Festas clandestinas de brasileiros nos EUA reúnem multidões e ignoram covid-19
Os eventos chegam a reunir até três mil pessoas, segundo os organizadores.
"O coronavírus nunca me afastou", anuncia um dos convites que se espalham em grupos de brasileiros nos arredores de Boston, nos EUA.
O chamado é para uma festas organizadas por DJs e produtores brasileiros em estacionamentos, terrenos vazios e postos de gasolina de cidades do Estado de Massachusetts.
Intensificados desde o início da pandemia em resposta a restrições impostas por governos locais a aglomerações, os eventos chegam a reunir até três mil pessoas, segundo os organizadores.
Em perfis de produtores em redes sociais, vídeos e fotos mostram multidões dançando em volta de caixas de som instaladas nos porta-malas de caminhonetes. A maioria dos frequentadores é jovem, não usa máscaras e ignora recomendações de distanciamento social.
Na última semana, os encontros ganharam atenção de jornais e televisões locais. Descritos como "superdisseminadores" do coronavírus, eles viraram tema de discussão nos gabinetes de prefeitos e mobilizam a polícia.
Desde o início de setembro, pelo menos dois brasileiros que participam dos eventos foram presos.
As aglomerações costumam acontecer em locais distantes dos centros de cidades como Everett Framingham, Saugus, Sommerville e Revere, todas nos arredores de Boston, onde se concentra a maior comunidade de brasileiros nos Estados Unidos.
"A preocupação é a aglomeração de pessoas sem máscaras e o fato de as pessoas estarem se comportando como se tudo estivesse normal. Estamos em meio a uma pandemia e a cidade de Everett é a quarta com mais contaminações no Estado", diz à BBC News Brasil a vereadora Stephanie Martins, que tem cidadanias brasileira e americana.
"Os números estão voltando a subir, porém dessa vez entre a população com menos de 60 anos, o que reflete uma correlação com tais eventos. E a comunidade acaba passando uma má impressão de desrespeito por parte do nosso povo."
"Desrespeito"
As festas foram tema da reportagem principal de um jornal da cidade de Everett, que fica a apenas 6 km de Boston, com o título "Um desrespeito".
O texto aponta que "as festas são principalmente destinadas à comunidade brasileira na região da grande Boston" e alerta que a cidade está classificada como "zona vermelha, o que não permite que os comércios e organizações da cidade possam evoluir para o estágio de reabertura".
Recentemente, parques da região voltaram a fechar por conta da alta no número de contaminações pelo coronavírus. Todas as escolas a região continuam fechadas e as aulas acontecem à distância.
Segundo as regras locais, reuniões em áreas abertas com mais de 50 pessoas estão proibidas e qualquer encontro deve respeitar regras de distanciamento e uso de máscara. A multa para quem desrespeita as regras pode chegar a US$ 490 (ou R$ 2.750).
A BBC News Brasil conversou com um dos divulgadores do chamado 'Baile do Monstro', um dos eventos organizados em estacionamentos que reúnem mais pessoas na região.
O jovem brasileiro tem milhares de seguidores nas redes sociais, onde divulga festas em locais públicos e privados e publica fotos nos eventos alvo de controvérsia.
"Eu não sei sobre esses eventos, apenas divulgo", disse o rapaz à BBC News Brasil. "Faço eventos privados. Nas ruas, apenas divulgo como todo mundo."
Quando questionado sobre as críticas e a falta de distanciamento e máscaras entre os presentes, o jovem deixou de responder às perguntas da reportagem.
Procurado, o prefeito de Everett, Carlo DeMaria Jr., disse à BBC News Brasil que "esses eventos vão contra as regras da cidade e do Estado".
"Não haverá tolerância em nossa comunidade para este tipo de evento ou festa. As polícias de Everett, do Estado e em nível federal estão trabalhado ativamente em conjunto para combater este assunto", disse DeMaria Jr.
'Car meetings'
Em nota, a polícia de Westborough, outra cidade da região, disse que "tem recebido diversas ligações com reclamações entre 1h e 3h da manhã. A principal reclamação é a música alta e aglomerações".
"Os eventos costumam reunir 100 pessoas e por volta de 40 ou 50 carros. Eles dispersam rapidamente quando chegamos"
A reportagem mapeou pelo menos 3 grupos de produtores brasileiros organizando eventos na região.
A origem dos encontros é antiga - e se baseia em uma cultura de "car meetings", ou encontros de carros, nos quais donos de carros esportivos se reúnem em postos de gasolina e exibem seus veículos embalados por caixas de som potentes e bebida.
Estes eventos são organizados em grupos fechados no Facebook e no WhatsApp.
Os organizadores costumam ganhar fama por meio da organização dos encontros gratuitos ao ar livre. Quando se tornam conhecidos, começam a promover eventos pagos em locais fechados.
Os episódios dividem a comunidade brasileira
"As festas dos hispânicos estão sempre lotadas e ninguém fala nada. Não dá para controlar o número de pessoas em evento ao ar livre, a festa é do povo", diz um mineiro em uma publicação em redes sociais sobre o tema.
"Que vergonha. É por isso que brasileiro tem estigma no exterior", diz uma moradora da área.
A vereadora Stephanie Martins diz que "a festa dos estacionamentos é totalmente fora dos padrões, com música, dança, bebida a céu aberto, e menores tendo acesso a tudo isso e sem nenhuma proteção".
"A mensagem é que a pandemia ainda não acabou. E se queremos voltar a normalidade mais rápido, precisamos colaborar e evitar eventos de aglomeração e usar as nossas máscaras. Quanto mais pessoas respeitarem as regras, mais rápido sairemos de tudo isso. Vamos mandar uma mensagem positiva de que a nossa comunidade é um povo consciente e que queremos ser um exemplo positivo na nossa cidade", diz.