carta enviada pelo presidente Jair Bolsonaro a Joe Biden na quarta-feira, no dia em que ele tomou posse, ainda é insuficiente para promover as relações entre os dois países com a Casa Branca sob nova direção. Especialistas dizem acreditar que o Brasil precisará adotar mudanças mais concretas se quiser se alinhar ao governo do democrata.

Presidente dos EUA, Joe Biden, no Salão Oval da Casa Branca
21/01/2021 REUTERS/Tom Brenner
Presidente dos EUA, Joe Biden, no Salão Oval da Casa Branca 21/01/2021 REUTERS/Tom Brenner
Foto: Reuters

"A carta foi importante e necessária. Mostra que o governo Bolsonaro entendeu que Joe Biden é o presidente dos Estados Unidos. É um movimento bom, mas demorou", afirma Tom Shannon, que foi embaixador americano no Brasil durante parte do governo de Barack Obama.

No recado a Biden, Bolsonaro destacou o relacionamento entre Brasil e EUA e falou em manter uma parceria para o desenvolvimento sustentável e a proteção do meio ambiente. Mas o novo tom no contato com o governo americano vem depois da demora do Brasil em reconhecer a vitória de Biden - foi o último país do G-20 a parabenizá-lo -, da insistência de Bolsonaro em fazer declarações de apoio e admiração a Donald Trump e de falas do próprio presidente brasileiro que contrariam os pilares do governo democrata, como o reconhecimento da gravidade da crise climática.

"Imagino que o governo Biden ficou satisfeito com a esperança de Bolsonaro cooperar com os EUA para proteger o meio ambiente, mas acho que os americanos buscarão medidas mais concretas", afirma Lisa Viscidi, diretora do programa de energia e clima do centro de estudos americanos Inter-American Dialogue, em Washington.

O principal ponto de fricção entre os governos é a política ambiental, um dos eixos da política externa de Biden. Trump foi um dos principais expoentes do negacionismo climático, copiado pelo governo Bolsonaro. Mas esse não é o único ponto em que a mudança de posição dos Estados Unidos deve expor ou isolar o Brasil.

Desde o início do governo Bolsonaro, o Brasil adotou posições no cenário internacional alinhadas com a gestão Trump, que devem ser refutadas no mandato de Biden. No ano passado, ao lado do governo Trump, o Brasil se alinhou a outros 31 países - muitos deles ditaduras ou países de maioria muçulmana - como Egito, Arábia Saudita e Paquistão - em uma declaração internacional contra políticas que preveem o acesso ao aborto.

Nos primeiros três dias de trabalho, o governo Biden já mostrou que adotará uma posição diferente e indicou a saída do país da aliança conservadora da qual o Brasil faz parte. Ao anunciar que os EUA não vão mais se retirar da Organização Mundial da Saúde, na quinta-feira, o governo Biden afirmou que o país apoiará os direitos reprodutivos das mulheres no mundo.

No dia seguinte, uma declaração em nome de Biden e Kamala Harris comemorou o aniversário de 48 anos do precedente da Suprema Corte conhecido como Roe vs. Wade, que reconheceu o direito da mulher ao aborto sem restrições excessivas por parte do governo.

"Agora virá a parte difícil: converter uma relação que foi personalizada, com base no contato de Bolsonaro com Donald Trump, em uma relação entre duas nações. Biden não terá uma relação pessoal com Bolsonaro", afirma Shannon.

"Há uma percepção de que os cortes no orçamento para agências ambientais no Brasil, o relaxamento da fiscalização ambiental e a retórica constante de Bolsonaro contra os ambientalistas deram às pessoas luz verde para derrubar florestas ilegalmente sem consequências. O Brasil deve fazer melhorias em áreas como essas para mostrar que leva a sério a proteção da Amazônia", afirma Lisa Viscidi.

Na carta a Biden, Bolsonaro falou sobre o compromisso do Brasil com o Acordo Climático de Paris - que ameaçou abandonar durante a campanha eleitoral, a exemplo do que Trump fez. Em 2019, quando as capas dos jornais do mundo inteiro estamparam fotos da Amazônia em chamas, com reportagens que faziam a relação entre o afrouxamento da regulação ambiental durante o governo Bolsonaro e a situação da floresta, o chanceler Ernesto Araújo criticou o "alarmismo climático" em palestra em Washington. Na mesma época, durante a Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, Bolsonaro disse que era uma "falácia" dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade e era um "equívoco" afirmar que a floresta é o pulmão do mundo.

Em debate com Trump, Biden prometeu "reunir o mundo" para coletar fundos para preservação da Amazônia e disse que haveria consequências econômicas caso o Brasil não se comprometesse com a proteção da floresta. No plano de governo, Biden prometeu "nomear e envergonhar" o que considerou os "fora da lei" do clima e divulgar uma lista chamada de Relatório Global de Mudanças Climáticas, para avaliar se países têm cumprido os compromissos assumidos no Acordo de Paris e outras medidas para reduzir o problema.

Para Shannon, o governo Biden não busca expor o Brasil como um exemplo negativo, por acreditar na força de uma parceria com o país. Mas o movimento de aproximação precisará ser feito por Bolsonaro. "Todos nós sabemos de onde Biden vem, qual a abordagem de política externa dele, sabemos que vai focar em alianças e parcerias, em instituições multilaterais e buscar respostas conjuntas para problemas transnacionais. A questão é se o Brasil quer trabalhar desta forma. O governo Bolsonaro precisará mostrar a vontade de fazer isso", afirma Shannon.

A pressão do próprio Partido Democrata pesa contra o Brasil. "O partido tem posições firmes sobre direito ao aborto, proteção a indígenas, comunidade LGBTQ, meio ambiente. Posições com as quais o governo Bolsonaro não consegue concordar", afirma o diplomata.

Associações em Washington próximas à ala de esquerda do Partido Democrata reagiram à mensagem de Bolsonaro. "A carta é dissimulada, superficial e, acima de tudo, incongruente com as ações de seu governo. A ausência de ações concretas na carta para assegurar a democracia ou os direitos humanos não é surpreendente", afirma Juliana Moraes, diretora em Washington da associação US Network for Democracy in Brazil. Para Andrew Miller, diretor de políticas públicas da Amazon Watch, a carta "não tem nenhuma relevância sem uma mudança radical de sua política ambiental para a Amazônia". "O projeto de destruição e de enfraquecimento dos órgãos ambientais de Bolsonaro para a Amazônia continua o mesmo", afirma Miller.

Estadão
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