Homem espancado reencontra agressor no trabalho após 25 anos
Matthew Boger foi agredido por uma gangue de skinheads neonazistas quando morava na rua, aos 13 anos
Aos 13 anos, no começo dos anos 1980, Matthew Boger vivia nas ruas de Los Angeles, nos EUA, e foi expulso de casa por ser homosexual. Em um certo dia ele foi atacado por um rapaz mais velho chamado Tim Zaal, membro de uma gangue de skinheads neonazistas. Boger sobreviveu e conseguiu sair das ruas. Passados 25 anos, encontrou seu agressor no próprio trabalho e ambos embarcaram em uma jornada única.
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"Era uma noite normal para um garoto de rua", relembra Boger sobre o dia em que foi agredido por Zaal. "Estava jogando fliperama e passeando com outros amigos da rua, sem muita preocupação."
Do outro lado da cidade, a noite de Zaal já começara violenta, com confusão e polícia durante um show de hardcore. Quando ele chegou com sua turma na lanchonete Oakie Dogs, em West Hollywood, eles já estavam bêbados e loucos por uma briga.
"Vi aqueles roqueiros moicanos, com roupas de couro. Pensei que eram punks. Vi que teria problemas quando gritaram 'olhem lá as bichas' e vieram pela rua", relata Boger.
O grupo de skinheads se dividiu e metade cercou o adolescente, que passou a ser alvo de um espancamento selvagem - socos e chutes com botas equipadas com chapas de metal no bico. "Meu instinto foi me jogar ao solo e me encolher, porque não tinha como me defender e nem proteger", conta.
"Acho que o chutei umas quatro vezes e que foi minha bota que o apagou", confessa Zaal, o agressor.
Com porte de lutador, o ex-skinhead diz que, naquela época, a violência era a única coisa que fazia sentir-se bem por dentro. "Não quero minimizar minha responsabilidade, mas sei que aquilo me fazia sentir poderoso e no controle."
Semiconsciente, Boger viu os agressores se cumprimentando pelo ataque enquanto iam embora: "pensei que queriam me matar. Voltei e não havia ninguém na lanchonete, ninguém havia pedido ajuda."
Ele também contou sobre o trauma deixado pela agressão. "Por anos depois vivi invisível, com medo. Pensava: 'a sociedade me odeia, eles me odeiam, eu não valho nada e minha vida será ficar na rua até morrer de um jeito ou de outro."
Zaal diz que houve "um rápido momento de remorso" após a agressão - que não durou muito. "Havia uma moça com a gente gritando que tínhamos matado aquele garoto. Mandamos ela se calar, ligamos o rádio e voltamos ao subúrbio onde nos escondíamos em conforto."
Maturidade e reencontro
Depois do episódio, Zaal se envolveu ainda mais com grupos racistas, até o dia em que percebeu que algo estava muito errado.
"Tinha criado meu filho para ser racista. Quando você está nesses grupos de ódio, é levado a acreditar que nossa tarefa é repovoar a Terra com pequenos racistas. As primeiras palavras do meu filho foram 'mãe', 'pai' e ofensas racistas", diz Zaal.
"E um dia no supermercado ele (o filho) soltou um abuso racista contra alguém. Aquilo teve um impacto porque fiquei envergonhado pelas pessoas em volta. E no outro dia decidi não me envolver mais com grupos racistas", finaliza.
Zaal ainda conta que sua regeneração foi um processo longo, que envolveu a separação da mulher e a saída de sua "zona de conforto". "Fui contra o que havia aprendido, e aprendi com pessoas de diferentes grupos étnicos, que me tratavam com respeito, porque não tinham ideia do meu passado."
As décadas se passaram, Boger saiu das ruas e foi trabalhar como gerente de operações no Museu da Tolerância, em Los Angeles. E um dia ficou impressionado com uma apresentação sobre doutrinação e consciência, feita por um ex-neonazista.
"Meses depois sentamos para conversar sobre outra coisa. Tim disse que lembrava da lanchonete Oakie Dogs e citou histórias de quando era adolescente. Aí começamos a perceber quem era cada um", diz o ex-menino de rua.
"Matthew começou a perguntar como eu era, a cor do meu cabelo. E, depois que a ficha caiu, ficamos congelados, não sabíamos o que dizer. Foi estranho, cada um foi para seu lado", conta o antigo agressor.
Algum tempo depois, Zaal teve que fazer uma apresentação para um grupo coordenado por Boger e usou a ocasião para pedir desculpas. "Lembro daquele pedido de desculpas e de como pensava que não era suficiente. Tinha ódio, uma raiva por aquilo estar de volta em minha vida. Não queria dividir, ter que falar sobre aquilo. O que vou fazer? A resposta foi o que estávamos fazendo: trabalhando juntos, contando a história e tentando conscientizar as pessoas."
Hoje Matthew e Tim fazem apresentações em escolas pela Califórnia, e contam sua história em todo primeiro domingo do mês no Museu da Tolerância. Também protagonizaram o documentário, indicado ao Oscar 2014 na categoria de melhor documentário em curta-metragem.
Amizade
A jornada dos dois, contudo, é de aprendizado permanente. "Muitas pessoas me perguntam se me perdoei, e a resposta é sim. Mas há dias em que acordo e sinto aquele turbilhão por dentro, e a melhor maneira de lidar com isso é dar um passo após o outro e tentar fazer o melhor. Passado é passado, hoje é hoje e futuro é futuro", afirma Zaal.
Boger conta que o caminho até o perdão foi longo, levou muitas conversas com Zaal e reflexões pessoais. "Hoje temos uma amizade muito importante. Não saímos juntos ou jantamos, mas quando preciso de alguém para conversar, ou simplesmente me ouvir, ele está entre as três pessoas que ligo", diz. "Contamos um com o outro", completa Zaal.
Para o menino que quase morreu naquela noite em Los Angeles, há uma dificuldade particular no exercício de voltar ao passado. "A parte mais difícil quando contamos essa história é que sei quem é Tim e tenho que relembrar tudo. É extraordinário, porque há emoções envolvidas. Sempre espero que as pessoas entendam quem Tim é hoje, e como ele é inspirador."