Antes de morrer, adolescente britânica com câncer ganha na Justiça direito de ter corpo congelado para possível reanimação no futuro
Uma jovem de 14 anos, que sabia que ia morrer de um tipo raro de câncer e desejava ficar congelada para ser curada no futuro, ganhou uma batalha legal histórica no Reino Unido.
A adolescente morreu em outubro e não teve a identidade divulgada. Ela recebeu todo o apoio da mãe, mas não do pai e o caso foi parar na Justiça.
A Alta Corte britânica determinou que a mãe tinha o direito de decidir o que aconteceria com o corpo.
Assim, ele foi levado para os Estados Unidos, onde foi congelado.
A menina vivia em Londres e nos últimos meses de vida tinha feito pesquisas na internet sobre a técnica de criogenia humana.
'Viver mais'
Criogenia é o processo de congelar e preservar um corpo na esperança de que no futuro sejam encontradas formas de ressuscitá-lo e curá-lo.
A técnica também é usada com embriões: óvulos fecundados podem ficar na "geladeira" com chances boas de sobreviver ao descongelamento - estima-se que perto de 60% deles conseguem vingar, dando origem a um bebê.
Até agora, calcula-se que cerca de 100 pessoas já foram congeladas depois da morte e esperam por vida nova no futuro.
A menina escreveu uma carta ao juiz explicando que queria "viver mais" e não desejava ser "ficar embaixo da terra".
"Acho que ser preservada criogenicamente me dá a chance de ser curada e acordar - nem que seja daqui a centenas de anos", escreveu.
O juiz Peter Jackson visitou a menina no hospital e disse ter ficado comovido com a "forma corajosa como ela estava enfrentando o seu destino".
A sentença, explicou o magistrado, não teve a ver com a criogenia em si, mas com o conflito entre os pais da menina sobre o destino do corpo da filha.
Técnica controversa
O congelamento de corpos é feito somente por duas empresas nos EUA e na Rússia - e o custo de preservar o corpo por tempo infinito neste caso foi de 37 mil libras ( R$ 158 mil).
O cadáver é colocado em um tanque de nitrogênio líquido, a uma temperatura de -196 ºC, para que não apodreça.
Para Simon Woods, especialista em ética médica da Universidade de Newcastle, a ideia de congelar um corpo para reanimá-lo é "ficção científica".
"A morte é irreversível. E as pessoas que buscam a preservação criogênica geralmente morreram de uma doença grave, nesse caso foi câncer."
"O estado de saúde da pessoa já é bem ruim, e não há absolutamente nenhuma evidência de que a pessoa possa ser trazida de volta à vida".
A carta
Na carta que escreveu ao juiz, a menina diz querer explicar "porque quero que uma coisa tão incomum seja feita".
"Tenho apenas 14 anos e não quero morrer, mas sei que vou morrer".
"Acho que ser criopreservada vai me dar a chance de ser curada e acordar - mesmo que daqui a centenas de anos".
"Não quero ficar embaixo da terra".
"Quero viver e viver mais. Acredito que no futuro devem achar uma cura para o meu câncer e eu vou acordar".
"Quero ter essa chance".
"Este é o meu desejo".
Pai era contra o congelamento
Os pais da menina são divorciados. A adolescente havia passado seis anos sem ter qualquer contato com o pai até ficar doente.
E o pai era contra o congelamento:
"Mesmo que o tratamento seja bem-sucedido e ela volte à vida, digamos, daqui a 200 anos, minha filha não deverá encontrar nenhum parente. Além disso, talvez ela não se lembre de coisas que podem deixá-la desesperada, já que terá apenas 14 anos e estará nos EUA".
Mais tarde, ele mudou de ideia e disse que respeitava a vontade da filha. O pai quis então ver o corpo depois que a menina morreu - mas ela havia determinado que não permitia isso.
O juiz disse que o pedido da jovem foi o único do tipo já recebido por um tribunal da Inglaterra e do País de Gales - e provavelmente por qualquer outro no Reino Unido.
Juiz sugere regulação no Reino Unido
O juiz Jackson disse que o caso é um exemplo de como a ciência traz novas questões para o Direito.
A adolescente morreu em outubro, sabendo que seu corpo seria preservado. Mas o juiz revelou que houve problemas no dia da sua morte.
Ele contou que a equipe do hospital manifestou preocupação em relação à maneira como foi conduzido o processo de preparação do corpo para o congelamento, mas não esclareceu os motivos dessa inquietação.
A preparação foi feita por um grupo de voluntários no Reino Unido.
O juiz sugere que futuramente os parlamentares britânicos discutam a criação de "normas adequadas" para o congelamento de corpos.