Torturas da CIA incluíam afogamento e hidratação retal
O relatório do Senado acusa a CIA de submeter prisioneiros da guerra em "técnicas de interrogatório", que incluíam lançá-los contra paredes e banhos gelados
As chamadas "técnicas de interrogatório" da CIA incluíam simulação de afogamento, privação do sono, golpes, ameaça psicológica e até hidratação retal, revela o documento divulgado nesta terça-feira pela comissão de Inteligência do Senado.
O relatório acusa a CIA de submeter prisioneiros da guerra contra o terror a "técnicas reforçadas de interrogatório", que incluíam ainda lançá-los contra paredes, banhos gelados, tapas na cara e socos na barriga.
Segundo o documento, a "técnica da parede" (walling) consiste em colocar o prisioneiro diante de uma parede, contra a qual ele é lançado violentamente pelo interrogador.
Khaled Cheikh Mohammed, o suposto cérebro dos atentados de 11 de setembro de 2001, foi submetido a este método, assim como a técnica do "submarino", que simula afogamentos, e à privação de sono.
Na privação de sono, o detento era mantido acordado por até 180 horas, ou "sete dias e meio", em uma posição particularmente incômoda: "de pé, com as mãos sobre a cabeça" ou acorrentados e amarrados ao teto, revela o documento do Senado.
Abu Zubeida, um palestino capturado em março de 2002 no Paquistão, foi o primeiro prisioneiro da CIA a ser submetido a "técnicas reforçadas" de interrogatório. Esteve, por exemplo, encerrado em uma cela iluminada 24 horas.
O relatório informa ainda que entre junho e agosto de 2002, Abu Zubeida foi "isolado durante 47 dias sem ser interrogado", e que sofreu uma técnica de confinamento ainda mais dura: foi colocado em uma espécie de caixão durante 266 horas, e em uma caixa ainda menor, durante 29 horas, enquanto era interrogado.
Em um centro de detenção conhecido como "COBALT", um preso podia ser mantido na escuridão total, de pé, nu e com as mãos sobre a cabeça.
Os prisioneiros também eram submetidos regularmente a duchas ou banhos de água gelada.
A simulação de afogamento (waterboarding) é, talvez, a técnica mais tristemente célebre. O preso era mantido amarrado a um banco inclinado, enquanto o interrogador lhe jogava água pelo nariz e a boca, durante 20 a 40 segundos, impedindo o interrogado de respirar.
A operação era repetida a cada três ou quatro respirações. Cheikh Mohammed foi vítima desta "técnica" em 183 oportunidades. Em março de 2003, sofreu cinco interrogatórios com afogamento durante 25 horas.
O "waterboarding" provocava vômitos e convulsões e Abu Zubeida, submetido a esta "técnica", sofreu uma crise de "histeria" e durante certo tempo foi "incapaz de se comunicar".
Segundo o relatório, ao menos cinco presos foram submetidos a "reidratações retais" e em um caso os torturadores aplicaram alimentação pelo reto.
Entre as ameaças psicológicas, as mais comuns envolviam familiares das vítimas, especialmente mulher e filhos, mas algumas advertiam sobre o estupro da mãe.
Bush sabia de torturas da CIA
O presidente George W. Bush foi informado, em abril de 2006, que a CIA tinha prisões secretas nas quais torturava prisioneiros, há quatro anos, para obter informações na chamada guerra contra o terror, revela um relatório do Senado publicado nesta terça-feira.
Segundo o documento, a CIA revelou a Bush o emprego destas "técnicas" de interrogatório no dia 8 de abril de 2006, após enviar memorandos confidenciais ao departamento de Justiça sobre o mesmo programa em 2002 e 2005.
O então presidente republicano manifestou seu repúdio ao ver "a imagem de um preso acorrentado ao teto usando uma fralda, obrigado a fazer suas necessidades nela", revela a página 40 do relatório enviado à comissão de Inteligência do Senado.
No dia 8 de abril, no Salão Oval, o então diretor da CIA, Porter Goss, explicou ao presidente as sete técnicas utilizadas e mostrou a imagem de um preso submetido a elas. Foi quando o presidente mostrou sua repulsa.
Na introdução do documento, a senadora Dianne Feinstein, líder do Comitê de Inteligência, não deixou dúvidas sobre o resultado das investigações: "É a minha conclusão pessoal que, em qualquer acepção do termo, os presos da CIA foram torturados".
O documento de 525 páginas, que inclui parágrafos inteiro cobertos por tinta preta para proteger informações confidenciais, é um resumo da versão de 6.000 páginas mantida em sigilo, e que diz que a CIA impediu o Congresso e a Casa Branca a terem acesso às informações sobre o ocorrido e mentiu às autoridades.
O documento também acusa a CIA de ter apresentado "informação incorreta" entre 2002 e 2007 ao Departamento de Justiça sobre o alcance e os efeitos da tortura, assim como impedir que o Congresso pudesse supervisionar a aplicação deste método de interrogatório.
A própria administração do programa de interrogatórios por parte da CIA "complicou e, em alguns pontos, impediu" a ação de outros departamentos do Poder Executivo. A agência "impediu a supervisão pela Casa Branca e a tomada de decisões".
Um parágrafo do informe também destaca que "a CIA coordenou o vazamento de informação secreta para a imprensa, inclusive informação incorreta sobre a eficácia" dos interrogatórios sob tortura.
Pouco depois de divulgado o documento, o presidente Barack Obama publicou uma nota na qual afirmou que a tortura era "contrária aos nossos valores".
O governo que precisou planejar uma resposta aos ataques de 11 de setembro de 2001 enfrentou "escolhas difíceis", disse Obama.
"Como já disse antes, nossa nação fez muitas coisas bem nestes anos difíceis. Mas ao mesmo tempo, algumas ações tomadas eram contrárias aos nossos valores", afirmou.
Por isso, acrescentou, "proibi a tortura quando assumi a Presidência".
O diretor da CIA, John Brennan, insistiu nesta terça-feira em que a aplicação de métodos brutais de interrogatório ajudaram a prevenir atentados.
Ele admitiu que erros foram cometidos, mas acrescentou que a revisão dos métodos iniciada pela própria CIA chegou à conclusão de que estes interrogatórios brutais "produziram informação de inteligência que ajudou a impedir ataques, capturar terroristas e salvar vidas".
Ex-agentes da CIA denunciaram que o relatório foi "afetado por erros e interpretações totalmente contrários à realidade" e destacaram que, de fato, "o programa permitiu a captura dos principais líderes da Al-Qaeda e ajudou a encontrar, inclusive, Osama bin Laden".
Segundo os ex-agentes, centenas de memorandos "oficiais" confirmam que a Casa Branca e os líderes do Congresso conheciam o alcance do programa secreto e estavam envolvidos, desde o princípio, no programa de interrogatórios".
O grupo garante que oito líderes do Congresso foram amplamente informados sobre o programa. "As reuniões eram detalhadas e suas reações iam desde a aprovação a nenhuma objeção contra métodos mais agressivos".
Dirigentes do opositor Partido Republicano questionaram a conveniência da divulgação e o custo excessivo do informe (US$ 40 milhões) para os contribuintes americanos.
As embaixadas dos Estados Unidos amanheceram em alerta máximo por possíveis represálias antes da divulgação dessa investigação.
O secretário americano de Defesa, Chuck Hagel, também informou que as forças militares do país se encontram em "estado de alerta máximo". "Ordenei aos comandantes que fiquem em estado de alerta máximo em todo o mundo", disse Hagel em declarações à imprensa durante uma visita inesperada a Bagdá.
Ele ressaltou que até o momento não foram identificadas ameaças concretas.