A prisão provisória do ex-presidente da França Nicolás Sarkozy ocorrida nesta terça-feira é vista como mais uma mancha na imagem da política do país, já às voltas com vários casos de corrupção. A medida, inédita na história da República Francesa, levou o mandatário a prestar depoimento em um tribunal da região parisiense.
“Esse caso não melhora a imagem da política”, afirmou o professor Daniel Boy, diretor de pesquisa do Centro de Estudos Políticos da prestigiosa universidade Sciences Po, em entrevista ao Terra. “É uma surpresa ver Sarkozy sendo detido para prestar depoimento”, completou.
O ex-presidente francês apresentou-se hoje após ter sua prisão provisória decretada pela Justiça francesa. Ele é suspeito de violação do sigilo da investigação” e “tráfico de influências” em uma investigação sobre fraude no financiamento da campanha presidencial de 2007, da qual Sarkozy saiu vitorioso. Seu partido, a centro-direitista União por um Movimento Popular (UMP) é investigado por suspeita de uso de dinheiro doado pelo antigo regime líbio do presidente Muammar Kadafi, morto em 2012.
O escândalo é mais um envolvendo a UMP, do qual Sarkozy foi presidente antes de assumir a chefia de Estado na França. A legenda é alvo de várias investigações sobre o financiamento de campanhas regionais e nacionais. A última delas foi iniciada há alguns meses e tenta descobrir se também houve caixa-dois na última campanha presidencial em 2012, quando Sarkozy perdeu a reeleição frente ao atual presidente, o socialista François Hollande.
Essas suspeitas de corrupção nas campanhas derrubaram o ex-presidente da UMP Jean-François Copé no mês passado. Desde então, o partido é dirigido por um triunvirato de caciques da direita francesa. Apesar dos escândalos, a falta de liderança faz com que Sarkozy seja visto como a única salvação por parte do eleitorado de direita. Uma nova candidatura sua à presidência da República nas eleições de 2017 parecia cada vez mais certa.
No entanto, para alguns analistas políticos ouvidos pelo Terra, tudo vai depender de como o eleitor francês interpretará a detenção ocorrida na manhã desta terça e as acusações que pesam contra o ex-presidente. Ponto central dessa percepção do eleitorado de direita sobre o caso é a presença das duas juízas responsáveis pelas investigações, ambas próximas da esquerda francesa.
“Muitos eleitores dirão que seu ‘herói’ está sendo perseguido por juízes de esquerda”, explicou Boy, para quem o ex-presidente trava uma “pequena guerra com o Judiciário” francês. “Sarkozy continua o melhor candidato à presidência para grande parte do eleitorado da UMP e um político dominante no alto escalão do partido”, completou o especialista.
A visão é compartilhada por Luc Foisneau, filósofo e diretor de pesquisa da École des Hautes Etudes en Sciences Sociales. Para ele, o futuro político de Sarkozy depende ainda de seus próprios correligionários. “O posicionamento de seu partido será importante. No último escândalo de financiamento, parte do alto escalão da UMP já deixou claro sua posição ao se afastar dos responsáveis pelo esquema”, explicou o analista.
O ex-presidente da França Nicolás Sarkozy foi detido pela polícia nesta terça-feira, perto de Paris, para ser submetido a um interrogatório por um caso relacionado a tráfico de influência e violação do sigilo da investigação. A detenção de Sarkozy é uma medida inédita para um ex-chefe de Estado francês. Veja a seguir outras polêmicas envolvendo o ex-presidente:
Foto: Ben Stansall / AFP
Em 2013, Nicolas Sarkozy foi acusado de ter recebido dinheiro do ditador líbio Muamar Kadafi para sua campanha à presidência da França em 2007. Segundo uma fonte do regime deposto, o ex-presidente teria embolsado US$ 50 milhões. Logo após ter sido eleito, Sarkozy defendeu Kadafi, afirmando que ele não era considerado um ditador no mundo árabe. "Kadafi é o chefe de Estado há mais tempo no poder na região, e, no mundo árabe, isso é importante", disse o presidente à época. Mais tarde, Sarkozy apoiou a ação militar que culminou com a queda e morte de Kadafi
Foto: Eric Ryan / Getty Images
Sarkozy também foi acusado de abuso de incapaz por ter supostamente se beneficiado da fortuna da herdeira da gigante mundial dos cosméticos L'Oreal, Liliane Bettencourt. Um tribunal concluiu que o marido de Carla Bruni tirou proveito, em 2007, da saúde frágil de Bettencourt, que sofre de demência, para conseguir doações em dinheiro feitas por ela para sua campanha à presidência na mesma época. De acordo com os dados do processo, a bilionária teria feito doações ilegais de altas somas em espécie para ele
Foto: Eric Feferberg / AFP
Logo que Sarkozy assumiu o poder, os franceses passaram a ver o presidente em revistas de fofocas exibindo seu gosto pelo luxo. Em 2009, uma viagem de Sarkozy com Bruni ao México levantou uma polêmica sobre o excesso do presidente. Antes de iniciar a visita oficial ao país, o casal passou o fim de semana em Manzanillo, no sul do México, hospedado no hotel El Tamarindo, pertencente ao milionário Robert Hernandez Ramirez, suspeito de ligações com o narcotráfico. Diversos sites e revistas francesas questionaram quem havia bancado o fim de semana presidencial, avaliado em 50 mil euros. O governo francês afirmou que o convite foi feito pelo presidente do México à época, Felipe Calderón que por sua vez, informou que a visita foi promovida por empresários locais
Foto: Nasser Nasser / AP
Em 2010, o governo francês enfrentou uma onda de críticas externas e internas pela compra excessiva de vacinas contra a gripe suína (H1N1). O caso motivou, inclusive, uma demanda de investigação parlamentar. Na época, Sarkozy comprou 10% das vacinas de todo o mundo. Apesar de a França encomendar 94 milhões de doses de vacinas, somente 5 milhões de cidadãos foram vacinados no país, que teve de lidar com problemas logísticos. A oposição afirmou que Sarkozy ajudou os laboratórios farmacêuticos a lucrar
Foto: Benoit Tessier / AFP / Getty Images
Em 2012, Sarkozy e a mulher, Carla Bruni, compraram, por 5 milhões de euros, um palácio na cidade marroquina de Marrakech. A residência possui oito suítes de luxo, um spa, uma piscina de 21 metros e um jardim com 600 espécies diferentes de rosas. A operação de compra, no entanto, levantou dúvidas. Alguns dizem que o palácio seria um presente do rei rei Mohammed ao casal, que se hospedou na casa do monarca por duas vezes em visitas durante o mandato de Sarkozy. Outros afirmam que a residência seria um presente de um rico empreendedor imobiliário do Catar
Foto: Benchris / AP
Outra polêmica que rondou Sarkozy após a saída do governo foi em torno do seu patrimônio. Em uma declaração que assinou ao oficializar sua intenção de concorrer novamente ao cargo, o francês afirmava ter patrimônio de US$ 3,3 milhões, US$ 814 mil a mais do que tinha quando entrou na Presidência. Sarkozy, no entanto, se adiantou e explicou que o aumento dos bens se deu principalmente por meio de investimentos feitos antes de ser eleito, em 2007
Foto: Yves Herman / Reuters
Nicolas Sarkozy já era presidente de França quando, em 2007, se divorciou de Cecilia Ciganer-Albéniz, em um conturbado processo. Eles eram casados desde 1996. Em 2005, quando Sarkozy era ministro do Interior da França, os jornais publicaram notícias de que Cécilia teria abandonado o marido por um produtor marroquino e que o presidente teria um caso com uma jornalista. Mas o casal continuou junto até as eleições, em maio de 2007. Sarkozy foi o primeiro presidente francês a se divorciar enquanto ocupando o cargo
Foto: Francois Mori / AP
Ainda em dezembro de 2007, surgiram rumores na imprensa francesa afirmando que a modelo e cantora Carla Bruni estaria namorando o presidente da França. Em janeiro de 2008, os dois assumiram o namoro oficialmente, e o casal passou a viver sob os holofotes da mídia mundial. Em fevereiro de 2008, Bruni e Sarkozy se casaram em Paris. Três anos mais tarde, nascia a primeira filha do casal, Giulia
Foto: Remy de la Mauviniere / AP
Em discurso no início de 2010, Sarkozy defendeu a cassação da nacionalidade de delinquentes de "origem estrangeira", após incidentes violentos envolvendo imigrantes no sul da França - onde a morte de um homem de origem árabe que fugia da polícia provocou a revolta da população estrangeira. O presidente declarou, à época, que "a nacionalidade é adquirida e deve ser merecida". "Estamos sofrendo pelos 50 anos de regulação frouxa da imigração, que levaram a uma ausência da integração, disse, provocando a ira de intelectuais e juristas, que alertaram que a Constituição francesa garante a igualdade diante da lei de todos os cidadãos, sem distinção de origem, raça ou religião"
Foto: Gonzalo Fuentes / Reuters
No mesmo ano, a polêmica envolvendo imigrantes na França continuou. Após intensificar a expulsão de ciganos durante o verão, cercando famílias em acampamentos ilegais e oferecendo a elas incentivos financeiros para deixar o país, Sarkozy envolveu a Alemanha no debate. Para justificar suas ações, o presidente francês afirmou que o governo alemão também pretendia desmantelar acampamentos de ciganos. A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, negou que tenha feito tais declarações e refutou os comentários de Sarkozy, causando tensão entre os dois governos. O tema dos ciganos é historicamente sensível na Alemanha, que perseguiu este povo durante o regime nazista