O desconhecido grupo extremista considerado o mais perigoso do Reino Unido
Pelo menos 6 atentados (no Reino Unido e Israel) foram feitos por pessoas ligadas a rede fundada nos anos 90 por pregador islâmico expulso da Síria e da Arábia Saudita; para analista, serviços de segurança falharam em não lhe dar atenção devida.
Um dos três autores do ataque de 3 de junho em Londres - em que oito pessoas morreram esfaqueadas e 48 ficaram feridas nos arredores da London Bridge - era seguidor do grupo islâmico Al-Muhajiroun, banido do Reino Unido em 2010.
O repórter Richard Watson, do programa Newsnight da BBC, acompanha o grupo ao menos desde 2004 e agora investiga a questão: as forças de segurança do Reino Unido levaram o Al-Muhajiroun suficientemente a sério? Leia abaixo o seu relato:
O homem de túnica branca pega o microfone na frente do salão e se dirige à plateia de simpatizantes do Al-Muhajiroun. Mesmo com câmeras de vídeo à volta, ele não se intimida.
"Quando Tony Blair saiu (em defesa da guerra), George Bush saiu junto e disse: 'Você está conosco ou está com os terroristas?' O que nós muçulmanos dissemos?"
Ele faz uma pausa para efeito. "Nós não estamos com você, estamos com os... terroristas". A plateia termina a frase por ele, e gritos de Allahu Akbar (Deus é grande) ecoam pela sala.
Isso foi em abril de 2004, quando fui convidado a filmar em uma reunião do Al-Muhajiroun no salão de um centro comunitário em Bethnal Green, no leste de Londres.
Eu estava acompanhando um convertido para o Islã chamado Sulayman Keeler - cujo nome de batismo é Simon Keeler - para uma reportagem do programa Newsnight, da BBC.
O discurso do próximo orador tinha o mesmo tom. Abu Uzair, cujo nome verdadeiro é Sajid Sharif, engenheiro graduado em Manchester, pegou o microfone e começou abordando um dos tópicos favoritos do Al-Muhajiroun - os ataques de 11 de Setembro nos Estados Unidos.
"Quando os dois aviões atravessaram de forma magnífica aqueles prédios as pessoas disseram: 'Espere um segundo, isso é terrível. Por que vocês tiveram de fazer isso?' Você sabe por quê? Por causa da ignorância."
Neste ponto, levanto minha mão para interromper, perguntando-lhe como poderia ser justificável chamar o assassinato de inocentes nas Torres Gêmeas de "magnífico".
Abu Uzair respondeu: "Para nós, é uma retaliação".
Pressionei: "Mas o assassinato de civis inocentes não pode estar certo".
Abu Uzair reagiu acenando com seu dedo para mim: "Não pode estar certo de acordo com você. De acordo com o Islã, está certo. Você não mata civis inocentes no Afeganistão?"
"Eu não chamaria isso de magnífico", arrisquei.
Abu Uzair respondeu: "Islamicamente falando é magnífico".
O diálogo expõe a ideologia extrema e agressiva do Al-Muhajiroun. Era uma mensagem de desafio, de ódio.
Para eles, o Islã estava em guerra com o Ocidente. Eles sabiam que nossa câmera estava gravando, mas eles estavam justificando a violência. Isso foi um ano antes dos atentados a bomba em Londres - em 7 de julho de 2005 - que deixaram 52 mortos.
A BBC apurou que Abu Uzair nunca enfrentou ações legais no Reino Unido. Ele deu essa palestra há 13 anos.
O quadro mudou bastante de lá para cá. Novas leis proibiram a glorificação do terrorismo e já renderam vários processos e condenações na última década.
Depois do ataque a bomba em um ginásio de Manchester no mês passado, o MI5 (serviço secreto britânico) tornou pública a dimensão da ameaça representada por militantes islâmicos no país.
Cerca de 3 mil pessoas no Reino Unido foram verificadas e listadas por terem ligações com extremismo islâmico violento; outras 20 mil foram relacionadas por terem tido contato recente com extremistas. Isso cria uma lista longa de 23 mil pessoas - o equivalente à população de uma pequena cidade.
O fato de o Al-Muhajiroun ter sido autorizado a recrutar em cidades Reino Unido afora há anos, sem ter sido incomodado pelo Estado, faz parte desse cenário.
O grupo foi criado pelo pregador extremista Omar Bakri Muhammad. Nascido na Síria, ele foi expulso do país em 1977 por causa de suas visões anti-baathistas (o baathismo é uma ideologia política árabe baseada nas ideias do Partido Baath no Iraque e na Síria) e viajou para o Líbano, onde se juntou ao grupo radical islâmico Hizb ut-Tahrir.
Seu objetivo era criar um único Estado islâmico - um califado - em todo o Oriente Médio e, eventualmente, no mundo.
Após uma breve temporada no Egito, Bakri Muhammad se mudou para Meca, na Arábia Saudita. Em 1983, ele criou um novo grupo chamado Jamaat al-Muhajiroun. O nome significa "A comunidade dos emigrantes".
Em 1986, as visões islâmicas extremistas de Bakri Muhammad e as conexões com o banido Hizb ut-Tahrir levaram os sauditas a expulsá-lo. Ele fugiu para o Reino Unido, onde recebeu asilo. Ele imediatamente criou um braço do Hizb ut-Tahrir na Grã-Bretanha e deu início a uma agressiva campanha de recrutamento entre jovens muçulmanos britânicos.
No Reino Unido, os sermões de Bakri Muhammad pediam que a bandeira preta do Islã fosse hasteada em Downing Street (sede do governo) e exaltavam a ideia de um califado global. A década seguinte foi dedicada a divulgar sua narrativa - que os muçulmanos são vítimas de conspirações internacionais e que a sharia (lei islâmica) deveria ser levada para o Reino Unido.
Mas a liderança internacional do Hizb ut-Tahrir começou a perder a paciência com Bakri Muhammad - também chamado de "o aiatolá de Tottenham", uma referência ao bairro do norte de Londres em que mantinha base. Seu foco no Reino Unido era visto como uma distração do objetivo principal de estabelecer um califado em todo o Oriente Médio.
Ele foi expulso do grupo em 1996. E isso o levou a criar um novo grupo no Reino Unido - o Al-Muhajiroun.
No final da década de 1990, Bakri Muhammad visitou vilarejos e cidades com grandes populações muçulmanas em uma campanha de recrutamento para seu novo grupo. Na época, ele não foi contestado pelo governo britânico, mais preocupado com a ameaça de grupos republicanos irlandeses extremistas.
As autoridades viam Bakri Muhammad como um tolo. Poucos perceberam o quão separatistas e perigosas eram suas opiniões.
Ao longo dos anos, passei muito tempo na cidade de Crawley (ao sul de Londres) investigando o terrorismo para a BBC. Com suas casas bem conservadas e ruas frondosas, a parte nova da cidade não parece um terreno de recrutamento para a jihad. Mas alguns dos islâmicos mais notórios do Reino Unido nasceram lá.
Três homens entre os que mais tarde foram condenados por planejar a detonação de uma enorme bomba de fertilizante em 2004 cresceram na cidade. O líder do ataque, Omar Khyam, tinha fortes ligações com o Al-Muhajiroun.
Omar Khyam e um outro idealizador do ataque que a polícia pôde impedir, Jawad Akbar, frequentaram a escola secundária Hazelwick. Certa vez, Bakri Muhammad conseguiu ser convidado para conversar com os alunos.
O diretor da escola Hazelwick na época era Gordon Parry.
"Naquele momento, nosso envolvimento com ele era simplesmente promover a tolerância religiosa, a compreensão e a inclusão", diz ele. "Hoje sei que aquela atitude foi totalmente ingênua. Mas na época eu não entendi o que ele representava."
Avançando até o ataque terrorista na London Bridge em 2017, é possível dizer que há forte vínculo com o Al-Muhajiroun. O líder do ataque, Khuram Butt, era simpatizante da rede e até apareceu em um documentário do Channel 4, no ano passado, chamado The Jihadis Next Door.
Butt nunca escondeu suas opiniões extremistas, e isso levanta uma grande questão para o governo britânico: a ameaça representada por radicais ligados ao Al-Muhajiroun foi subestimada por anos?
Um ex-assessor sênior do governo, responsável por reportar ameaças terroristas, acha que sim. Richard Kemp era presidente do grupo Cobra (comitê que assessora o governo em questões de segurança nacional) à época dos atentados de 2005 em Londres,
"Nós fomos muito tolerantes com o Al-Muhajiroun", diz Kemp, para quem não houve apuração necessária sobre o uso de linguagem ofensiva e ameaças da rede.
"Foi um grande fracasso e temos visto as consequências. Já vimos Lee Rigby (soldado assassinado em Londres em 2013) por um seguidor do Al-Muhajiroun, vimos numerosos ataques em todo o mundo."
Kemp, que também é ex-comandante das forças armadas britânicas no Afeganistão, diz que houve complacência em relação ao Al-Muhajiroun, tanto na comunidade de inteligência quanto em sucessivos governos. "Houve uma verdadeira falha política e entre os serviços policiais e de inteligência para entender a forma como essa situação se desenvolveria."
Kemp identifica períodos de "inatividade" por parte das autoridades antes do 11 de Setembro - mas também depois - que foram extremamente perigosos.
"As redes e os indivíduos envolvidos nelas viram que éramos fracos. Viram que queríamos apaziguá-los, que deixaríamos que continuassem (suas atividades) e eles exploraram isso - em termos de desenvolvimento e de construção de um grupo."
"Havia um elemento de complacência entre as pessoas que estavam monitorando suas atividades. Certamente, eu ouvi palavras como 'falastrão' ou 'bravatas' sendo usadas (pelos serviços de inteligência) para se referir a alguns casos... de que eram pessoas que falavam em guerra, mas que não necessariamente lutavam e que não representavam uma grande ameaça para o Reino Unido."
Peter Clarke, ex-chefe de antiterrorismo da polícia de Londres, não concorda com essa análise.
"É fácil dizer olhando para trás que algo deveria ter sido feito mais cedo em relação à ameaça islâmica. Isso é muito simplista. O acordo de Belfast (ou Acordo da Sexta-feira Santa, que selou a paz na Irlanda do Norte) pode ter sido assinado em 1998, mas os republicanos dissidentes do IRA estavam atacando alvos no Reino Unido, incluindo a BBC, até 2001. Naquela época, os grupos islâmicos estavam envolvidos em crimes leves para levantar fundos e enviar dinheiro às organizações políticas em seus países de origem."
Em 2004, ficou claro que a ameaça aumentou. Uma mensagem eletrônica interceptada, sobre o aperfeiçoamento de produtos usados para fabricar uma bomba de fertilizante, levou a uma grande investigação antiterrorista da polícia e do MI5 - a Operação Crevice. Meses depois, veio outra grande investigação, a Operação Rhyme, que desvendou uma segunda trama de ataque a bomba no Reino Unido.
Esses casos foram investigados rapidamente, diz Clarke. "Ambas (as mensagens) foram interceptadas como resultado de uma investigação intensiva do MI5 e da polícia, e precederam os ataques de 7 de julho. Portanto, não é correto dizer que a ameaça islâmica foi ignorada."
"As prioridades foram escolhidas de acordo com a ameaça representada por vários grupos. Após o 11 de Setembro, os grupos terroristas irlandeses recuaram suas atividades, permitindo uma mudança de foco para se os militantes islâmicos constituíam uma ameaça."
Os homens que planejaram os ataques com bombas de fertilizantes e, no ano seguinte, os responsáveis pelos atentados de 7/7 em linhas de metrô e ônibus de Londres que deixaram 52 mortos, todos eles tiveram ligações com o Al-Muhajiroun.
Em 2004, estava claro que a rede tinha sido uma espécie de porta de entrada para o terror.
Al-Muhajiroun e seus líderes sempre fizeram um jogo de gato e rato com o governo. Bakri Muhammad fechou o grupo em 2004 porque achou que estava prestes a ser banido.
Mas a rede lançou uma série de grupos menores que, de fato, eram nomes diferentes para a mesma rede.
Al-Ghurabaa e o Saviour Sect surgiram em 2005 - e foram banidos em 2006. Outros grupos criados pela mesma rede incluíam Muslims Against Crusades (Muçulmanos contra Cruzadas), Islam4UK (Islã para o Reino Unido), Shariah4UK (Sharia para o Reino Unido), Call to Submission (Chamada à Submissão), Islamic Path (Caminho Islâmico), the London School of Sharia e Need4Khilafah.
Todos eles foram banidos pelo governo depois. E todos podem ser considerados como parte da rede Al-Muhajiroun. Todos queriam ver a lei islâmica da sharia introduzida no Reino Unido à força, não acreditam na democracia e têm opiniões hostis sobre muçulmanos xiitas e outras minorias que se dizem fiéis aos ensinamentos do Alcorão.
Então, por que não foi feito mais? Estamos falando de extremismo ideológico, praticado por líderes do Al-Muhajiroun como Anjem Choudary (ativista islâmico conhecido na Grã-Bretanha pelo apoio explícito ao Estado Islâmico), que sempre tiveram o cuidado de ficar no lado certo da lei para que não pudessem ser presos.
"Ninguém sabia que a posição ideológica do Al-Muhajiroun levaria inevitavelmente à violência no país", diz Clarke.
"Uma vez que a ameaça dos republicanos dissidentes (irlandeses) recuou, o foco na ameaça islâmica cresceu muito rapidamente. Também é justo dizer que até então ninguém havia identificado uma ameaça terrorista enraizada em ideologia e não em objetivos políticos, que não conhecia fronteiras e para cujos adeptos a captura ou a morte não eram um risco, mas uma aspiração."
O Estado britânico tomou medidas. Bakri Muhammad foi impedido de voltar a entrar no Reino Unido após os atentados de 7/7 em Londres, e voltou para o Líbano - onde cumpre pena por crimes de terrorismo. Mas sua rede continuou sob diferentes nomes.
Adeptos da rede foram associados a planos de ataques terroristas em todo o mundo. Alguns foram presos no Reino Unido.
Os cinco fabricantes de bombas de fertilizantes - Omar Khyam, Jawad Akbar, Waheed Mahmood, Anthony Garcia e Salahuddin Amin - e outros seguidores, como Sulayman Keeler e Abu Izzadeen, foram condenados por delitos ligados a terrorismo. Anjem Choudary foi finalmente condenado - a cinco anos de prisão - pelo apoio ao Estado Islâmico.
Esses são os ataques ligados à Al-Muhajiroun:
- 2003: Ataque suicida com bomba no bar Mike's Place em Israel
- 2004: Operação Rhyme desmantela ataque com bombas de fertizantes no Reino Unido
- 2005: Atentados de 7/7 em Londres
- 2013: Assassinato de Lee Rigby em Londres
- 2014: Ataque suicida no Iraque por Waheed Majid
- 2017: Ataques na região da London Bridge
A conexão entre o recente ataque terrorista na London Bridge e o Al-Muhajiroun provavelmente terá destaque na investigação em curso.
Após o atentado em London Bridge, a primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, disse que "agora chega" ressaltando que haveria um endurecimento por parte do governo para impedir novos atentados.
Mas, com base no fracasso de sucessivos governos para conter a radicalização, Richard Kemp continua preocupado. "Não tenho certeza de que (para tal) exista coragem ou vontade política."