O enigma dos livros venenosos encontrados em uma biblioteca da Dinamarca
Obras dos séculos 16 e 17 tinham em sua capa pigmentos de arsênico, uma das substâncias mais tóxicas que existem; pesquisadores explicam por que esse veneno pode estar presente em museus e coleções antigas.
Quando pesquisadores dinamarqueses encontraram três livros cobertos de veneno na biblioteca da Universidade do Sul da Dinamarca (SDU), evocaram diversas teorias conspiratórias: seriam as obras parte de um plano assassino, assim como o livro envenenado por um monge do romance O Nome da Rosa (de Umberto Eco, 1980) que acabou matando todos os seus leitores?
Os livros dinamarqueses em questão são duas obras de história e uma biografia de personagens religiosos, os três datados entre os séculos 16 e 17.
E os pesquisadores se surpreenderam ao descobrir que as capas dos três livros continham o mesmo elemento químico: arsênico, uma das substâncias mais tóxicas que existem e cujo envenenamento pode causar - dependendo da quantidade e da duração da exposição - desde irritação estomacal e intestinal, náusea, diarreia, lesões de pele e problemas pulmonares até câncer e morte.
E seu poder de envenenamento não diminui com o passar dos anos.
Mas, ao analisar os livros dinamarqueses, os pesquisadores concluíram que sua toxicidade provavelmente se deve a algo mais prosaico do que um complô mortífero.
Para Jakob Holck e Kaare Lund Rasmussen, respectivamente bibliotecário e professor de Física, Química e Farmácia na SDU, que descobriram e estudaram os livros, é provável que em algum momento dos séculos 16 e 17 alguém tenha pintado as capas dos livros com um pigmento verde que continha arsênico, cuja toxicidade só foi descoberta na segunda metade do século 19.
Descoberta por acaso
Holck explica à BBC News Mundo que descobriu por acaso que os livros eram venenosos, enquanto estudava os textos, suas folhas e sua encadernação.
A encadernação, em particular, era feita de pedaços de manuscritos medievais adaptados para servirem como capa do livro. "O mais provável é que (esses manuscritos) fossem documentos da Igreja Católica. Continham, entre outras coisas, (textos sobre) a lei canônica e a lei romana", diz Holck.
Mas os especialistas vinham tendo dificuldade em analisar os textos porque eles estavam recobertos de uma pintura verde.
Depois de um teste de laboratório, acabaram descobrindo que esse pigmento verde era feito de arsênico.
"Por sorte, nós havíamos manuseado os livros com muito cuidado antes mesmo de saber sobre o arsênico", conta Holck.
Acredita-se que ninguém mais tenha tocado nessas capas nos últimos anos, uma vez que elas estavam armazenadas e não haviam sido catalogadas eletronicamente.
Verde Paris
Em artigo escrito para a revista acadêmica The Conversation, no qual revelaram sua descoberta, Holck e Rasmussen apontaram que o pigmento verde venenoso usado nas capas era provavelmente "verde Paris" - um pó cristalino cor de esmeralda que era amplamente usado no passado, por ser durável e facilmente fabricado.
Na Europa, no começo do século 19, esse "verde Paris" chegou a ser produzido em escala industrial, vendido por exemplo como tinta para pinturas impressionistas e pós-impressionistas.
Isso significa, portanto, que muitas peças hoje abrigadas em museus ou livros de coleções antigas contêm pigmentos de arsênico e outros elementos químicos, algo "desafiador" para seu estudo e armazenamento, agrega Holck.
Embora o pigmento venenoso fosse comumente aplicado para fins estéticos, inclusive para decorar capas de livros, os pesquisadores da SDU acreditam que as três obras recém-descobertas na Dinamarca tenham sido pintadas por outro motivo.
Como o pigmento verde estava em apenas parte das capas, os pesquisadores acham que o objetivo original dos encadernadores era protegê-las de insetos e vermes.
Protegidos
Atualmente, as três obras estão catalogadas na coleção da biblioteca da SDU e não representam perigo de envenenamento.
"Os livros agora estão guardados em um armário ventilado e só podem ser tocados com luvas especiais", diz Holck.
A ventilação especial se deve ao fato de o arsênico ser perigoso não apenas ao ser tocado, mas também inalado: sob determinadas condições, ele pode se transformar em um gás altamente tóxico, com um cheiro que lembra o do alho.
Isso pode explicar, segundo Holck e Rasmussen, as terríveis e misteriosas histórias de mortes de crianças dentro de quartos com papéis de parede verde na Era Vitoriana, ainda no século 19.
E o que fazer, então, com todas as demais obras acadêmicas e artísticas que podem conter arsênico ao redor do mundo? Ninguém sabe ao certo.
"Que eu saiba, não há estatísticas a respeito", diz Holck.