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Irmãos sírios relembram naufrágio em barco ilegal

Eles escaparam de uma guerra na Síria e da convulsão na Líbia, mas foi no mar que viram a morte de perto. Os dois sírios voltaram ao local da tragédia; memórias dos mortos ainda assombram suas vidas

4 set 2014 - 09h58
(atualizado em 11/9/2014 às 16h34)
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<p>Os irmãos e refugiados sírios Thamer e Thayer posam em frente à costa no oeste da Sicília</p>
Os irmãos e refugiados sírios Thamer e Thayer posam em frente à costa no oeste da Sicília
Foto: UNHCR/ A.DAmato / Divulgação

À medida que a água invadia o barco, os irmãos sírios Thamer, 27 anos, e Thayer, 25, sentaram e começaram a rezar. Segundo o depoimento deles à Agência de Refugiados das Nações Unidas (Acnur), os dois sabiam que se um resgate não chegasse em breve, eles seriam engolidos e levados para as profundezas do Mar Mediterrâneo.

Thamer e Thayer faziam parte do barco que naufragou no dia 11 de outubro do ano passado a 120 km da pequena ilha italiana de Lampedusa, mas em águas territoriais de Malta. O barco carregava pessoas da Síria e Palestina, resultando na morte de pelo menos 34 pessoas. 

Em junho deste ano, Thamer e Thayer relembraram suas histórias para a Acnur, desde a Síria até o dia da tragédia, quando viram muitos passageiros morrerem em frente a seus olhos. “Havia uma mulher grávida junto com seu filho. Eles morreram, o corpo do filho estava flutuando na água depois”, disse Thayer, enquanto fechava os olhos e buscava suas memórias.

Os irmãos pagaram US$ 2 mil dólares cada um pela jornada que terminaria em tragédia. Outras 200 pessoas pagaram o mesmo valor e se espremeram no barco para chegar à Europa, mas sem garantias de chegariam vivos.

Dias antes, no dia 3 de outubro de 2013, um barco já havia naufragado perto da costa de Lampedusa. O barco partiu de Misrata, na Líbia, levando imigrantes da Eritrea, Somália e Gana. O naufrágio deixou mais de 360 mortos, com 155 sobreviventes resgatados pela Guarda Costeira italiana.

A duas tragédias levaram a União Europeia (e seus países membros) a aumentar os esforços de patrulhamento e resgate no mar e combater o tráfico ilegal de pessoas. As operações da Marinha italiana já resgataram mais de 80 mil pessoas até o momento.

A Acnur diz que dezenas de barcos atravessam o mar em direção à Europa, levando, em média, 200 pessoas em barcos com condições precárias, mas já houve casos de 300 ou mais passageiros a bordo.

Dados da ONU mostram que nos primeiros seis meses de 2014, a Itália foi o país europeu que mais recebeu refugiados, com quase 64 mil pessoas, seguida de Grécia (10.080), Espanha (1.000) e Malta (227). A Itália, aliás, viu um aumento de 500% em chegadas de refugiados neste período em relação ao mesmos primeiros seis meses de 2013.

Ainda segundo a ONU, as travessias no mar com barcos ilegais já deixaram pelo menos 1,2 mil mortos (300 somente no último mês de agosto). Além de afogamentos, também houve mortes por sufocamento pela superlotação ou doenças e desidratação.

Sonhos destruídos

A história de Thamer e Thayer começou ainda na Síria, antes da violência e do conflito que já dura quatro anos. Eles viviam em uma pequena cidade, onde a vida era “simples e serena, e com ruas seguras e limpas”. Mas a guerra então veio e muitos civis inocentes tiveram que deixar suas casas.

Thamer e Thayer estavam entre os milhões de sírios que tiveram que fugir. Segundo a ONU, são cerca de 3 milhões de refugiados no exterior e outros 6,5 milhões deslocados internamente na Síria. “Há muitas pessoas que decidiram que não matariam ou não seriam mortas. Então nós também decidimos deixar o país”, salientou Thamer.

Primeiramente, eles fugiram para a Líbia, onde tinham a esperança de iniciar uma vida nova. Enquanto um Thamer estudava engenharia, Thayer treinava para tornar-se um chef de cozinha. O futuro parecia promissor. Mas com a situação de segurança se deteriorando no país, e milícias desafiando a autoridade do governo, o mundo deles desmoronou.

“A Líbia se tornou em um centro de milícias”, disse Thamer. “Qualquer pessoa poderia me parar na rua, pedir meu passaporte e me levar para a prisão porque eu era sírio”.

Com poucas chances de permanecer na Líbia sem serem expostos ao perigo, os dois irmãos tomaram uma decisão desesperada – embarcar em um barco de pesca ilegal para a Europa.

A maioria dos passageiros vêm de vários países do Oriente Médio, África e Ásia e buscam cruzar o mar, na travessia que dura horas, para tentar uma vida nova em países europeus. Países como Itália, Grécia, Espanha e Malta são os destinos preferenciais pela proximidade com o norte africano.

Reza no mar

Já era noite quando chegaram à praia de onde embarcariam para a travessia no Mar Mediterrâneo, junto com centenas de outros imigrantes, e rumo ao sul da Itália. Tudo que podiam fazer era rezar que a viagem fosse segura.

À Acnur eles disseram que “sabiam que a possibilidade do barco virar era muito real, mas jamais esperavam por tiros de armas”. De outra embarcação próxima, milicianos abriram fogo contra o barco, aparentemente devido a um desentendimento entre clãs rivais na Líbia sobre o pagamento. Thamer e Thayer seguraram o braço de cada um em meio ao caos. A água começou a chegar à altura de seus tornozelos.

“Naquele momento, eu vi toda a minha vida perante meus olhos. Eu vi minha infância, as pessoas de quando eu era mais jovem. Coisas que eu achava que não lembrava mais”, recordou Thayer, que ainda falou que sofre de insônia extrema pelas memórias do acidente.

Ao longo de 10 horas, a água invadiu completamente o barco lotado até que finalmente virou. Aqueles que estavam perto do motor morreram instantaneamente, enquanto outros foram jogados nas águas e ondas geladas do Mediterrâneo.

Autoridades e mídia europeias relataram que as estimativas eram de que 200 pessoas estavam à bordo. Mas Thamer e Thayer alegaram que havia muito mais, ao menos 450, e que ao menos a metade morreu afogada (contrariando os dados oficiais de 34 mortos).

Quando o resgate finalmente chegou, já era tarde para muitos. Thamer e Thayer foram dois entre aqueles que tiveram a sorte de sobreviver. Quase um ano depois, os dois irmãos entraram com pedido para asilo em um pequena cidade na costa oeste da Sicília. Enquanto isso, segundo seus depoimentos para a Acnur, eles aguardam a chance de retomar suas vidas.

“Nós queremos refazer e continuar com nossas vidas”, disse Thayer, que enfatizou que ele e seu irmão Thamer rezam “por mais uma nova chance”.

*Texto feito em parceria com a Acnur. As entrevistas e fotos foram cedidas pela agência da ONU.

Fonte: Terra
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