Obama convoca país a reagir com lucidez frente a racismo e posse de armas
O presidente Barack Obama convocou o país, nesta sexta-feira, a reagir com lucidez diante do racismo e na questão da posse de armas, em um inflamado discurso em Charleston, concluído entoando o canto "Amazing Grace", acompanhado de milhares de pessoas.
Ao advertir que o país não poderia se deixar, mais uma vez, "afundar em um cômodo silêncio" - depois do ataque cometido por um supremacista branco, que matou nove fiéis negros -, o presidente pediu aos compatriotas que assumam "as verdades que incomodam".
O "pastor presidente", como chamou um dos presentes, prestou homenagem ao pastor Clementa Pinckney, simbólica figura da comunidade negra local.
O pastor negro foi assassinado junto com oito de seus fiéis, em uma chacina que chocou o país.
Diante de milhares de pessoas reunidas no centro desta pequena cidade da Carolina do Sul, o primeiro presidente negro da história americana saudou a memória de Pinckney, "um homem de Deus, um homem que acreditava em dias melhores".
"Cego pelo ódio, o suposto assassino não pôde ver a graça que o reverendo Pinckney irradiava", disse Obama sobre o pastor, a quem conhecia pessoalmente.
Assim como o pastor, as vítimas integravam um grupo de estudos bíblicos que foi alvo, em 17 de junho, na histórica Igreja Metodista Africana Episcopal Emanuel, da ira de Dylann Roof, de 21 anos. Segundo suas próprias palavras, o jovem queria dar início a uma "guerra racial".
Formalmente acusado de nove homicídios, Roof está isolado em uma prisão de North Charleston.
"Rezamos pela paz, para sarar nossas feridas", declarou no início da cerimônia John Bryant, bispo da Igreja Episcopal Metodista Africana, aplaudido pela multidão.
"Ele queria iniciar uma guerra racial, mas veio ao local errado", declarou o bispo.
Sob um sol escaldante, longas filas se formaram rapidamente pouco antes da cerimônia na sede da Universidade de Charleston, a poucos passos da igreja Emanuel.
"Estamos muito emocionados" pelo grande apoio, explicou Tamara Bostick-Baker, prima do pastor Pinckney.
"Querido papai, sei que te mataram na igreja e que você partiu para o paraíso. Te amo", escreveu, a mais nova das duas filhas do pastor.
"Sabemos que sua vida foi de serviço. Serviu para nós e mudará para sempre a forma de ver o mundo", escreveu sua esposa, Jennifer.
Desde quinta-feira, muitas pessoas começaram a chegar em Charleston para os primeiros funerais.
Além de Obama e de sua mulher Michelle, também compareceram à cerimônia o vice-presidente Joe Biden e vários legisladores do Congresso.
Um dos piores da história recente dos Estados Unidos, o crime abalou o país e reavivou o debate sobre dois temas bastante sensíveis na sociedade americana: a latente tensão racial e a legislação sobre posse de armas de fogo.
A governadora da Carolina do Sul, a republicana Nikki Haley, pediu no início da semana a retirada da polêmica bandeira confederada, hasteada na frente do Capitólio estadual.
Hoje, o presidente Obama declarou que a dor causada pela bandeira confederada, símbolo para muitos americanos do passado racista dos Estados Unidos, foi por muito tempo ignorada.
"Claro que não foi a bandeira que provocou este ataque, mas (...) a bandeira sempre representou mais do que o orgulho ancestral... para muitos, negros e brancos, esta bandeira é uma recordação da opressão sistemática e da subjugação racista", acrescentou.
"Por muito tempo, ignoramos o peso das injustiças do passado", afirmou.
"Por muito tempo, ficamos cegos diante da dor que essa bandeira confederada causa em várias cidades", insistiu.
Ele considerou que remover as estrelas e as barras da bandeira em questão não seria "um insulto ao valor dos soldados confederados, seria simplesmente um reconhecimento de que a causa pela qual eles lutaram, a causa da escravidão, estava errada".
"Quaisquer que sejam as soluções, elas serão necessariamente incompletas, mas, ficarmos em silência de novo, seria trair tudo pelo que o reverendo Pinckney lutou", destacou Obama.
O chefe de Estado americano também denunciou o "caos" criado pelas armas de fogo nos Estados Unidos e apelou para uma verdadeira reflexão sobre esse tema.
"Nós estivemos cegos para o caos que a violência armada inflige sobre esta nação", disse Obama. "A grande maioria dos americanos, a maioria dos proprietários de armas quer fazer algo sobre isso", ressaltou.
Ele concluiu seu discurso, entoando - inicialmente sozinho e, depois, a capela - o cântico "Amazing Grace", um hino cristão muito popular nos Estados Unidos.
Obama se referiu a outros tiroteios em massa que chocaram o país - o massacre na escola de Newtown em 2012, as mortes em um cinema no Colorado naquele ano - e reconheceu que apenas os controles mais rígidos sobre as armas não foram suficientes para impedir tais tragédias.
Atualmente, o presidente parece não ter ilusões sobre a possibilidade de um avanço no Congresso nesse tema antes de sua saída da Casa Branca, em janeiro de 2017.