Política de deportação de Trump é crime contra humanidade e pode gerar sanções ao EUA, dizem especialistas
Média de deportações por semana aumentou 51% no segundo mandato do presidente republicano
Donald Trump prometeu a "maior operação de deportação da história americana" e parece que está disposto a cumprir a qualquer custo. Em 10 dias de governo, imigrantes foram transportados algemados e em condições precárias, houve caça de moradores ilegais de porta em porta em Chicago e muito pânico instaurado.
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Em apenas cinco dias, entre 23 e 28 de janeiro, o Serviço de Imigração e Controle de Alfândega (ICE) prendeu 4.521 imigrantes indocumentados, um aumento de 51% na média semanal de detenções.
A nova fase da repressão migratória corrobora o discurso endurecido de Trump sobre imigração ilegal adotado por Trump desde a campanha eleitoral. Após vencer a democrata Kamala Harris, o republicano nomeou Tom Homan como seu "czar da fronteira" --que declarou que pretende iniciar uma política de "choque e pavor".
A postura agressiva do governo Trump 2.0 difere da adotada durante o primeiro mandato, quando 2 milhões de pessoas foram deportadas ao todo. A média semanal do primeiro ano, segundo o ICE, ficou em 3 mil.
Em termos de comparação, o governo de Barack Obama retirou 5 milhões de imigrantes ilegais entre 2009 e 2016, de acordo com Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos.
A principal diferença está na abordagem. Enquanto Obama priorizava criminosos condenados -- que representaram 91% das deportações em 2015 --, Trump eliminou essas restrições, permitindo que trabalhadores sem antecedentes fossem removidos.
Radicalização de Trump
De acordo com Priscila Caneparo, doutora em direito internacional e professora da Universidade Católica de Brasília, estamos diante de um "Trump radicalizado", e esse comportamento se reflete principalmente no apoio que o republicano recebe de diferentes frentes, como o Congresso e as big techs. "Ele conta com o apoio do Congresso, e seu discurso ganhou força dentro do Partido Republicano", explica a especialista ao Terra.
Caneparo destaca que, ao contrário de seu primeiro mandato, quando o Partido Republicano estava dividido e havia resistência interna às suas ideias, hoje Trump domina a sigla, além de ter maioria na Câmara e no Senado. Além disso, as grandes empresas de tecnologia, que têm muito poder econômico e influência política, também se alinham com suas políticas.
"Elon Musk, por exemplo, tem interesses alinhados com a extrema direita, o que explica seu apoio ao governo Trump", analisa. Segundo ela, as big techs não apenas influenciam a política migratória, mas também moldam decisões governamentais, ao atuar como "atores internacionais", com enorme poder de pressão sobre as decisões políticas e econômicas dos Estados Unidos.
Durante campanha, o novo presidente dos EUA afirmou que pretende deportar de 15 a 20 milhões de pessoas. No entanto, atualmente, cerca de 11 milhões de imigrantes ilegais vivem nos EUA, segundo o Pew Research. Conforme a pesquisadora, além do show midiático, Trump também está vislumbrando explusar imigrantes com vistos para trabalho.
A professora explica que, no fundo, Trump está respondendo às expectativas de seu eleitorado e que a deportação em massa dos migrantes não será, de fato, uma prioridade. "Esse tipo de discurso serve para chocar e fortalecer sua posição entre os eleitores, mas, na prática, ele sabe que a economia dos Estados Unidos depende desses migrantes", observa Caneparo.
Conforme o Pew Research, os imigrantes ilegais representam 4,8% da força de trabalho dos EUA. Ao todo, 8,3 milhões estão empregados.
Tolerância zero
A principal diferença entre Trump e os outros presidentes, segundo Caneparo, é a abordagem implacável do ex-presidente para com a imigração. "O Trump adotou uma política de 'tolerância zero', onde não há espaço para humanização. A deportação é realizada em massa, e a separação de famílias é um reflexo disso", aponta a especialista.
Esse método de deportação em massa, que não respeita o devido processo legal, é, segundo a especialista, um crime contra a humanidade, conforme previsto no Estatuto de Roma, do Tribunal Penal Internacional. A especialista também destaca o envolvimento de agências locais, como o ICE, e a uso das forças policiais para a captura e deportação de imigrantes.
Priscila Caneparo ainda destaca um ponto alarmante da política de Trump: a separação de famílias, uma prática que causou indignação em diversas organizações internacionais e ONG’s. "As crianças ficam em abrigos que mais parecem centros de detenção, com relatos de maus-tratos, como a falta de cuidados e a condição precária desses locais", destaca.
Possíveis represálias
Além da deportação em massa, o tratamento dos imigrantes tem se tornado pauta internacional. No Brasil, os deportados desceram em território brasileiro ainda algemados, alegando abusos e humilhações por parte das autoridades norte-americanas.
Segundo Manuel Furriela, professor de Direito Internacional da Escola Paulista de Direito, caso comprovado, tal tratamento fere, legalmente, um tratado firmado entre o ex-presidente Michel Temer e Trump de deportações facilitadas. "Para que os brasileiros que ficassem ilegais nos Estados Unidos e fossem capturados pelas autoridades não ficassem muito tempo aguardando a resolução da sua situação, ou seja, a agilidade na deportação para que voltassem o mais rápido possível ao Brasil", relembra.
"Esse tratado exige respeito aos padrões mínimos de dignidade da pessoa humana e de direitos humanos. Então, questões que envolvam desrespeito, tortura, questões que envolvam tratamento degradante estão proibidas por esse tratado", elaborou Furriela.
Priscila Caneparo ainda aponta que as decisões de Trump expõem o governo dos Estados Unidos a possíveis represálias no cenário internacional: “A separação de famílias e o tratamento desumano de imigrantes podem gerar sanções ou pressões por parte de organismos internacionais.”
Com isso, ela avalia que a maior probabilidade é que os EUA sejam responsabilizados na Corte Internacional de Justiça. Contudo, para cumprir o direito internacional, os países da América Latina precisariam se unir. "Tendo como retaguarda um grande ator que é a China, justamente, para fazer uma pressão."