Obama, Lula e Sarkozy são modelos do século 21, diz especialista
Eduardo Graça
Direto de Nova York
Vice-Presidente do think-thank Public Agenda e autor de Forgive Us Our Debts: The Intergenerational Dangers of Fiscal Irresponsibility, publicado nos Estados Unidos pela editora da Universidade de Yale, Andrew L. Yarrow defendeu, em artigo publicado na página de opinião do The Baltimore Sun, que a apologia da impossibilidade funcional dos governos está com os dias contados. E que um trio de líderes - formado pelo recém-eleito Barack Obama, o presidente francês Nicolas Sarkozy e o brasileiro Luiz Ignácio Lula da Silva - representam a ascendência, no mundo ocidental, do idealismo, do ativismo e da cooperação supra-partidária sobre o unilateralismo, a política mais convencional e o apadrinhamento de aliados característico da administração Bush.
Professor da American University e consultor do centrista Brookings Institution, Yarrow vai além e propõe o estabelecimento de uma nova era, calcada na imagem dos presidentes de Brasil, França e EUA. "Prestando atenção no simbolismo político dos três estadistas, vê-se que o mundo democrático está entrando em um novo período, tão definitivo e transformador quanto o pacto social-democrático de Franklin Delano Roosevelt após a Segunda Guerra Mundial, o chamado Consenso Liberal, ou a Ascensão Conservadora das últimas três décadas, marcadas pelas políticas de Ronald Reagan e Maragareth Thatcher", escreve.
Para o historiador, que deixou a reportagem do The New York Times para investir na vida acadêmica, completando a pós-graduação Universidade de Harvard e trabalhando no governo Bill Clinton, o comprometimento com a Justiça Social dos três líderes está um passo à frente da Terceira Via de Clinton e Tony Blair, representada no Brasil pelo governo de Fernando Henrique Cardoso. O cerne do sucesso dos três líderes, diz Yarrow, está na idéia de compaixão social condicionada à responsabilidade pessoal - no Brasil, com as contrapartidas exigidas pelo Bolsa Família, nos EUA, com o discurso de Obama voltado para o ativismo social dos mais abastados e a necessidade de a comunidade afro-americana voltar a investir nos valores de fortalecimento familiar - e em uma visão internacionalista comprovada pela movimentação de Paris e Brasília durante a mais recente crise no Oriente Médio, trabalhando ativamente por uma trégua entre Israel e os palestinos.
O Terra conversou com o professor da American University sobre sua previsão de que os próximos anos no mundo ocidental serão moldados pela ação de Lula, Obama e Sarkozy. Yarrow só não quis emitir opinião sobre a sucessão presidencial no Brasil, tema que acompanha de longe e com enorme atenção - a se julgar por seus questionamentos sobre a possível candidatura da ministra Dilma Roussef em 2010.
O senhor diz que o Lula, Obama e Sarkozy desafiam, cada um a seu modo, a política convencional. Pode explicar melhor esta sua observação?
Lula, Obama e Sarkozy são, os três, líderes políticos pós-partidários. Eles combinam um comprometimento com a inclusão e a justiça social com um crescimento econômico que beneficie ao mesmo tempo trabalhadores e empresários. Eles refutam os moribundos modelos advindos do "Consenso de Washington", o capitalismo neo-liberal pós-Reagan e Thatcher, calcado na desregulamentação dos mercados. Mas também não são estatizantes per se, não se aproximam de modelos socialistas tal qual os conhecemos. Lula com o PT, Obama com os Democratas, e Sarkozy com os gaullistas e os democrata-cristãos, estabeleceram rupturas com as culturas políticas mais características de seus grupos partidários.
O senhor fala do Consenso Liberal dos anos 30 e da Revolução Conservadora dos 70-80. O que esperar da era de Lula-Obama-Sarkozy?
A era de Lula-Obama-Sarkozy é marcada por um retorno, em âmbito interno, das políticas de crescimento econômico emparelhadas com a busca de Justiça Social. Os três também representam, não apenas através de seus atos, mas por suas próprias trajetórias de vida, um mundo mais multi-cultural, mais globalizado. Em política externa, talvez menos com Obama, embora ele tenha se comprometido com a tese durante a campanha eleitoral, os três são arquitetos de um novo internacionalismo, que acredita na intervenção em casos de emergências humanitárias, em casos de genocídio e grandes epidemias, por exemplo.
O senhor diz também que os três são "figuras ultra-públicas". Pode explicar melhor esta idéia?
Lula, Obama e Sarkozy são três figuras extremamente carismáticas. E, embora manchados um pouco por problemas relacionados às suas atividades pessoais, especialmente o líder francês, os três restauraram a fé na vida pública e fizeram com que os cidadãos de seus países acreditassem na eficácia do governo novamente. Obama e Lula, particularmente, inspiram esperança e conseguiram trazer para o tabuleiro político parcelas do eleitorado que não tinham voz em seus respectivos países. E os três são figuras públicas dispostas a atos dramáticos, que chamam atenção para aspectos críticos tanto de situações internas quanto de crises internacionais.
Quando o senhor fala de Lula em seu artigo, um dos destaques é a noção de 'responsabilidade condicional' colocada novamente na mesa a partir da fórmula do Bolsa Família. Por que acredita que este aspecto é tão fundamental na consolidação do fenômeno Lula?
É a idéia de que, não esquecendo que o governo deve ajudar a incrementar o bem-estar da população, e provê-los segurança, os indivíduos devem assumir uma maior responsabilidade pessoal pelas suas vidas. Lula e Obama defendem um novo contrato social - diferente tanto do liberal do pós-guerra quanto do consenso conservador dos anos 80 - que oferece um balanço entre as responsabilidades do Estado e as do cidadão comum.
Como o senhor definiria cada um destes três líderes que, de acordo com o senhor, estariam redefinindo ideologicamente o mundo ocidental?
Lula, Obama e Sarkozy são homens que chegaram à liderança política emergindo de áreas distantes das elites tradicionais de Brasil, Estados Unidos e França. Eles chegaram ao poder através de seu carisma, da capacidade de fazer com que a população acreditasse em seus esforços em relação a melhoria da vida em seus países, e da coragem de abraçarem novas filosofias, calcadas em extraordinária capacidade de organização e mobilização política.