Espanha: transição para república levaria cerca de 15 meses
Sistema monárquico espanhol resiste apesar de seus vizinhos já terem feito transição; Reforma política é improvável com parlamentares atuais
Ao assumir o trono ontem (19), o novo rei Felipe VI garantiu à Espanha a permanência do título de última das monarquias entre os países do sul europeu. Cercada por vizinhos republicanos e com uma crescente demanda pelo fim do regime monárquico, o País tem um futuro incerto.
Se por um lado há uma notável queda da credibilidade da coroa espanhola, por outro a atual composição parlamentar garante a continuidade do regime. Isso pode ser visto pela facilidade com a qual o congresso aprovou a lei regulando a abdicação de Juan Carlos, indispensável para a realização do processo de transição. Do total de deputados, 85% foram favoráveis à proposta.
Nas ruas, porém, a situação da Coroa é menos tranquila. Na última pesquisa realizada pelo Centro de Investigações Sociológicas, em abril de 2014, a Coroa obteve uma nota de 3,68 em uma avaliação de 0 a 10. O número contrasta com o 7,46 recebido vinte anos antes.
Some-se a isso os dados do referendo popular divulgado também ontem, com 80.000 votos, no qual 95% dos votantes concordava com o sufrágio universal para a escolha do chefe de Estado.
A queda pode ser analisada desde vários ângulos. Houve o desgaste pessoal da figura do Rei Juan Carlos (em casos como o da caça de elefantes), os escândalos de corrupção envolvendo a família real e a perda, com o passar das gerações, da percepção da necessidade de um rei.
O rei unificador
Para entender a opção pela monarquia na Espanha, é preciso voltar ao fim dos anos 70, quando o rei Juan Carlos assumiu o poder após a morte de Franco. “Ele foi muito importante no momento de transição de uma ditadura para um modelo de Estado democrático”, avalia o historiador espanhol Gutmaro Gomez Bravo. “Foi ele quem canalizou e aglutinou esse processo e foi este capital simbólico que o manteve até agora”.
Foi um passo importante na história do monarca uma vez que sua proclamação aconteceu por um acordo com o General Franco, o que, em um primeiro momento, criou um distanciamento entre o monarca e os partidos de esquerda. Somente com a nova tentativa de golpe em 1981 é que Juan Carlos ganhou força.
“Naquele momento, a percepção era a de que o contrário de uma monarquia seria o retorno à ditadura, como nos anos de Franco. Por isso, até mesmo o Partido Comunista apoiou o Rei”, conta o historiador José Carlos Rueda Laffond, da Universidade Complutense de Madrid. Claro, para muitos seria um governo breve. Todavia, o rei manteve-se quase quatro décadas no poder.
Novos valores
Se para aquela geração que acompanhou os anos 70 e 80 Juan Carlos foi sinônimo de unificação, o mesmo não vale para as novas gerações. “Os mais jovens estão mais próximos da república e rechaçam os valores evocados pela monarquia”, avalia Laffond.
Isso fica claro nas manifestações republicanas. Nesses espaços, contesta-se muito o fato de um país em crise seguir gastanto dinheiro para manter uma família real, assim como a escolha de Felipe para assumir o trono, uma vez que ele possui duas irmãs mais velhas (e que só não assumiram pelo fato de serem mulheres).
O maior questionamento, todavia, é sobre o processo de escolha do rei. “Não existe respaldo popular”, contesta Lorena Müller, do coletivo Democracia Real Já. E a grande demanda, é pelo voto. “Se somos uma democracia, por que não podemos escolher o nosso chefe de Estado?”, pergunta Müller.
Uma Espanha republicana?
É difícil, porém, imaginar como seria, de fato, uma Espanha sem a monarquia. “O debate que temos atualmente é pelo direito de eleger o chefe de estado, mas não se tem claro qual seria o modelo dentro da opção republicana”, diz Laffond.
O mais provável seria que o país experimentasse mais mudanças no campo simbólico que no campo político, uma vez que os poderes atuais do monarca são limitados, com ele atuando como um espécie de superministro das Relações Exteriores.
Um longo caminho
Mas como seria feito um eventual processo para a República? Nos cálculos do jurista Antonio Torres de Moral, catedrático em direito institucional da Universidade Nacional de Educação à Distância, na Espanha, seriam necessários ao menos 15 meses.
O primeiro passo seria um referendo consultivo, no qual a população declararia se deseja mudar o regime. Caso a opção fosse pela mudança, o congresso deveria aprovar, por maioria, a intenção de fazer a reforma da Constituição.
Isso feito, um novo Congresso deveria ser eleito para, só então, confirmar a reforma e iniciá-la. “Esse é o processo jurídico, mas tem a questão política”, avalia Moral. E, na opinião do jurista, é justo aí que está a impossibilidade de um referendo neste momento. “Os partidos que têm maioria no Congresso não querem fazer esse processo”, resume.
Como um referendo como este, cujo resultado pode levar à mudança da Constituição, não pode ser convocado por meio de iniciativa popular, só seria possível sua realização caso houvesse deputados dispostos a encabeçá-lo. “A Constituição foi feita para ser difícil de mudar mesmo”, diz Moral.