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A vida oculta dos britânicos que integravam grupo neonazista proibido no Reino Unido

Ação Nacional, primeiro grupo de extrema-direita banido do Reino Unido desde a Segunda Guerra Mundial, continua sendo uma ameaça, de acordo com as autoridades.

16 nov 2018 - 06h39
(atualizado às 10h47)
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Thomas segura um facão vestido com o traje característico da Ku Klux Klan
Thomas segura um facão vestido com o traje característico da Ku Klux Klan
Foto: W MIDS CTU / BBC News Brasil

A casa de Adam Thomas e Claudia Patatas parecia um lar como outro qualquer. O casal vivia com o filho recém-nascido em uma área tranquila do condado de Oxfordshire, a oeste de Londres, no Reino Unido.

Mas dentro da residência se escondia algo desconcertante: havia diversos tipos de armas, suásticas decorando os ambientes, insígnias da Ku Klux Klan (KKK) e um pôster do grupo neonazista britânico Ação Nacional que dizia: O Reino Unido é nosso, o resto deve sair".

Thomas e Patatas estão entre os condenados recentemente por pertencer à Ação Nacional, grupo extremista banido em 2016 do Reino Unido sob a lei antiterrorismo, após celebrar o assassinato da deputada trabalhista Jo Cox.

O jornalista da BBC News Daniel De Simone estava investigando o grupo, que desde sua proibição se reinventou com vários codinomes.

Agora que os julgamentos de seus membros terminaram, a BBC pode revelar detalhes sobre alguns dos integrantes-chave da organização, que se autodenominava "jihad branca" e se tornou o primeiro grupo de extrema direita banido do Reino Unido desde a Segunda Guerra Mundial.

Adam Thomas com o filho nos braços
Adam Thomas com o filho nos braços
Foto: W MIDS CTU / BBC News Brasil

O casal com segredos sombrios

Adam Thomas, de 22 anos, trabalhava como vigia. Sua companheira, a portuguesa Claudia Patatas, de 38 anos, tem curso superior e tinha um emprego na área de marketing.

Ambos eram sempre vistos pela vizinhança passeando com o bebê.

Ninguém suspeitava que dentro da casa deles havia um vasto memorial neonazista.

O quarto do casal estava cheio de armas - havia facões, arcos e flechas, um machado sob a cama e uma adaga.

No corredor, havia ornamentos como um sol negro, símbolo ocultista associado à SS, a temida "tropa de choque" nazista, e a insígnia da Ku Klux Klan. Na sala, almofadas estampadas com suásticas. Até um cortador de massas encontrado na cozinha tinha a forma de uma suástica.

Um cartão de memória escondido sob o assoalho guardava fotografias com detalhes ainda mais perturbadores.

Em uma das imagens, Thomas segura a bandeira nazista, enquanto Patatas embala o bebê. Em outras fotos, encontradas em um celular, ele aparece vestindo o traje branco característico da Ku Klux Klan, olhando para o filho através dos buracos no capuz pontudo que cobria seu rosto.

Adam Thomas e Claudia Patatas foram condenados e aguardam a sentença, prevista para dezembro
Adam Thomas e Claudia Patatas foram condenados e aguardam a sentença, prevista para dezembro
Foto: BBC News Brasil

O segundo nome do bebê, que tinha pouco mais de um mês na época, era Adolf, em homenagem ao líder da Alemanha nazista.

As fotos foram encontradas por detetives antiterroristas que, na manhã de 3 de janeiro deste ano, efetuaram a prisão de Thomas e Patatas por fazerem parte da Ação Nacional.

Os fundadores

A Ação Nacional foi fundada em 2013 por Ben Raymond, agora com 29 anos, e Alex Davies, com 24 anos.

Raymond é formado em política pela Universidade de Essex e é neonazista confesso. Ele trabalhou como vendedor de cristais e em uma agência de empregos.

Ele passava o tempo livre na internet imerso em conteúdo de extrema direita. Criou memes, editou vídeos e escreveu longos discursos, até mesmo para o obscuro Partido Integralista, que queria criar um "exército fascista nacional".

Foi essa atividade online que atraiu a atenção de Davies, aluno da Universidade de Warwick e membro do Partido Nacional Britânico. Na época, o partido se encontrava em forte declínio após seu melhor desempenho nas eleições europeias quatro anos antes.

Ben Raymond discursando em Liverpool
Ben Raymond discursando em Liverpool
Foto: BBC News Brasil

A dupla acreditava que, nos últimos anos, as organizações britânicas de extrema direita haviam diluído sua mensagem ao buscar ampliar sua rede de apoio.

Os fundadores da Ação Nacional determinaram que, em contrapartida, seu grupo seria ostensivamente racista e abertamente neonazista.

Tinha todas as características do neonazismo do pós-guerra: ódio aos não-brancos e aos judeus, uma visão de mundo baseada no racismo, a veneração aos "arianos brancos" e a glorificação da era nazista e de seus piores criminosos de guerra.

Davies acabou sendo expulso da Universidade de Warwick por seu ativismo neonazista e se mudou para o País de Gales, onde trabalhou como vendedor de seguros.

Alex Davies foi expulso da universidade por seu ativismo de extrema direita
Alex Davies foi expulso da universidade por seu ativismo de extrema direita
Foto: BBC News Brasil

O grupo

Os dois acreditavam que os jovens do Reino Unido abraçariam com entusiasmo a mistura tóxica do grupo de culto a Hitler, negação do Holocausto e teorias de conspiração maliciosas.

Mas, na prática, a Ação Nacional nunca teve mais de 100 membros. E os que foram atraídos eram fanáticos, unidos por vários desvios e ódio.

Nenhuma tentativa foi feita para participar da política democrática, e a organização se considerava um movimento das ruas baseado nos jovens.

Seu símbolo era nitidamente semelhante ao do braço paramilitar do partido nazista: a Sturmabteilung (SA).

O recrutamento se concentrou em adolescentes e jovens na faixa de 20 anos.

Inicialmente, a estratégia do grupo consistia em distribuir panfletos nas universidades. Mas logo passou a se concentrar na organização de ações publicitárias agressivas e manifestações, com atividade registrada no site do grupo e nas redes sociais.

Um dos cartazes do grupo, convidando para uma conferência
Um dos cartazes do grupo, convidando para uma conferência
Foto: BBC News Brasil

À medida que crescia, a Ação Nacional se tornava uma rede clandestina de pequenos grupos regionais.

Os membros, que se vestiam de preto durante as manifestações, promoviam a ideia de que o Reino Unido estava à beira de uma "guerra racial", e que uma elite predatória estava deliberadamente incentivando a imigração na tentativa de destruir a população branca nativa.

O grupo afirmava ser patriota, mas era hostil a todas as instituições nacionais, ao estado de direito, ao processo democrático e a todos aqueles que não compartilhavam sua visão de mundo.

Os políticos e outros funcionários públicos eram um foco particular de ódio.

O grupo era abertamente genocida e dizia que todos os judeus e não-brancos teriam que sair. "É com alegria que vamos promulgar a solução final em toda a Europa", afirmava um documento do grupo.

Os atentados

Em 2015, um integrante do grupo de 25 anos chamado Zack Davies, de Mold, no norte do País de Gales, usou um martelo e um facão para atacar um dentista sikh (religião que engloba ideias do islã e do hinduísmo) em um supermercado por causa da sua cor de pele.

Davies gritou "poder branco" durante o atentado, pelo qual foi condenado por tentativa de homicídio.

Antes do ataque, ele tirou uma foto com uma faca na mão em frente a uma bandeira da Ação Nacional.

Foto de Davies segurando uma faca em frente à bandeira da Ação Nacional
Foto de Davies segurando uma faca em frente à bandeira da Ação Nacional
Foto: YOUTUBE / BBC News Brasil

No ano seguinte, Jack Coulson, um integrante do grupo de 17 anos de Bradford, em West Yorkshire, foi preso pela polícia antiterrorista depois de postar imagens de uma bomba caseira no Snapchat, junto com ameaças contra muçulmanos.

Coulson, que acabou condenado por fabricar explosivos, entrou na Ação Nacional meses antes e estava se articulando com outros membros, tanto pessoalmente quanto online.

Quando a deputada trabalhista Jo Cox foi assassinada pelo supremacista branco Thomas Mair em junho de 2016, o adolescente publicou nas redes sociais: "Há menos um traidor no Reino Unido graças a esse homem".

"Ele é um herói, precisamos de mais pessoas como ele para matar os traidores", completou.

O novo líder 'paramilitar'

Em 2016, o grupo passou a ser liderado por Christopher Lythgoe, mas Raymond e Davies continuaram sendo figuras influentes.

Hoje com 32 anos, Lythgoe morava com os pais em Warrington, no noroeste do país, e trabalhava de vez em quando em depósitos.

Ele passou a maior parte do tempo tentando transformar a Ação Nacional em uma organização paramilitar. Preparou manuais detalhados, explicando, por exemplo, como carregar bandeiras corretamente, e insistia que todos os membros deviam receber "treinamento".

"Imagina como vai ser quando tivermos 20, 30, 50 ou mais e TODOS forem capazes de deixar um adversário de 100 kg inconsciente com um golpe. Vamos lutar como uma corporação disciplinada. Portanto, como eu disse, todos seremos treinados", escreveu em um email.

O treinamento incluía a prática de boxe, artes marciais e uma série de exercícios em um campo de treinamento ao ar livre.

Christopher Lythgoe durante uma manifestação do grupo
Christopher Lythgoe durante uma manifestação do grupo
Foto: NW CTU / BBC News Brasil

Uma avaliação do governo no fim de 2016 concluiu que o grupo estava "envolvido com terrorismo" e o descreveu como "virulentamente racista, antissemita e homofóbico".

Depois da proibição

Embora o grupo tenha sido banido, vários membros tentaram manter a organização ativa.

Lythgoe ordenou que seus seguidores continuassem lutando, mas parassem de usar o nome Ação Nacional.

As autoridades descobriram vários codinomes novos do grupo, como NS131 e Scottish Dawn (Amanhecer Escocês), que também foram proibidos.

Para tentar manter o movimento vivo, Lythgoe mantinha correspondência por email com diversos líderes regionais. Um dos destinatários era Alex Deakin, líder das Midlands.

Menos de duas horas após receber um desses emails, Deakin usou o aplicativo de mensagens criptografadas Telegram para criar um grupo de bate-papo que se tornou sua principal ferramenta de organização regional da Ação Nacional após a proibição.

Ele chamou o grupo de Triple KKK Mafia, uma referência à Ku Klux Klan. Com o tempo, o grupo de bate-papo chegou a ter 21 pessoas.

E criou outro - chamado Inner - que era uma seleção de sete integrantes do primeiro.

Forças Armadas

Talvez o membro mais perigoso do grupo fosse um cabo do Exército britânico.

Mikko Vehvilainen, hoje com 34 anos, ingressou no Exército em 2012, após ter servido a Marinha na Finlândia, terra natal de seu pai.

A um amigo ele escreveu: "Estou aqui apenas para aprender habilidades de combate úteis".

Casado e pai de filhos pequenos, ele era membro da Identidade Cristã, movimento de supremacia branca e fundamentalista cristão, e integrante da Ação Nacional, obcecado com ideias sobre o colapso da civilização e a guerra racial.

Em um diário, ele dizia que havia a necessidade de estar "preparado para lutar e morrer por sua raça em uma possível última batalha pela nossa sobrevivência".

"Cada pedaço de mim quer guerra. Não há outro caminho", escreveu em uma mensagem no Telegram.

Sua coleção pessoal de armas, armazenada para o que parecia considerar um conflito iminente, incluía armas de fogo legalmente registradas - assim como facas, facões, socos-ingleses, arcos e flechas, spray de pimenta, algemas e um martelo de guerra com a inscrição bíblica: "Não há paz, diz o Senhor, para os ímpios".

O soldado, lotado por último na sede do Exército galês em Powys, procurava ativamente recrutas no regimento.

Três homens que tinham a patente de soldado foram convidados para o grupo principal do Telegram depois que Vehvilainen disse a Deakin que eles estavam "fechados" com os nazistas.

Coleção de armas de Vehvilainen - e uma foto dele fazendo a saudação nazista
Coleção de armas de Vehvilainen - e uma foto dele fazendo a saudação nazista
Foto: BBC News Brasil

Vehvilainen, que serviu no Afeganistão, também queria que neonazistas civis se juntassem a ele nas Forças Armadas, dizendo: "Se conseguirmos gente suficiente nossa no Exército, estaremos no lugar certo quando as coisas começarem a desmoronar".

Ele escreveu no grupo seleto do Telegram que os membros da Ação Nacional deveriam se concentrar em obter "posições militares e civis estratégicas".

Quatro membros da Ação Nacional do seu círculo tinham tentado ou estavam tentando entrar para o Exército. Mas, antes que algo mais pudesse acontecer, o grupo foi dissolvido.

Na primavera de 2017, Deakin foi preso por suspeita de envolvimento em atos da Ação Nacional - e a polícia encontrou grupos de bate-papo incriminadores em seu telefone.

Após ser liberado sob investigação, Deakin enviou um email em pânico para vários contatos do grupo. "Meu telefone apreendido está cheio de mensagens que me identificam como um operador. Entendo se vocês me desprezarem por esse descuido (realmente não poderia ter sido pior)."

O descuido de Deakin resultou em três julgamentos - entre eles, o de Vehvilainen, que foi condenado a oito anos de prisão por envolvimento na Ação Nacional.

Ameaça continua

Matt Ward, chefe de polícia da Unidade Antiterrorismo de West Midlands, disse à BBC que, mesmo após a proibição, o grupo continua sendo "realmente perigoso e bem estruturado."

Ele alerta que a organização "se prepara para incitar e travar uma guerra racial no Reino Unido e passou anos adquirindo habilidades, táticas, armas, recrutando e treinando pessoas para fazer isso".

Neil Basu, chefe da unidade de polícia antiterrorismo do Reino Unido, informou ao Parlamento no mês passado que, embora cerca de 80% das 700 investigações de terrorismo estejam focadas em jihadistas islâmicos, 20% estão concentradas em outros grupos, incluindo um "número significativo de ameaças ideológicas de direita".

A Ação Nacional tentou se reinventar com outros nomes, como NS131, e as autoridades acreditam que continua sendo uma ameaça
A Ação Nacional tentou se reinventar com outros nomes, como NS131, e as autoridades acreditam que continua sendo uma ameaça
Foto: BBC News Brasil

Após uma série de julgamentos, Christopher Lythgoe foi condenado a oito anos de prisão.

Adam Thomas e Claudia Patatas, o casal neonazista, também foram condenados e aguardam sua sentença, prevista para dezembro.

Vários outros membros foram punidos.

Mas os fundadores do grupo, Ben Raymond e Alex Davies, que se recusaram a falar com a BBC, foram detidos e liberados posteriormente, sem qualquer acusação, e até hoje continuam pregando sua mensagem de ódio.

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