Os números que mostram o avanço do antissemitismo na Europa
Pesquisa mostra que os judeus europeus estão cada vez mais preocupados com o risco de serem perseguidos.
O antissemitismo está avançando, e os judeus estão cada vez mais preocupados com o risco de serem perseguidos. É o que mostra uma pesquisa realizada em 12 países europeus.
Milhares de judeus entrevistados pela Agência dos Direitos Fundamentais (FRA, na sigla em inglês), da União Europeia, relataram ter sofrido agressões físicas de natureza antissemita no ano passado, enquanto 28% contaram terem sido assediados verbalmente.
De todos os países analisados, a França é apontada como aquele que enfrenta os problemas mais graves de antissemitismo.
A Alemanha, o Reino Unido, a Bélgica, a Suécia e a Holanda também reportaram incidentes sérios.
No dia em que o relatório foi divulgado, a polícia italiana anunciou que estava investigando o roubo de 20 placas em memória do Holocausto.
As pequenas placas metálicas - dedicadas a membros de uma família judia, os De Consiglios - foram arrancadas das calçadas de Roma durante a noite.
Quais são as principais conclusões?
A agência europeia de direitos humanos, sediada em Viena, retrata um cenário em que sinagogas e escolas judaicas requerem segurança especial e "comentários de ódio" se propagam na internet, na mídia e na política, além de instituições de ensino e ambientes de trabalho.
A pesquisa foi divulgada semanas depois de um homem armado ter assassinado 11 pessoas em uma sinagoga na cidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos.
Este é o segundo relatório publicado em seis anos pela FRA, que entrevistou judeus nos 12 países da União Europeia com maior população judaica.
O levantamento afirma que os episódios de abuso antissemita se tornaram tão comuns que a maioria das vítimas não se incomoda em relatar os incidentes. Entre as descobertas, estão:
- 89% dos 16.395 judeus entrevistados consideram que o antissemitismo na internet é um problema em seu país.
- 28% sofreram algum tipo de assédio por ser judeu nos últimos 12 meses; 2% foram agredidos fisicamente.
- 47% se preocupam com a possibilidade de serem vítimas de insultos ou assédio verbal de natureza antissemita nos próximos 12 meses; 40% têm receio de agressões físicas.
- 34% evitaram participar de eventos judaicos, pelo menos em algumas ocasiões, por temer pela segurança.
- 38% cogitaram emigrar nos últimos cinco anos por causa de receios de segurança.
Onde o antissemitismo é mais significativo?
Um percentual surpreendente de 95% dos judeus franceses vê o antissemitismo como uma questão muito ampla ou razoavelmente ampla.
A França foi alvo de uma série de ataques jihadistas, incluindo a morte de reféns em um supermercado judaico de Paris em 2015.
Somente neste ano, Mireille Knoll, uma mulher de 85 anos que escapou do Holocausto, foi assassinada em seu apartamento em Paris, e um menino de oito anos que usava um quipá (espécie de chapéu usado pelos judeus) foi atacado na rua por adolescentes.
O primeiro-ministro francês, Edouard Philippe, mencionou um aumento de 69% nos incidentes antissemitas no país, que tem a maior população judaica da Europa - cerca de meio milhão de pessoas.
Ele anunciou a criação de uma rede nacional de investigadores para combater crimes de ódio, e afirmou que uma força-tarefa escolar seria enviada para ajudar os professores a combater o antissemitismo em sala de aula.
Mais de 80% dos entrevistados consideram o antissemitismo um problema sério na Alemanha, Bélgica, Polônia e Suécia.
No mês passado, a chanceler alemã, Angela Merkel, disse que os alemães praticamente se acostumaram com o fato de instituições judaicas precisarem de proteção especial ou segurança policial.
A Suécia, por sua vez, apresentou um dos aumentos mais acentuados nas percepções de antissemitismo nos últimos seis anos, junto ao Reino Unido e a Alemanha.
Por que a Suécia viu um aumento tão forte?
"Acho que muitos judeus na Suécia estão com medo", diz Isak Reichel, secretário-geral da comunidade de Estocolmo.
No ano passado, uma campanha de ódio neonazista forçou uma associação comunitária judaica a fechar as portas na cidade de Umea, no norte do país.
Em seguida, em dezembro, três homens de origem árabe jogaram bombas de gasolina em uma sinagoga em Gotemburgo, enquanto jovens realizavam uma festa. O ataque aconteceu depois que o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel.
A população judaica da Suécia é de apenas 20 mil pessoas, e a maioria faz questão de não chamar a atenção.
"Eles não andam por aí com quipá. Se têm uma estrela de Davi pendurada no pescoço, eles a escondem. As crianças não dizem na escola que são judias", disse Reichel à BBC.
O que está acontecendo no Reino Unido?
A maioria dos incidentes antissemitas no Reino Unido envolve comportamento abusivo e os números do ano passado bateram recorde, de acordo com a Community Security Trust, instituição que trabalha em parceria com a polícia para proteger os judeus.
E, no verão, o tema dominou o debate político durante meses, com acusações de antissemitismo contra o Partido Trabalhista e seu líder, Jeremy Corbyn.
O partido estava dividido sobre a definição de antissemitismo proposta pela Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA, na sigla em inglês), mas acabou aprovando a adoção da definição em setembro, junto a uma declaração protegendo a liberdade de expressão.
Semanas depois, a deputada trabalhista judia Luciana Berger precisou de proteção policial durante a conferência anual do partido.
O debate dos trabalhistas também teve dois efeitos principais para os estudantes judeus, diz a chefe da União dos Estudantes Judeus, Hannah Rose.
"Uma é a normalização da retórica antissemita na esquerda - que é cada vez menos questionada; em segundo lugar, os estudantes não-judeus acreditam que conhecem o antissemitismo mais do que os próprios judeus", disse ela à BBC. "As pessoas não querem se educar sobre como você pode criticar Israel sem ser antissemita."
Ela deixou o Partido Trabalhista em setembro.