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Como a eleição de Donald Trump pode afetar a reunião do G20, que começa na segunda?

Com o seu lema 'America First', o republicano esnoba espaços multilaterais, além de ser contra temas centrais do evento no Brasil como mudanças climáticas, taxação de super-ricos e reforma das instituições

17 nov 2024 - 00h00
(atualizado às 07h27)
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O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump
O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump
Foto: REUTERS/Brian Snyder

A cúpula de líderes do G-20 começa nesta segunda-feira, 18, no Rio de Janeiro sob a sombra do retorno de Donald Trump à presidência dos EUA, um líder avesso ao multilateralismo. Com o seu lema "America First" (América primeiro), o republicano tende a se focar ainda mais que no primeiro mandato nos assuntos internos de seu país do que no cenário internacional, além de ser abertamente contra os pautas centrais da cúpula no Brasil como mudanças climáticas, taxação de super-ricos e reforma dos organismos internacionais.

Embora a reunião ocorra ainda sob a presidência de Joe Biden, que confirmou a vinda ao país e adesão à Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, o futuro dos acordos e decisões é incerto sob o segundo governo do republicano nacionalista.

"Biden está chegando ao G-20 como um super pato-manco, ou seja, um presidente que já não será mais presidente em janeiro. Portanto, não se pode esperar muito da visita ele", observa Sarang Shidore, diretor do Programa Sul Global do Quincy Institute. "Vai ser mais um sinalização. Biden quer transmitir a mensagem de que a América ainda está interessada na mudança climática e questões como equidade. Mas, de fato, seus pontos mais altos no G-20 vão ser encontros bilaterais com líderes poderosos."

Desde o início da preparação do G-20, a equipe diplomática do Palácio do Planalto tinha no horizonte que a eleição nos Estados Unidos seria decisiva para a cúpula. Não somente pela proximidade de datas, mas pelo impacto substantivo: o republicano é avesso a pautas que foram prioridade do Brasil ao presidir o grupo das 20 maiores economias do mundo ao longo de um ano, como a mudança climática e transição energética.

Os sinais dele também são negativos quanto à reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas e de entidades de governança financeira, como Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e Organização Mundial do Comércio - no último caso, Trump operou para paralisar seu funcionamento pleno, bloqueando indicações de membros.

Na visão de integrantes da assessoria especial de Lula, o retorno de Trump seria mais prejudicial aos planos do Brasil para o G-20 do que a vinda do presidente russo, Vladimir Putin, já descartada.

"A gente não sabe se ele vai repetir esse gesto [de sair do Acordo de Paris], mas é provável que mesmo que isso não aconteça, o tema ambiental caia para 27ª prioridade do governo Trump. Isso vai enfraquecer muito qualquer engajamento dos Estados Unidos numa agenda global de enfrentamento da mudança climática, tanto para o G-20 quanto para COP-30 em Belém?, completa Santoro.

Trump participou de todas as cúpulas do G-20 durante seu mandato (2017 a 2021). Na última, a de Osaka, no Japão, em 2020, os EUA se dissociaram da declaração justamente no trecho sobre mudança climática. Foi inserido um parágrafo inteiro dedicado à posição de Washington que justificava o abandono do Acordo de Paris por seus "prejuízos aos trabalhadores e contribuintes norte-americanos".

"Outras questões como mudança de clima, no caso do presidente que retorna à presidência (Trump) sabemos já a posição e o que foi feito antes. Então isso será objeto naturalmente de diálogo, de negociações internacionais e faz parte", disse o embaixador Lyrio.

Segundo o embaixador, problemas de países em declarações conjuntas são considerados normais na diplomacia. "Dificuldades de países com determinada linguagem e determinados temas, isso é normal, é da natureza das reuniões internacionais e da elaboração de documentos entre líderes", ponderou.

Taxação de super-ricos e reforma das instituições

Outros dois temas caros ao Brasil que serão levados para debate nesta cúpula são a taxação de super-ricos e a reformas dos organismos internacionais - este último uma pauta do chamado Sul Global representado no Brics.

Trump, além de ser ele próprio um bilionário, tem pouco interesse nas instituições multilaterais. "Trump é um nacionalista econômico. Alguém que tem uma rejeição muito grande à própria ideia de negociações multilaterais, sejam elas no campo do meio ambiente, do comércio, da defesa", pontua Santoro.

"É um cenário em que qualquer tipo de grande negociação de liberalização comercial e facilitação de comércio vai ficar muito enfraquecida. E claro que ele não quer nem ouvir falar na possibilidade de maior participação de países como a China e a Rússia nesse tipo de organização multilateral", completa.

Em conversas de bastidores no Rio, um secretário do Itamaraty compartilhou a expectativa de que o acordo sobre taxação de grandes fortunas - o objetivo do grupo é adoção a longo prazo de uma alíquota comum de 2% para evitar fuga de capitais para paraísos fiscais - continue em pauta no ano que vem, sob a presidência sul-africana do G-20, bem como a maior mobilização e melhor funcionamento de fundos para combate a mudanças climáticas.

A tributação poderia atrair recursos bilionários a fundos ou países, mas agora já se admite que pode "atrasar" a depender das posições adotadas pela diplomacia de Trump. A agenda climática é dada como de impacto certo. E não há garantias de que ele vá manter os EUA na Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza.

Esse embaixador reconheceu o potencial de "solavancos" nas negociações a partir de janeiro de 2025, mas lembrou que a direção do G-20 já foi apontada pelas maiores economias do mundo ao longo do ano e que "governos vêm e vão".

O futuro do G-20 com Trump

Para Shidore, no entanto, nem tudo é uma causa perdida e é possível que o G-20 seja, dos espaços multilaterais, o menos prejudicado pelo nacionalismo de Trump. "Hoje, a sabedoria convencional é de que Trump é contra o multilateralismo e que ele basicamente destruirá a ordem multilateral, e há verdade nisso", afirma. "Mas se há algum cenário multilateral que ele é menos avesso, é o G-20, por se apresentar como o menos problemático em termos de formato ou estilo para as pessoas do 'America First'".

"Argumento que esse engajamento vai se tornar essencial, na verdade, para todo líder americano porque o fato é que o poder relativo dos EUA está lentamente declinando e algum tipo de engajamento vai ser necessário, apenas pelas leis da política. A ONU não será a escolha favorita para o pessoal do Trump, e tende a ser o G-20 a escolha apropriada, por ser menos burocracia e com pessoas poderosas na sala. É o tipo de coisa com a qual Trump se sente confortável."

A longo prazo, os Estados Unidos assumem a presidência do G-20 em 2026, depois da África do Sul, que comandará os trabalhos do grupo ao longo de 2025. A reunião se dará sob a batuta da diplomacia de Trump. Os países da troika - trio formado por antecessor, presidente e sucessor - será composto por Brasil, África do Sul e EUA. "Não nos cabe fazer previsões, mas não vejo o que antecipar sobre o tema", esquivou-se Lyrio.

Estadão
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