Sony cancela estreia de 'A Entrevista' por medo de ataques
Filme com o líder norte-coreano como protagonista gerou debate sobre o filme chegou à Casa Branca
O ataque cibernético que forçou a Sony Pictures a anunciar, nesta quinta, o cancelamento do lançamento do filme A Entrevista está sendo encarado pelos EUA como uma ameaça à segurança nacional, diz o governo americano.
O episódio, que primeiro chamou a atenção do público por envolver fofocas hollywoodianas reveladas nos e-mails do estúdio, cresceu a ponto de chamar atenção em Washington.
O porta-voz da Casa Branca Josh Earnest disse que os EUA acreditam que o hackeamento foi obra de um "agente sofisticado" - mas recusou-se a confirmar suspeitas de que a Coreia do Norte esteja por trás do caso.
A comédia A Entrevista aborda um plano fictício para assassinar o presidente norte-coreano, Kim Jong-un.
Nos últimos dias, a Sony, produtora do filme, foi alvo de uma onda de divulgação de e-mails e documentos com conversas e informações sobre atores e outros famosos, causando uma saia-justa no estúdio. Além disso, hackers ameaçaram atacar cinemas e deixar o mundo "repleto de medo" caso o filme fosse lançado, evocando os ataques de 11 de Setembro.
Earnest afirmou que autoridades americanas têm debatido diariamente o ataque à Sony e estão avaliando "uma resposta apropriada".
'Precedente'
Na internet, críticos de Washington e estrelas de cinema condenaram o recuo da Sony.
"A América perdeu sua primeira ciberguerra", escreveu o ex-congressista republicano e atual comentarista Newt Gingrich. "É um precedente muito, muito perigoso."
"Um dia triste para a expressão criativa", tuitou o ator Steve Carell (de The Office), cujo filme ambientado na Coreia do Norte também foi abandonado pouco depois do cancelamento da estreia de A Entrevista.
A decisão da Sony foi "covarde", tuitou o editor de cultura do site Vox, Todd VanDerWerff. E a Weekly Standard até escreveu um editorial alegando que o cancelamento "pode ser - a não ser que mudemos de curso de modo fundamental - um sinal de colapso da coragem civilizatória".
Até o escritor brasileiro Paulo Coelho se ofereceu, pelo Twitter, a pagar US$ 100 mil pelos direitos do filme para divulgá-lo na internet.
Mas houve também quem minimizasse o impacto do episódio e até defendesse a Sony.
Para o colunista da Bloomberg View Stephen L Carter, a Sony não teve escolha senão prezar pela segurança - e pelas suas finanças: "Donos de cinema estão imaginando que, se A Entrevista estiver passando em suas salas, os espectadores passarão longe."
A divulgação do filme não valia o risco, opinou Steve Kovach, da Business Insider.
"Sabemos que esses hackers são organizados", escreveu. "Mas não sabemos o quanto. Por que arriscar, independentemente de quão tola pareça a ameaça?"
Papel do governo
Na New York Magazine, Jonathan Chait escreveu que a Sony esteja longe de ser um exemplo de coragem, não tem culpa no cartório.
"A Sony é uma empresa que busca o lucro, e sequer é uma empresa americana", argumentou. "Não cabe a empresas pró-lucro a defesa comum. E reconhecer que a ameaça a um filme da Sony é na verdade uma ameaça à liberdade da cultura americana deve nos levar a uma solução pública, em vez de privada."
John Nolte, do site Breitbart, chamou o recuo da Sony de "tático" - de forma a preservar seu filme como um produto viável.
"Quando o governo tiver feito seu trabalho (de proteger a população das ameaças), aí sim será moralmente necessário que a Sony e Hollywood revidem a Coreia do Norte - tomara que com uma sátira devastadora", escreveu.
Alguns também duvidam que a ameaça dos hackers seja para valer.
"A habilidade de roubar e-mails com fofocas de um computador não tão bem protegido não é o mesmo que levar a cabo um ataque físico ao estilo de 11 de Setembro, em 18 mil lugares (em referência às salas de cinema) simultaneamente", disse o especialista em segurança cibernética Peter W Singer à revista eletrônica Vice.
No fim das contas, escreveu Adam Sternberh na Vulture, a decisão da Sony pode não ser tanto uma concessão a ameaças, mas sim um cansaço dos executivos do estúdio.
"Em um determinado ponto, dado o dano causado em relações, a revelação de práticas corporativas, processos judiciais dos próprios empregados, potenciais pesadelos quanto à responsabilidade (sobre o filme)", A Entrevista simplesmente deixou de valer tamanho esforço, argumentou.
Se os americanos querem ficar bravos com algo, ele diz, devem se preocupar menos com ameaças de hackers desconhecidos e mais com o fato de estúdios de cinema estarem menos interessados em buscar os limites da sátira política.