Como foi operação de 6 dias até encontrar o suspeito pela morte de CEO em Nova York
Para especialista, formação em tecnologia pode ter ajudado o suspeito a escapar da polícia por quase uma semana — embora ele também tenha cometido erros elementares.
Não foi o DNA ou a tecnologia de reconhecimento facial que desvendou o caso. Nem os detetives amadores na internet fizeram a descoberta.
No final, foi um funcionário do McDonald's, a horas de distância da cena do crime, que avistou um homem que parecia com a imagem de um suspeito pelo assassinato do CEO (diretor-executivo) da UnitedHealth Care, Brian Thompson, em Nova York.
O suspeito teve o cuidado de usar uma máscara enquanto andava pela cidade de Nova York, onde ocorreu o assassinato, mas a abaixou por um segundo para flertar com uma mulher em um albergue e novamente para comer no McDonald's.
Isso pode ter sido o suficiente.
A polícia de Altoona, Pensilvânia, invadiu a lanchonete e prendeu Luigi Mangione, um jovem de 26 anos de uma família rica da região de Baltimore que estudou em uma escola particular e em uma universidade da Ivy League (grupo das universidades de mais prestígio dos EUA).
Após seis dias dramáticos, a busca pelo suspeito de matar Brian Thompson acabou.
Ligação vinda do McDonald's
Segundo contou um cliente frequente do McDonald's em Altoona, na manhã de segunda-feira (09/12), um de seus amigos viu Mangione entrando na lanchonete e comentou: "Ali aquele atirador de Nova York".
"Achei que ele estava brincando", contou o cliente.
A polícia foi chamada por um funcionário. Quando os policiais abordaram Mangione pela primeira vez e perguntaram se ele esteva em Nova York, o suspeito ficou "visivelmente nervoso, meio tremendo", segundo relato do vice-chefe de polícia de Altoona, Derick Swope.
Enquanto era levado para uma audiência no tribunal nesta terça-feira (10/12), Mangione gritou em direção a repórteres as palavras "completamente injusto" e "insulto à inteligência do povo americano".
Ele agora enfrenta acusações de assassinato em segundo grau, além de crimes relativos a armas.
A polícia de Nova York diz que o suspeito chegou à cidade em 24 de novembro, na movimentada preparação para o feriado de Ação de Graças. Ele visitou o Hotel Hilton, onde o assassinato aconteceria mais tarde.
Seu encontro com um funcionário do albergue onde ele se hospedou foi capturado por uma câmera.
Dez dias depois, em 4 de dezembro, Thompson foi morto a tiros a caminho de uma reunião, por volta das 6h45 no horário local.
O suspeito fugiu a pé, de bicicleta e de táxi para uma estação de ônibus perto da Ponte George Washington. De lá, saiu da cidade.
Desde o início da investigação, o assassinato foi tratado como um ataque direcionado. Vídeos mostram o assassino ignorando pedestres na movimentada calçada de Manhattan e mirando em Thompson.
Os cartuchos de bala usados no crime tinham palavras inscritas — acredita-se que referências a práticas da indústria de seguros: "negar", "defender" e "destituir".
Fuga da polícia por seis dias
A prisão de segunda-feira encerrou seis dias dramáticos em que o suposto assassino parecia desaparecer, deixando poucas pistas para trás.
Ele não só conseguiu deixar uma das cidades mais movimentadas do mundo usando transporte público, como antes de segunda-feira seu nome não era conhecido publicamente.
Também não está claro exatamente onde ele estava se escondendo nos dias após deixar Nova York.
Juliette Kayyem, ex-secretária assistente do Departamento de Segurança Interna dos EUA, disse ao programa Today, da BBC Radio 4, que a formação de Mangione em tecnologia pode tê-lo ajudado a escapar da polícia por quase uma semana.
"Era alguém que estava estudando como a polícia e como essas cidades tentam se proteger, que é basicamente ter muitas câmeras por perto", disse ela.
"Agora que sabemos um pouco sobre ele — que é uma pessoa inteligente, estudou em ótimas escolas, tinha diplomas superiores, estudou tecnologia, gostava de apetrechos eletrônicos... —, algumas coisas estão começando a fazer sentido", disse Kayyem.
O suspeito também usava uma máscara facial quase constantemente e foi encontrado com uma carteira de motorista falsa, além de uma "arma fantasma" não rastreável — uma arma de fogo que pode ser montada em casa e que, segundo a polícia, pode ter sido impressa em 3D.
De acordo com as autoridades, Mangione usou dinheiro vivo para compras em Nova York e fugiu da cena do crime para o Central Park, onde há poucas câmeras.
Mas ele também pareceu cometer alguns erros elementares — como revelar rapidamente seu rosto no albergue e segurar a arma e o documento de identidade falso.
A família do suspeito divulgou uma declaração na segunda-feira à noite por meio do primo de Mangione, um parlamentar do Estado de Maryland.
"Nossa família está chocada e devastada pela prisão de Luigi", disse Nino Mangione.
"Oferecemos orações à família de Brian Thompson e pedimos que as pessoas orem por todos os envolvidos."
Tudo dando certo para Mangione — até o 'desaparecimento'
Mangione vem de uma família grande e rica em Baltimore, Maryland, com negócios envolvendo casas de repouso, mercado imobiliário, um clube de campo e uma estação de rádio, de acordo com o jornal local Baltimore Banner.
Ele frequentou a Gilman School, uma escola particular só para homens, onde se formou como orador da turma — um destaque em sua classe.
Um antigo colega dele, Freddie Leatherbury, disse à agência de notícias Associated Press que Mangione veio de uma família rica, mesmo para os padrões daquela escola particular.
"Sinceramente, ele tinha tudo a seu favor", disse Leatherbury.
Mangione foi para a Universidade da Pensilvânia. Lá, recebeu diplomas de bacharel e mestre em ciência da computação e fundou um clube de desenvolvimento de videogames.
Um amigo que frequentou a universidade na mesma época descreveu Mangione como uma "pessoa supernormal" e "inteligente".
Ele trabalhou como engenheiro de dados e desenvolvedor de videogames e, mais recentemente, estava morando no Havaí.
Postagens nas redes sociais mostram que amigos e familiares tentaram contatá-lo recentemente e perguntaram sobre seu paradeiro.
Em uma postagem na rede social X em outubro, uma pessoa enviou mensagem para Mangione dizendo: "Ei, você está bem? Ninguém ouve falar de você há meses e parece que sua família está procurando por você."
Pistas de manifesto e resenhas de livros
O rastro digital de Mangione mostra poucas mensagens sobre assistência médica ou sobre o setor de seguros.
Em vez disso, há comentários sobre inteligência artificial e tecnologia, ciência e filosofia pop, e resenhas de uma série de livros, incluindo 1984 e a série Harry Potter.
Mas uma série de contas em redes sociais que correspondem ao seu nome e rosto dão algumas possíveis pistas sobre a motivação para o crime.
RJ Martin, um ex-colega de quarto de Mangione no Havaí, disse que o suspeito tinha uma lesão nas costas, mas "nunca" reclamou sobre isso.
"Sua lesão nas costas o impedia, às vezes, de fazer muitas coisas normais", disse Martin.
Uma imagem no plano de fundo da conta de Mangione no X mostra um exame de coluna.
Martin, que posteriormente perdeu o contato com Mangione, disse que, antes das notícias sobre o antigo amigo, seria difícil imaginá-lo machucando outra pessoa.
Uma pessoa com o nome e a foto dele tinha uma conta no Goodreads, um site de resenhas de livros.
Mangione teria lido dois livros sobre dor nas costas em 2022, sendo um deles chamado Crooked: Outwitting the Back Pain Industry ("Tortos: Superando a indústria da dor nas costas", em tradução livre).
Ele também deu quatro estrelas para um texto chamado Industrial Society and Its Future ("Sociedade Industrial e Seu Futuro"), de Theodore Kaczynski — também conhecido como o "Manifesto Unabomber".
O documento critica a vida moderna e afirma que a tecnologia estava levando os americanos a sofrer de uma sensação de alienação e impotência.
A partir de 1978, Kaczynski iniciou uma série de atentados que matou três pessoas e feriu dezenas, até ser preso em 1996.
Em sua resenha, Mangione reconheceu que Kaczynski era um indivíduo violento que matou pessoas inocentes, mas argumentou que o livro não deveria ser descartado como o manifesto de um lunático, mas sim como o trabalho de um revolucionário político extremo.
Segundo a polícia, quando o suspeito pela morte do CEO foi preso, ele tinha consigo um documento manuscrito de três páginas que mostrava uma "aversão" às empresas americanas.
Um funcionário de alto escalão disse ao jornal The New York Times que o documento dizia: "Esses parasitas mereceram" e "Peço desculpas por qualquer conflito e trauma, mas era algo que tinha que ser feito".
Solidariedade com vítima — e com suspeito
Enquanto isso, as reações mistas ao assassinato e à prisão de Mangione continuam — variando da condolência por Thompson e sua família versus raiva pela situação do caro e extremamente complicado sistema de saúde dos Estados Unidos.
Na internet, o crime provocou algumas críticas à indústria de seguros de saúde, e Mangione foi até aclamado como herói.
A polícia de Altoona disse ter recebido centenas de e-mails e ligações, incluindo ameaças de morte.
Algumas pessoas teriam ligado apoiando Mangione, alegando que a polícia é parte do grupo de verdadeiros culpados.
Enquanto isso, a polícia aconselhou funcionários do McDonald's a não darem entrevistas ou declarações, por preocupação com a segurança deles.
A lanchonete recebeu centenas de avaliações negativas na internet, com funcionários sendo chamados de "ratos" devido a um deles ter chamado a polícia.
Mas outros condenaram tais opiniões.
"Na América, não matamos pessoas a sangue frio para resolver diferenças políticas ou expressar um ponto de vista", disse o governador da Pensilvânia, Josh Shapiro, a repórteres.
"Eu entendo que as pessoas têm uma frustração real com nosso sistema de saúde... Mas eu não tenho tolerância, nem ninguém deveria, com um homem usando uma arma fantasma ilegal para assassinar alguém porque ele acha que sua opinião importa mais."
"Em alguns cantos sombrios, esse assassino está sendo aclamado como um herói. Ouça-me: ele não é um herói", defendeu Shapiro.
Com reportagem adicional de Cai Pigliucci, Jessica Parker e Madeline Halpert