EUA: organizadora fará novo concurso de caricaturas de Maomé
Evento realizado na cidade de Dallas sofreu ataque no domingo
Na noite do último domingo, um concurso de caricaturas do profeta Maomé no subúrbio da cidade de Dallas, no Estado americano do Texas, foi alvo de um ataque frustrado que terminou com a morte de dois suspeitos e um agente de segurança ferido.
Embora a polícia tenha identificado os suspeitos mortos e continue investigando o incidente, esta não é a primeira vez que a organizadora do evento, Pamela Geller, se vê no centro do noticiário. A blogueira conta com uma legião de seguidores nas mídias sociais e comanda uma entidade acusada de ser um dos grupos mais anti-islâmicos dos Estados Unidos, além de ser vista por críticos como um propagadora de mensagens de ódio.
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Com mais de 63,7 mil seguidores no Twitter, Geller é uma ex-analista financeira de origem judaica e líder da organização American Freedom Defense Initiative (AFDI), que organizou o evento alvo do ataque de domingo. Na ocasião, foi promovido um concurso que premiava com US$ 10 mil o autor da melhor caricatura do profeta Maomé.
De acordo com os preceitos islâmicos, retratar a figura humana e a do profeta é um ato blasfemo. A publicação de imagens de Maomé foi usada como justificativa pelos extremistas que atacaram o jornal satírico francês Charlie Hebdo, em um atentado que deixou 12 mortos em Paris em janeiro deste ano.
Mas Geller não parece estar preocupada com eventuais retaliações por parte de extremistas muçulmanos e afirmou em entrevista à BBC Brasil que pretende organizar novos concursos retratando o profeta islâmico.
"Preciso fazê-lo. É crucial agora mais do que nunca se posicionar contra a intimidação violenta e não seremos silenciados. Sei que o Islã considera retratar Maomé algo blasfemo. Mas sei também que não sou muçulmana", afirma.
"Será que eu e outros não-muçulmanos é que devemos acatar as leis de blasfêmia da sharia? Ou os muçulmanos é que devem aprender a tolerar a ideia de serem ofendidos dentro de uma sociedade pluralista, como todos nós fazemos", pergunta.
Histórico de polêmicas
A polêmica em torno das caricaturas de Maomé está longe de ser a primeira na qual Geller e sua organização se colocaram em rota de choque com a comunidade muçulmana americana.
Há uma semana, a AFDI ganhou autorização judicial para divulgar no transporte público de Nova York uma série de cartazes bastante controversos. Um deles traz a foto de um suposto militante do grupo palestino Hamas que afirma que "matar judeus é um ato de adoração que nos aproxima de Alá''. Outro cartaz traz a imagem de um homem-bomba fazendo uma defesa de ataques armados em nome do islamismo.
A campanha já foi exibida em outras cidades americanas, como San Francisco e Chicago, mas havia despertado a oposição do próprio Sistema Metropolitano de Transporte de Nova York.
'Despertar consciência'
Geller afirmou que o objetivo das campanhas de sua entidade é "despertar consciência sobre a natureza e a magnitude da ameaça jihadista e do antissemitismo islâmico, levando a políticas públicas mais realistas e coerentes contra ambos".
Ela rejeita acusações de que as ações da AFDI visem incitar o medo, como acusam alguns de seus detratores. "Judeus na Europa estão cada vez mais ameaçados. Há inúmeros relatos que mostram que muitos nem sequer ousam usar algo em público que possa identificá-los como judeus. Apontar as causas desse fenômeno não significa incitar o medo. É criminoso ignorar e ofuscar tais causas'', disse.
Em outras declarações à imprensa após o atentado de domingo, ela afirmou ainda que o concurso contou com "mais de 300 inscrições" e acrescentou que "curiosamente um ex-muçulmano foi o vencedor".
'Anti-islâmico'
A organização não-governamental Southern Poverty Law Center, que mapeia as atividades de grupos considerados extremistas nos Estados Unidos, diz que a American Freedom Defense Initiative é um ''grupo anti-islâmico ativo''.
A entidade islâmica Center for American Islamic Relations (Cair) classifica a American Freedom Defense Initiative como um entre 37 grupos ativos nos Estados Unidos ''cuja principal atividade é promover o preconceito contra o Islã''.
Geller se projetou a partir de 2010, após ter liderado uma campanha contra a construção de uma mesquita perto do complexo erguido no local que abrigava as torres do World Trade Center. Em seu blog, ela chegou a afirmar: "O que poderia ser mais insultuoso e monstruoso do que uma mesquita à sombra dos edifícios do World Trade Center derrubados por um ataque islâmico?".
Indagada pela BBC Brasil se as campanhas da AFDI não fariam uma generalização de muçulmanos como sendo extremistas, Geller rechaçou a ideia. "Por favor especifique onde nosso anúncio diz algo sobre muçulmanos de modo geral ou faz qualquer generalização.''
De acordo com ela, a "a reação aos meus anúncios é sempre desproporcional. As elites da mídia não suportam quando são ditas verdades que elas tentam ocultar".
Corey Saylor, diretor do Departamento de Monitoramento e Combate à Islamofobia da Cair, disse à BBC Brasil que a entidade usou ativamente as redes sociais após o anúncio do concurso de caricaturas de Maomé pela AFDI para pedir que muçulmanos, em vez de reagir, ignorassem o evento.
"Nossa mensagem foi que a melhor postura era ignorar. O melhor a fazer é ignorar grupos que gritam coisas horríveis e violentas enquanto estão sentados num sofá'', afirmou.
Mas Geller disse, por ocasião dos anúncios postados no transporte público de grandes metrópoles americanas, que "foi inundada com mensagens de apoio e gratidão'' via redes sociais. De fato, na web, a ativista é capaz de angariar tanto mensagens de apoio entusiástico como também é alvo de pesadas críticas.
Em um artigo que foi muito retuitado, o rabino Rick Jacobs, que preside a Union for Reform Judaism, uma das maiores entidades judaicas dos Estados Unidos, afirmou que Geller é constantemente descrita pela mídia como sendo ''pró-Israel'', mas que "ao fazê-lo, implica-se que a linguagem e táticas inaceitáveis usadas por Geller - que borram o Islã com um pincel amplo - estão centradas na comunidade judaica."
Para Geller, o que "ela faz, o que ela representa, não tem lugar em uma comunidade judaica que é construída em ideais de tolerância e compreensão''. Muitos dos defensores da blogueira, entretanto, qualificam-na como "uma heroína'' ou a ''candidata em quem eu votaria para presidente''.
O escritor e apresentador de rádio conservador Ben Shapiro afirmou em outro tuíte bastante compartilhado que "todos os que condenaram o evento de Pamela Geller (o concurso de caricaturas de Maomé) não deram a mínima para (condenar o)Charlie Hebdo. Eles estavam só fingindo, meus amigos.''
O comentário reforça ideias defendidas pela própria Geller em entrevista à BBC Brasil. "A Charlie Hebdo foi identificada com a esquerda política. Eu sou identificada com a direita política. Mas não há nada de direita em defender a liberdade de expressão, a liberdade de consciência e a igualdade de direitos perante lei e os direitos individuais. Mas é por isso que as elites da mídia não me suportam."