Lagartos de Berlim impedem resgate de estátua de Lênin
Museu pretende desenterrar e exibir cabeça de monumento ao líder comunista, destruído após a reunificação alemã
Na tentativa de se livrar desesperadamente das dolorosas lembranças de sua divisão, em 1991, os berlinenses cortaram em mais de cem pedaços uma estátua de Lênin de 19 metros de altura, enterrando-os num areal no sudeste da capital alemã.
Após batalhas administrativas com autoridades relutantes e reclamações de moradores que pensavam ter se livrado para sempre do antigo comunista, um museu planeja ressuscitar, em meados deste ano, a cabeça de 3,5 toneladas e 1,70 metro de altura. A ideia é reunir numa exposição monumentos que caíram em desgraça ao longo da história tumultuada de Berlim.
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No entanto, há um problema a ser resolvido para que a cabeça de Lênin possa finalmente vislumbrar a luz do dia: lagartos. Para ser mais preciso, lagartos ágeis (da espécie Lacerta agilis), estritamente protegidos pelas leis europeias de preservação da vida selvagem.
A utilização de guindastes, escavadeiras e caminhões para a retirada da cabeça da estátua perturbaria as criaturinhas listradas, justamente no momento em que estão se preparando para seu acasalamento, quando os machos assumem a cor verde. De acordo com a lei, eles têm de ser encorajados a se mudar do local antes da "exumação" da cabeça de Lênin.
"Eles estão saindo da hibernação agora, e os biólogos estão coletando-os antes que comecem a se sentir novamente em casa", diz Carmen Mann, coordenadora da exposição Enthüllt. Berlin und seine Denkmäler (Revelado. Berlim e seus monumentos) na Cidadela de Spandau, no oeste da cidade.
A exposição deverá ter início em outubro deste ano. Até lá, a Cidadela de Spandau, uma fortaleza construída no século 16, deverá ser transformada em espaço de exposição.
No entanto, a realocação de lagartos é algo muito delicado, já que eles podem soltar a cauda quando se sentem ameaçados. Os répteis, que podem crescer até 25 centímetros, também podem morder.
"Eles estão sendo levados para um local próximo, que está sendo preparado para eles. Este processo está apenas começando e leva tempo. Pode durar até o verão", afirma Mann.
Também estão sendo tomadas medidas para encorajá-los a se mudar, como cortar a grama em torno da área onde a estátua está enterrada, tornando o local menos atraente para eles.
Falsos problemas
Emissoras de TV estão ansiosa para cobrir a "ressurreição" de Lênin, que deverá ser festejada como um símbolo da superação do trauma da divisão da cidade. A estátua ficava antes sobre um pedestal na antiga Praça de Lênin, hoje Praça das Nações Unidas, no bairro berlinense de Friedrichshain.
Andrea Theissen, chefe do departamento cultural de Spandau e responsável pelo projeto da exposição, conta que a luta para desenterrar a cabeça da estátua não foi fácil. "Partimos do pressuposto de que, depois de todo esse tempo, as pessoas iriam olhar para a história com outros olhos, mas não foi tão fácil quanto esperávamos."
As autoridades da cidade tentaram postergar a escavação da cabeça, mencionando falsos problemas, como dificuldades técnicas e preocupações com os custos e as leis de proteção a monumentos.
Em determinado ponto, explicou Theissen, a prefeitura chegou a afirmar que não sabia onde a cabeça estava enterrada, apesar de um cineasta americano tê-la achado com facilidade em 1994, chegando mesmo a desencobri-la com uma pá.
Em agosto do ano passado, a prefeitura negou a permissão para a "exumação" de Lênin. Como justificativa, a administração municipal mencionou demandas das autoridades de proteção a monumentos, dizendo que a estátua deveria ser remontada por inteiro um dia. Depois de protestos, a prefeitura mudou de ideia.
"Tenho certeza de que quando as pessoas virem a exposição e a forma como explicamos os monumentos, colocando-os num contexto histórico, haverá uma debate menos emocional sobre tudo isso", afirma Theissen. "Não estamos tentando desencavar nenhuma espécie de nostalgia, só queremos lançar uma visão sobre um recorte da história, do ponto de vista de hoje."
O museu nunca teve intenção de remontar a estátua de Lênin. A destruição da estátua, feita de granito vermelho da Ucrânia, é parte da história de Berlim, assim como sua cerimônia de inauguração. Na ocasião, em abril de 1970, 200 mil pessoas reuniram-se poucos dias antes do 100° aniversário de Lênin. Também a dificuldade de desenterrá-la pertence à história berlinense.
"Não estamos restaurando nenhum dos monumentos", afirmou Mann. "Eles serão exibidos como estão. Se a cabeça ou membros estão faltando, é assim que serão mostrados, porque queremos exibir a história das estátuas."
"Tudo depende dos lagartos"
Com Lênin como atração principal, a exposição num vasto pavilhão da cidadela com 100 metros de comprimento e nove metros de altura mostrará por volta de uma centena de monumentos originais que datam do século 18.
Entre eles, está a Avenida da Vitória, um conjunto de 90 estátuas de mármore de príncipes de Brandemburgo e da Prússia – de Albrecht, o Urso, até o imperador Guilherme 1°. Esta última se encontrava antes no parque Tiergarten, mas foi retirada de lá após o fim da Segunda Guerra Mundial.
A exposição também irá conter itens da República de Weimar, monumentos aos heróis das guerras napoleônicas e uma placa comemorativa de um conjunto habitacional construído para funcionários da SS, esquadrão de elite dos nazistas, no bairro de Zehlendorf.
"Não teremos muito do período nazist, que não produziu muitas estátuas", explicou Theissen. "Toda a arquitetura da época foi projetada para ser monumental."
Ainda não se sabe quando a mostra, que deverá ser um grande sucesso de público, irá abrir as portas, ou quando Lênin será desenterrado de seu túmulo na areia. "Tudo depende dos lagartos", diz Mann.